Em tempos de “desordem sangrenta”, quando grupos minoritários são assassinados, para além do seu centenário, homenagear o poeta, escritor, jornalista e jurista Gervásio Leite torna-se oportuno. Em “Emancipação do Índio”, abominou a tutela do indígena pelo Estado e mostrou-se favorável à sua emancipação.
É preciso relembrar o ano de 1908, quando Herman von Ihering, diretor do Museu Paulista, considerou os indígenas da etnia Kaingang como “um impecilho para a colonização das regiões do sertão que habitam”, não havendo “outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio”. Hoje, os índios, que representam 0,42% da população brasileira e continuam a ser considerados responsáveis ao entrave do desenvolvimento do País, são citados pelo Estado em um jogo de palavras que leva à interpretação discriminatória: acomodar/desacomodar.
Mas, o que quis dizer Gervásio Leite por emancipação dos povos indígenas? Escreveu o jurista: “convenci-me de que só a grande emancipação impediria o desmantelamento traumático da cultura dos aborígenes a flutuar desorientados entre duas culturas”.
A Revista Pindorama, criada em 1939, dirigida por Rubens de Mendonça, Gervásio Leite e João Batista Martins Melo, clamou por uma literatura que possibilitasse vir à flor uma identidade mato-grossense. Incorporada aos ideais do movimento Modernista de 1922, pretendia ser “o grito de revolta contra o academismo”, “um programa de uma revista de moços, com novidade e atualidade”, lembrando as palavras de Rubens de Mendonça. Pindorama deu lugar a outras revistas que também queriam pôr em evidências os jeitos de viver de Mato Grosso. Em seu próprio compasso, seguia aqueles modernistas que olhavam para a ancestralidade indígena, sertanismo, regionalismo.
Estão os índios a “flutuar desorientados entre duas culturas”? Seus jeitos de ser não cabem no nosso mundo. Como tentou nos ensinar Drummond, é preciso nutrir grandes esperanças. E o tempo presente é tão grande… Vamos todos, de “Mãos dadas”, buscar a Terra Sem Males. Lá há lugar para todos.