Durante os meses de abril de 2007 a janeiro de 2009 escrevi os artigos “Torquemadas nunca mais”, “A esperança e suas filhas” e “O juiz, o tribunal e a imparcialidade” para o Jornal A Gazeta quando na época exercia honrosamente a presidência da AMAM – Associação Mato-grossense de Magistrados.
Esses três artigos foram para mim emblemáticos, tendo em vista um inicial período que seria bastante traumático na minha vida e de outras pessoas queridas, o qual se prolongaria por mais de uma década e um triênio, com dias de muita luta e grandes batalhas extenuantes para alcançar uma Justiça então colocada quase como intangível.
Hoje tenho a firme e indelével convicção de que tais artigos serviram como portentoso alicerce para essa luta e para o bom combate, encerrados ao final de mais de 13 anos com decisão de única e última instância: o Supremo Tribunal Federal. Nela restou a cabal demonstração de inocência dos injustiçados e da inexistência dos fatos que levaram a aplicação de penalidade administrativa desviantes dos parâmetros mínimos de verdade, razoabilidade e proporcionalidade.
No “Torquemadas nunca mais” lembrei o eminente Ministro Marco Aurélio do Pretório Excelso que certa vez asseverou: “Esse é o preço que se deve pagar para viver na democracia. A nossa atual organização social e política não permite mais a existência de Torquemadas no exercício de funções do poder constituído, pois essa situação atenta contra o regime democrático de direito”.
Em “A esperança e suas filhas” registrei que, mesmo extenuados pela injustiça, surge a esperança como sentimento a nos impelir na crença de ser possível lutar sempre para afastar a mínima mácula de tendenciosidade, mudando o que está errado e fazendo jorrar a verdade pela força da Justiça. Afinal, a Justiça é sabedoria e virtude, é mais forte que a injustiça, pois essa é ignorância e como tal só pode ser afastada com a verdade colhida dos fatos provados num juízo ou tribunal.
E assim sendo, relembro que Santo Agostinho, Bispo de Hipona, ensinava do alto de sua cátedra: “A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão e a coragem nos ensina a mudá-las”.
Apontei em “O juiz, o tribunal e a imparcialidade” da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que vaticinava inicialmente não serem possíveis condenações antecipadas, pelo calor dos acontecimentos, pela versão dada pelo investigador no seu interesse próprio de vindita e, hoje, muito menos pela cobertura dada pela mídia.
Nesse artigo, novamente Santo Agostinho foi recordado quando afirmava que o “ouvi dizer”, o “me disseram”, o “parece que foi assim” já trouxeram mais males a humanidade do que se pode imaginar. Quantos inocentes podem ter sido considerados culpados dessa maneira, a ponto de um doutor da Igreja Católica do século IV fazer tão precisa e contundente advertência? Poucos não devem ter sido, por certo.
Assim, aliados a crença indestrutível na Justiça e na de que não se pode se deixar vencer pelo mal, mas vencer o mal com o bem, os textos acima citados serviram de estímulo reconfortante para seguir na justa luta e combater o bom combate, acabar a carreira e guardar a fé. E, ainda, para se chegar ao final recebendo a coroa da Justiça que estava guardada para ser entregue pelo justo juiz, o Supremo Tribunal Federal, no dia certo de 8 de novembro de 2022.
E nesse momento, se me perguntassem qual a lição que fica de todo esse aviltante sofrimento, por certo não titubearia em dizer ser a declaração dada por Churchill: “nunca desista, nunca, nunca, nunca. Em nada. Grande ou pequeno. Generoso ou mesquinho. Importante ou não. Nunca ceda, exceto a convicções de honra e bom senso. Nunca se renda à força, nunca se renda ao poder aparentemente esmagador do inimigo”.
Acrescento também, que se deve acreditar sempre, como acreditou o moleiro de Berlim ao se confrontar com ninguém menos que o rei Frederico II da Prússia no ano de 1745 e cunhar a celebérrima expressão: “Vossa Alteza é que não entendeu: ainda há juízes em Berlim!”. Aplicada nos dias de hoje ao caso concreto do MS 28.801 decidido pela Corte Excelsa de nosso país seria a expressão entoada como “Vossa Excelência é que não entendeu: Ainda há juízes em Brasília”.
No julgamento desse mandamus, o Pretório Excelso deu vida em toda sua essência pelo seu édito ao verdadeiro milagre da Fênix. A mitológica ave que simboliza o renascimento, o triunfo da vida sobre a morte, o eterno recomeçar, porém sem perder a essência ao se tratar sempre da mesma criatura. Dessa maneira, a Fênix simboliza a vida e seus ciclos, a esperança, na volta por cima em situações adversas. Realmente a volta por cima foi dada pela Justiça e um ciclo de injustiça encerrado definitivamente.
Ressentimentos, mágoas e melindres ficaram? Não, com a tranquilidade de espírito é possível responder que nada há desses reles sentimento. Estou com Kent M. Keith e seus dos mandamentos paradoxais, pois aprendi com ele a contradição das pessoas quando são ilógicas, irracionais e egocêntricas. Elas simplesmente são assim e não se incomodam por sê-lo.
Igualmente, se fizeres o bem dirão que tens motivos egoístas ocultos. Se tiveres sucesso, ganharás falsos amigos e inimigos verdadeiros. A sua honestidade e a franqueza o tornarão vulnerável. E tudo aquilo que você passa anos construindo poderá ser destruído da noite para o dia. Sabedoria retirada da vivência, sem perder a capacidade de amar e respeitar as pessoas, apesar de tudo.
Agora, para finalizar penso nada ser melhor do que os versos da canção “Non, Je Ne Regrette Rien”, dos compositores Charles Dumont e Michel Vaucaire, imortalizada por Édith Piaf: “Não me arrependo de nada. Nem o bem que me fizeram. Nem o mal, tudo isso, tanto faz para mim! (…) Está pago, varrido, esquecido. Não quero saber do passado! (..) Varridos para sempre. Recomeço do zero.”
O fim é o recomeço, que na verdade é uma renovação, como ensina poeta romano Horácio (65-8 a.C.) será um carpe diem para aproveitar o presente, o hoje, independente do que virá amanhã. Apenas e tão somente com a preocupação de continuar a viver, fazer o bem e ser feliz.
Finitum est, renovatum est
Antonio Horácio da Silva Neto é Juiz de Direto do Tribunal de Justiça de Mato Grosso