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Formandos da Universidade das Quebradas celebram periferia na ABL

Projeto da UFRJ mostra como literatura transforma trajetórias
Por Alice Rodrigues – Publicado em 15/10/2025, 09:38 – Rio de Janeiro

“Eu acredito que tudo de mais interessante, tudo de novo, tudo de ousado, tudo com potência de mudar a sociedade brasileira, vem das periferias, vem das quebradas”, disse a escritora Ana Maria Gonçalves.

O discurso dela, a primeira mulher negra eleita como imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL), abriu a formatura da Universidade das Quebradas, na terça-feira (14), no Rio de Janeiro.

A fala tocou os 46 formandos do Curso de Escritores, um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que estiveram na solenidade no Teatro Raimundo Magalhães Jr, na sede da ABL. Entre eles, Ismael Queiroz Dias, 29 anos, que se identifica como “indígena, negro e caucasiano”. O jovem escritor é de Niterói, mas afirma que sua história o conecta a muitas partes do Brasil.

Ele tinha certo receio em relação ao curso por dividir o espaço com escritores já publicados. Ismael lançou, em 2022, seu primeiro livro, uma coletânea de contos sobre milicianos do Rio chamada A Cidade Maravilhosa dos Milicianos: Compêndio Poético. No entanto, encontrou um ambiente de aprendizado potente e de companheirismo.

“É um orgulho estar aqui me formando hoje e falar em nome de muita gente, dos meus ancestrais, de todas as pessoas que vieram antes de mim, da minha mestiçagem, mas principalmente dos indígenas dos quais eu sou”, revelou.


Extensão universitária

O Curso de Escritores faz parte da Universidade das Quebradas, idealizado por Heloísa Teixeira e Numa Ciro, com o objetivo de formar novos escritores, principalmente de áreas periféricas do Rio.

A iniciativa é uma parceria entre a UFRJ, o Instituto Odeon e a ABL. Os alunos têm aulas semanais no prédio da Academia e estudam obras clássicas como parte do material didático. A turma de 2025 focou nas obras do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna.

Durante o semestre, os alunos mergulharam no trabalho do autor paraibano, que une literatura e arte popular com tradição e identidade. Como peça final, os “quebradeiros e quebradeiras”, como foram apelidados pela escritora Heloísa Teixeira, lançaram o livro Suassuna Quebradeiro, com contos e peças produzidos por eles, disponível online.

A própria história

Para Lady Victória Padilha, 23 anos, nascida em Manaus e graduanda de Letras/Português na UFRJ, as aulas aproximam a universidade de quem tem uma realidade mais distante da academia. Apesar de não ser tão veterana quanto seus colegas, sua paixão por livros despertou o desejo de escrever suas próprias histórias.

Lady estudou Ariano Suassuna e diz: “Não é só uma questão de literatura regional, é uma parte da cultura brasileira que a gente acaba tendo acesso”. Seu conto na coletânea, O Jovem Vendedor de Codajás, abraça suas raízes do norte.

“É um conto de humor sobre uma viagem de barco, abordando também a experiência de vender produtos típicos como o açaí, muito costumeiros na região em que escrevi”, explica.

Arte plena

Rose de Souza Garcia, de 60 anos, também passou pela faculdade de Letras da UFRJ e conhecia a Universidade das Quebradas. Apenas após publicar seu primeiro conto este ano, sentiu que era o momento de se inscrever no curso.

Rose reconhece que, por estar ligado a determinadas instituições, alguns processos são mais rígidos. “É preciso cavar espaços, encontrar brechas e flexibilizar certas estruturas para a arte se manifestar plenamente”, afirma.

Apesar dos desafios, a experiência tem sido enriquecedora: “É um aprendizado porque estamos juntos, trocando e conhecendo as realidades de outros escritores”.

Carlos Gradim, presidente do Instituto Odeon, complementa: “Os alunos trazem uma bagagem com a escrita — profissional ou amadora — e o curso trabalha com esses talentos. Temos um espaço de escuta, porque entendemos que, nos territórios que selecionamos, há um saber muito potente que já está posto, e trazemos, de alguma forma, o saber acadêmico que dialoga com esse conhecimento existente”.

Com Agência Brasil

Lucas Bellinello

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