O fundo partidário incluso na reforma política em trâmite na Câmara Federal é rejeitado por políticos de Mato Grosso e especialistas em direito eleitoral. A proposta de criação de conta com R$ 3,6 bilhões para financiar campanha eleitoral é vista como exagerada e com tendência a apenas perpetrar a permanência de políticos tradicionais no poder.
Para parte numérica da proposta, o professor de direito constitucional da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), Marcelo Antônio Theodoro, diz que o fundo já existente, que passa por revisões de valor anuais, já possui modelo que possibilita o financiamento público para campanhas.
No ano passado, o fundo fechou com cerca de R$ 800 milhões. O constitucionalista diz que o valor movimentado poderia ser dobrado para os anos eleitorais, considerando a quantia registrada no ano anterior.
“Já seria um valor maior para que os partidos possam lidar com a manutenção da estrutura [partidária] e fazer campanha eleitoral. Ou se pode pensar uma proposta de 0,10% da receita líquida, que também seria algo razoável. Agora, a proposta de R$ 3,6 bilhões [0,50% da receita líquida] é um escárnio”.
Marcelo Theodoro afirma que a reserva bilionária para gastos com campanha eleitoral pode ser vista como uma afronta ao momento de crise econômica do país, que passou por aprovação recente de congelamento de gastos para tentar colocar a contas em ordem.
“A previsão de déficit orçamentário para este ano está acima de R$ 170 bilhões e acima de R$ 180 bilhões para o próximo ano, ano eleitoral. O fundo com um valor de R$ 3,6 bilhões deve ser considerado inapropriado, não só por causa de montante que é exagero por si mesmo”.
O analista de Controle Interno e Auditoria do TRE-MT (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso), Daniel Taurines, também argumenta contra a criação do fundo, que para ele trará dificuldades a outras áreas de fiscalização eleitoral que extrapolam a questão financeira.
“Os gastos devem ser bem limitados para a campanha voltar para a criatividade convencimento do eleitor e não para o desregramento de dinheiro na campanha de políticos. Para ser ter uma ideia, somente as campanhas de deputados, em 2014, em Mato Grosso custaram R$ 5 milhões. Isso é muito dinheiro”.
Ele diz que o fundo partidário já existe, com reformulações necessárias, dão conta de financiar a campanha em um modelo que não permita o exercício de abuso de poder econômico.
“Vimos que nas eleições municipais de 2016, os gastos foram menores por causa da minirreforma eleitoral do TSE e que não houve tanto abuso como em eleições anteriores. Isso dever mantido para eliminarmos a desigualdade de competição”.
Neste ano, o fundo partidário já recebeu R$ 663 milhões, e até dezembro o montante deve chegar a R$ 900 milhões. O dinheiro é fiscalizado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que monitora a aplicação em algumas áreas previstas em lei, como a inclusão de mulheres na política e a educação ideológica partidária.
Conforme o professor Marcelo Antônio Theodoro, a distribuição é feita com base em dois critérios. Cinco por cento do montante transferido é repartido para todos os partidos cadastrados na Justiça Eleitoral, e o restante é repartido de acordo com a representatividade de bancadas no Congresso Nacional.
Fundo tem objetivo de perpetrar políticos tradicionais no poder, dizem analistas
O analista Daniel Taurines vê uma segunda intenção na criação de um fundo de partidos bilionário e com poucas regras de distribuição. A falta regularização pode fortalecer uma característica da estrutura de partidos que ele classifica de “feudo”.
A distribuição de recursos, já hoje, afirma Taurines, ocorre de modo aleatório de acordo com tendência da executiva nacional das siglas. Me miúdos, o recurso liberado pelo poder público nem sempre é destino para aquilo previsto na lei e os repasses ocorrem conforme a identificação dos presidentes com grupos internos.
“Deve existir mais democracia dentro dos partidos, que funcionam como feudos. E caso fundo bilionário seja criado, a desigualdade entre diretórios e grupos e correligionários deverá se acentuar.”
Ele apresenta dado de Mato Grosso para justificar a posição. A maioria dos partidos tem problema judicial na prestação de contas com suspensão dos repasses de recursos partidários. Hoje, 70% das siglas em Mato Grosso estão nesta situação.
“O dinheiro do fundo é transferido para executiva do partido e o presidente decide como esse dinheiro é redistribuído para os diretórios. Não existe lei que normatize isso porque a Constituição, que prevê o fundo partidário, foi elaborada à saída da ditadura militar e se queria dar mais liberdade para os partidos. Mas não existe democracia nos partidos”.
Taurines afirma que a falta de controle aponta para segunda característica do fundo bilionário. A tendência é que políticos tradicionais e mantenham no poder por formarem a cúpula interna dos partidos.
“O fundo tem um objetivo claro de perpetrar os antigos políticos. Eles [parlamentares envolvidos na montagem e votação da reforma política] sabem o que estão fazendo e estão se preservando do poder”.
O ponto também é enfatizado pelo constitucionalista Marcelo Antônio Theodoro.
“O que existe não é uma reforma, mas um remendo político para preservação da espécie. A tentativa de um estabelecimento de salvaguarda para manter políticos tradicionais no poder, com a possibilidade de reeleição.”
A reforma pode não passar na Câmara para valer em 2018
O projeto de reforma política, que contém a proposta de criação de fundo, entrou para votação do plenário da Câmara dos Deputados na noite de terça-feira (22), mas foi adiado. Com o resultado, deputados da própria base do governo chegaram a dizer que é possível que nada, ou muito pouca coisa, seja modificada no atual sistema político.
Além da criação de um novo fundo público para abastecer as campanhas, também deve existe proposta de mudança do sistema de eleição para o Legislativo -do "proporcional" para o chamado "distritão".
Não há, porém, para nenhum desses pontos, os 308 votos (60% das 513 cadeiras da Câmara) necessários para que a Constituição seja alterada.
Deputados sentiram a repercussão negativa da criação de um fundo que iria direcionar a candidatos mais de R$ 3 bilhões em uma época em que as contas do governo estão com um rombo estimado de R$ 159 bilhões.
Já o "distritão" é apontado por quase toda a ciência política e por vários partidos como um retrocesso por enfraquecer as legendas e jogar no lixo os votos dados a não eleitos e dados em excesso a eleitos – o que hoje entra na conta para a distribuição das cadeiras do Parlamento.
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reconheceu não haver apoio para aprovar o fundo ou o distritão. As negociações seguem e nova tentativa de votação será feita nesta quarta (23).
Caso o fundo e o distritão sejam enterrados, a atual reforma política pode se restringir apenas à proibição das coligações no caso das eleições de deputados e vereadores e ao estabelecimento de regras mais duras para evitar a proliferação de legendas.
Esses dois pontos, já aprovados pelo Senado, estão em um projeto paralelo que ainda está em fase de análise por uma comissão especial da Câmara. A votação na comissão também pode ocorre nesta quarta.
A ideia da atual reforma política nasceu quando o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu, em 2015, o financiamento empresarial das campanhas. Com isso, as eleições municipais de 2016 foram feitas apenas com financiamento público (o atual fundo partidário, mais a renúncia fiscal para a exibição da propaganda eleitoral por TVs e rádios), com o autofinanciamento (dinheiro do bolso dos próprios candidatos) e com doações de pessoas físicas.
Congressistas, porém, afirmam que esse sistema é insustentável no caso de eleições gerais, como a de 2018, em que serão escolhidos presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Caso o novo fundo não seja aprovado, a tendência é que congressistas inflem no ano que vem as receitas do fundo partidário, que neste ano deve distribuir mais de R$ 800 milhões aos partidos.
Para que eventuais mudanças valham para as eleições do ano que vem, elas terão que ser aprovadas pela Câmara e Senado até o início de outubro deste ano.
Líderes partidários de MT rejeitam proposta de fundo
Lideranças políticas de Mato Grosso variam suas opiniões entre momento inoportuno para aprovação do fundo partidário e a desaprovação de custos bilionários de campanha para o poder público.
O deputado federal Nilson Leitão, presidente do PSDB-MT, diz que a criação do fundo público pode desvirtuar a democracia sem a participação políticas de pessoas físicas. Segundo ele, a reforma eleitoral que entrou em vigor no começo do ano, com a proibição de doação de pessoas jurídicas para campanha, é o ápice da “criminalização” de dinheiro privado em campanha.
“Sabemos que existem casos de corrupção na doação de empresas para políticos e partidos, mas isso não pode ser proibido, precisa ser normatizado com vigor para que não ocorra. Assim como a forte doação privada é ruim, a fundo público com o valor proposto também é. Deve haver uma proposta mista”.
O ex-governador Júlio Campos (DEM-MT) diz que apesar de desacordar da proposta de R$ 3,6 bilhões para o fundo o financiamento de campanha deve ser definido após as proibições feitas pela Justiça Eleitoral na reforma de 2016.
“Fazer campanha exige dinheiro, muito dinheiro, e a Justiça proibiu a doação de empresas no ano passado, e o fundo atual é só para manter a estrutura partidária. Então, precisamos pensar alguma forma justa de financiamento, pois não dá para ficar sem previsão”.
O secretário do PSD-MT, Stephano Carmo, diz que a proposta é feita em “momento equivocado” devido à crise econômica. Ele diz que o recurso distribuído hoje é insuficiente, mas afirma que o fundo bilionário em análise não tem regras que esclareçam a aplicação do dinheiro.
“O momento é equivocado para se fazer a proposta. Se gasta para fazer campanha, mas a sociedade não entende isso, e a proposta de R$ 3,6 bilhões é pouco claro sobre como o dinheiro deve ser aplicado, então não vejo como a hora certa para a aprovação”.