Política

Gestão de Waldir Teis é marcada pela “indulgência”

Foto: Pedro Alves

O mandato do conselheiro Waldir Teis, presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), está chegando ao fim. Empossado no dia 02 de janeiro do ano passado para o biênio 2014/2015, a diretoria conta ainda com o vice-presidente José Carlos Novelli, e Valter Abano, no papel de Corregedor-Geral da instituição. Com a prisão de personagens graúdos da política mato-grossense nos últimos dois anos, período em que sempre contaram com a aprovação de seus gastos, não seria um erro denotar à gestão de Teis, a pecha “Teis, o Indulgente”.

A etimologia – ciência que estuda a origem e evolução das palavras -, do termo “indulgência”  remete ao latim indulgens, que quer dizer “complacência, remissão“ e vem do verbo indulgere, “ser bondoso, ceder”. No entanto, o sentido de “liberação de castigo por um pecado” para designar o termo “indulgência”, que data do século XIV, parece ser o ideal para descrever a gestão de Waldir Teis.

Ao longo dos últimos dois anos, Mato Grosso passou por momentos únicos em sua história, com destaque para a organização de um evento em nível mundial: a Copa do Mundo de 2014, que contou com Cuiabá como uma das 12 capitais brasileiras que sediaram o evento, ocorrido entre junho e julho do ano passado. Os jogos foram utilizados como argumento para verdadeiras “aventuras” de alguns ex-gestores do poder público, como obras de infraestrutura urbana de eficiência duvidosa, como o viaduto da Sefaz (hot wheels) e da UFMT.

Uma das vedetes, que é consenso na sociedade, foi o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT). A iniciativa é vista como projeto pessoal de Silval Barbosa (PMDB), governador na época e hoje hóspede da Secretaria de Estado de Segurança, uma vez que foi preso pela “Operação Sodoma”, do Gaeco; e José Riva (PSD), o homem com mais de cem processos na justiça e que, até 2013, revezou com outros deputados por quase 18 anos os cargos de presidente e primeiro secretário da casa, e que também foi preso em 2014 e 2015.

Mas qual a relação com a gestão de Waldir Teis? Silval Barbosa teve as contas referentes a  2013 julgadas no ano passado. O Ministério Público de Contas, que atua junto ao TCE, apontou diversas irregularidades, com destaque para a “não adoção de providências para cobrança de dívida ativa”, “aberturas de créditos adicionais por conta de recursos inexistentes” e “não aplicação do percentual mínimo de 35% da receita de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino” entre outros desvios.

Mesmo diante de tais irregularidades, as contas do governador foram aprovadas pelo relator, o conselheiro substituto Luiz Carlos Pereira que, aparentemente, desprezou o trabalho dos técnicos do Ministério Público de Contas. Fato semelhante ocorreu este ano, durante a apreciação das contas de 2014.

“TCE livra a cara de Silval”

A reportagem da edição 542 do Circuito Mato Grosso, “TCE, novamente, livra a cara de Silval”, apontou nova absolvição do ex-governador pelo órgão.

Por unanimidade, o Tribunal aprovou no dia 16 de junho deste ano as contas de 2014 do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), que esteve à frente do Palácio Paiaguás antes de o atual chefe do Executivo, Pedro Taques (PSDB), assumir sua cadeira. Várias irregularidades apontadas no parecer técnico de servidores e do próprio relator – o conselheiro Antônio Joaquim Neto –, não foram suficientes para tentar tirar a limpo um dos períodos mais fraudulentos que a administração pública mato-grossense já vivenciou.       

No relatório do Ministério Público de Contas, uma cifra de quase R$ 2 bilhões aparecia “sem dizer o fundo ou programa que geria esse recurso”.

Riva é preso pelo Gaeco, mas absolvido pelo TCE

José Riva é uma figura ímpar na política brasileira. Com o título nada glorioso de “maior ficha suja do país”, com mais de 100 processos, foi preso, em 2014, pela Polícia Federal durante a “Operação Ararath” e, neste ano, nas operações “Imperador” e “Ventríloquo”, sendo esta última por crimes de peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

As duas juntas teriam desviado mais de R$ 72 milhões dos cofres públicos, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), que apontou entre os crimes um suposto esquema de fraudes em processos licitatórios, que envolviam até sua esposa, Janete Riva, que já foi Secretária de Estado de Cultura em 2013, na gestão Silval Barbosa.

Curiosamente, no julgamento das contas da Assembleia Legislativa referentes ao ano de 2013, ocorrida em dezembro do ano passado, o conselheiro substituto, Luiz Carlos Pereira, novamente considerou regulares os gastos, embora o Ministério Público de Contas tenha chamado a atenção em seu relatório para um dos principais motes que levaram Riva à prisão pelo Gaeco: realização de procedimentos licitatórios sem a devida abertura de processo administrativo formal, conforme consta na página 3 do levantamento do órgão.

Roseli Barbosa e Maurício Guimarães anistiados

Antes de deixar a Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (SECOPA), extinta mesmo sem a entrega de várias obras de mobilidade urbana em Cuiabá e Várzea Grande, o ex-secretário Maurício Guimarães assistiu o Ministério Público Estadual (MPE) e o Ministério Público Federal (MPF) solicitarem à justiça o bloqueio de seus bens. A ação de ambas instâncias não encontraram ressonância com o TCE, que aprovou as contas do órgão de 2013, julgadas em dezembro do ano passado. A análise financeira e contábil de 2014 ainda não foi realizada.  

A SECOPA era a responsável pelas obras de mobilidade urbana que até hoje são alvo de polêmicas entre empresas, justiça e o atual governo. Em torno de R$ 1 bilhão já foi gasto com o VLT e os vagões dos trens continuam sujeitos a intempéries e ao desgaste do tempo em seus depósitos, pois nunca foram utilizados desde sua chegada à Cuiabá.

Roseli Barbosa, esposa do ex-governador Silval Barbosa, pode ter escapado das garras do TCE enquanto era Secretária de Trabalho e Assistência Social de Mato Grosso, mas não teve a mesma condescendência do GAECO. Envolvida no escândalo que desviou R$ 8 milhões em recursos públicos no período em que ficou à frente da pasta, entre 2011 e 2014, denunciado pelas operações “Arqueiro” e “Ouro de Tolo”, foi presa em agosto, mas absolvida pelo Tribunal de Contas que analisou como “regulares” a movimentação contábil de 2013.  

"Existe falha na hora de julgar as contas”

Existe uma falha na forma de analisar as contas. Do jeito que elas são formatadas, que levam em conta apenas a quantidade e não a qualidade dos gastos dos gestores públicos, o julgamento é feito para que elas sejam aprovadas. A opinião é do presidente da Associação dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (AUDIPE), Vander da Silveira Melo.

Em conversa com o Circuito Mato Grosso, o técnico de carreira do TCE-MT citou a Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (SECOPA-MT), responsável pela implementação de políticas públicas que dessem estrutura aos jogos realizados entre junho e julho do ano passado. Ele disse que, nesse caso, do qual o órgão era responsável pelas obras de mobilidade urbana, incluindo o VLT, as eventuais sanções que poderiam recair sobre os gestores atingiriam os secretários de Estado, e não o governador, uma vez que esses projetos não entram na conta do governo.

“No caso das obras de mobilidade urbana, o julgamento das obras não entram na conta do governo, e, sim, da Secretaria. Além disso, os técnicos possuem apenas 60 dias para analisar esses números, o que é pouco”, disse.

Vander afirma que critérios melhores precisam ser implementados e que o próprio TCE-MT sai prejudicado nessas aprovações de contas dos gestores.

“Analisando sob o prisma de que os ordenadores de gastos são as secretarias, o TCE sai prejudicado frente à opinião pública. O processo precisa ser melhorado. Se continuar assim, o Tribunal continuará a cometer equívocos”.

Corporativismo e demonstrações de “amizade”

Mas nem só de aprovações de contas de políticos profissionais e secretários de Estado é feita a atual gestão do TCE-MT. Na sessão plenária realizada no dia 06 de outubro, o conselheiro Antônio Joaquim Moraes Rodrigues Neto, ex-deputado federal, iniciou uma “defesa” referente a uma disputa pessoal que se arrasta já há alguns anos.

A polícia judiciária civil prendeu em flagrante, no dia 30 de setembro, os donos dos jornais ‘O Mato Grosso’ e ‘Página 12’, ao tentarem extorquir o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Antônio Joaquim. Pedro Ribeiro e Laerte Lannes cobravam, segundo informações da assessoria de imprensa do Tribunal de Contas, um contrato mensal de R$5 mil por dois anos, para não falar mal do conselheiro.

O caso ganhou os holofotes e foi usado como justificativa por Antônio Joaquim, em plenário, para se defender, dizendo que até então tinha “evitado” envolver o Tribunal nessa disputa, embora nos últimos três anos tenha convocado diversas coletivas de imprensa no próprio TCE para explicar essa disputa pessoal.

No último dia 06, Antônio Joaquim relatou que “pseudojornalistas” – a mando de um proprietário de uma fazenda vizinha a sua, em Nossa Senhora do Livramento, na região metropolitana de Cuiabá, e que nos últimos anos vem promovendo uma queda de braço com Antônio Joaquim – vêm protagonizando uma “campanha sórdida para atingir a mim e ao Tribunal”.

Ele se queixa de uma “suposta” perseguição, que relata “ser doentia e da qual sou vítima”, afirmando que nunca foi “grilador(sic) de terra” e que também não teve, em 30 anos de carreira pública, um processo por corrupção em sua vida. Sobre essa última afirmação, não é o que diz o estudo “Quem são os conselheiros do Tribunal de Contas”, da ong “Transparência Brasil”, de 2014, que afirma que ele já foi condenado em primeira estância por improbidade administrativa e perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos por três anos.

Depois, ao final do discurso, o plenário do TCE-MT transformou-se numa roda de “amigos camaradas”. Assim que terminou sua declaração, o presidente do órgão, Waldir Teis, elogiou a atitude de Antônio Joaquim, dizendo que “não há como você fazer esse tipo de trabalho porque não há o mínimo de coerência nesse tipo de tratamento comercial”, em referência à extorsão.

Depois foi a vez do conselheiro Valter Albano da Silva. Em longo pronunciamento, ele citou o fato de ambos serem “do mesmo lado do Rio Araguaia”, em Barra do Garças (519 km de Cuiabá), “eu e você moramos muito tempo na margem esquerda”, voltando-se a Antônio Joaquim. 

Ao final de sua defesa, insinuou que o desafeto do conselheiro era um “psicopata”, buscando na filosofia espírita explicação para o que vem acontecendo com o conselheiro, “vossa excelência, meu amigo e admirado, Antônio Joaquim”.

Após o discurso, Teis falou novamente, afirmando que nessa vida “cada um tem sua cruz e que a gente sempre pensa que a nossa é a mais pesada até olhar a do outro”.

Completando o time de defesa de Antônio Joaquim, que convocou em seu discurso a “intervenção do Ministério Público”, José Carlos Novelli prestou sua “solidariedade”, dizendo que o “Tribunal está do seu lado”.

O Circuito procurou o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) para perguntar se esse tipo de ação faz parte da atuação da instituição. A assessoria respondeu que o órgão “atua em prol do coletivo”, e não em “brigas com o vizinho”, caso da demanda de Antônio Joaquim.

“O Ministério Público Estadual atua em prol de coletivo. Uma briga com o vizinho é algo pessoal”. 

Circuito Mato Grosso é vigilante

Embora agentes poderosos tenham conseguido a salvaguarda do Tribunal de Contas do Estado, outros órgãos de controle como a Polícia Federal, Ministério Público e Polícia Civil, não combatem sozinhos na trincheira de defesa dos interesses coletivos e da moralidade das instituições. O jornal Circuito Mato Grosso, semanário que circula no Estado, vem cumprindo o seu papel na imprensa mato-grossense, na publicação de reportagens e matérias que denunciam desvios de condutas, negócios polêmicos e conchavos políticos.

“Briga de Foice por vaga no TCE”, na coluna Pérolas da edição 430, de Março de 2013, relatava uma disputa pela tão sonhada cadeira de conselheiro do TCE-MT, um cargo vitalício, cujos vencimentos de seus membros chegam perto dos R$ 30 mil – isso sem contar a possibilidade de indicação de seus “correligionários” para cargos de segundo e terceiro escalão. Na ocasião, o deputado estadual Gilmar Fábris (PSD) e a ex-deputada federal Tetê Bezerra (PMDB) protagonizavam a disputa.

A indicação para a citada vaga deixada por Humberto Bosaipo, afastado do Tribunal em 2014 e que tem três condenações na primeira instância por improbidade administrativa, foi suspensa para análise em dezembro do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após José Riva articular para que sua esposa, Janete Riva, ocupasse o cargo.

Em junho do mesmo ano, na edição 443, o Circuito noticiou uma situação corriqueira no Tribunal: enquanto os servidores de carreira e técnicos do TCE analisam as contas sem influências político/partidárias, muitas vezes, julgando como irregular esses dispêndios, os conselheiros ignoram o trabalho minucioso desses trabalhadores para, no fim, aprovar as contas. Foi o que ocorreu com o vice-governador da gestão Silval Barbosa, Chico Daltro (PSD), que também teve as contas apreciadas pelo órgão.

A reportagem relatava que, apesar de o TCE apontar para “Falta de Transparência”, além de “balanços que não detalham dotações orçamentárias nem execução de despesas”, as contas, ainda assim, foram aprovadas.

O Lar da Criança, política pública gerida pela Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (SETAS-MT), comandada na época por Roseli Barbosa, esposa do ex governador Silval Barbosa, presa na operação “Ouro de Tolo”, estreou nas páginas do Circuito na edição 448, de julho de 2013. Acusada de desvios que somam R$ 8 milhões, ela também foi perdoada pelo TCE.

E assim foi por várias outras edições, como a capa da edição 507. “Tribunal (faz) de Contas”, de setembro de 2014, que trazia um apanhado de polêmicas envolvendo gastos públicos que contaram com a indulgência da gestão Waldir Teis, como os gastos da SECOPA e das obras de mobilidade urbana, e o famigerado Regime de Contratação Diferenciada (RDC), o caso das cadeiras da Arena Pantanal e, novamente, a investigação do GAECO envolvendo Roseli Barbosa.

Em 2015 o TCE-MT já foi capa da edição 536, “Quem assume a cobiçada vaga no céu”, em alusão ao caráter vitalício da condição de membro e subsídios que chegam a R$ 150 mil, entre salários, benefícios e verbas de gabinete.

Confira detalhes da reportagem do Circuito Mato Grosso

Diego Fredericci

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