Internacional

Filho de Pablo Escobar: ‘venderam-no como carne’

"Convivi durante toda a vida com a ideia de que a morte estava muito perto, mas o livro já não podem matar, está publicado", desabafa Juan Pablo Escobar, filho do lendário narcotraficante colombiano Pablo Escobar, durante o lançamento da obra sobre o pai, em uma livraria de São Paulo.

Simpático e sereno, Juan não lembra em nada o maior traficante que a Colômbia já viu, ao menos não a sua postura intimidadora. "Meu pai era um homem muito violento e muito amoroso, convivendo em uma mesma realidade. Eu sempre aproveitava a grande amizade que tinha com ele, a confiança que ele sempre me deu, para criticá-lo, para pedir a ele que não fizesse mais aquela violência, mas nem eu, nem a CIA, nem ninguém puderam persuadir ou convencê-lo a mudar suas ideias."

Bem acomodado em um sofá, ele me explica as razões por que resolveu escrever mais um livro sobre Pablo Escobar, mesmo sob constantes ameaças de morte.

"A primeira delas foi dar às vítimas do meu pai o acesso real à verdade do ocorrido; em segundo lugar, é um desejo que meu filho tenha em suas mãos um documento histórico, verdadeiro, bem investigado sobre o que fez e o que não fez seu avó; e em teceiro lugar, tinha a necessidade de contar a história do meu pai, porque até agora o que lemos sobre ele foi lixo. Grandes biógrafos do meu pai sequer tomaram um café com ele, mas são 'grandes experts' no que ele pensava, no que ele dizia. Há um manuseio muito irresposnável da morte do meu pai".

Com o livro "Pablo Escobar, meu pai: as histórias que não deveríamos saber" nas mãos, Juan defende sua obra. "A história dele nunca foi contada com o grau de profundidade que estou contando agora, não só porque o principal testemunho do livro é do meu próprio pai, no último ano em que estivemos juntos, escondido, mas também porque fiz uma investigação com seus antigos sócios, a minha própria mãe, que nunca foi entrevistada por um biógrafo, e até seus inimigos, para contar a história como aconteceu; é um livro que marca um antes e um depois na história de Pablo Escobar porque agora sim está no mercado a verdade sobre o meu pai".

Mas por que haveria o interesse em retratar um Pablo Escobar que nunca existiu? "Todos sabem muito mais da nossa família do que nós mesmos; os meios de comunicação transformaram o meu pai em uma figura tão grande que tudo o que se inventa sobre ele se vende muito bem", responde.

Juan busca há anos descostruir a versão inventada de Pablo Escobar, a quem conhecemos como um dos mais famosos, mais ricos e mais crueis bandidos da América Latina. "Meu pai foi acusado de ser o dono de um grande laboratório de cocaína na Colômbia e não foi; de lavar dinheiro, e não lavou; de ter uma atitude agressiva com a família, e não teve."

Mas talvez nenhuma história tenha sido contada e difundida de maneira tão incorreta quanto a história de sua morte, ocorrida em 2 de dezembro de 1993. Pablo Escobar garante: seu pai não foi assassinado por policiais das forças especiais colombianas, mas se suicidou com a própria arma.

"Os médicos forenses mandaram mensagens a nós da família dizendo que haviam sido ameaçados pela polícia para alterar o relatório que ratificava que meu pai havia se suicidado".

Ainda de acordo com Juan, não foram poucas as vezes em que seu pai conversou sobre a ideia de tirar a própria vida. "A ideia de suicídio entorno da vida do meu pai apareceu muitas vezes durante sua existência. Ele preferia uma tumba na Colômbia a uma cela nos Estados Unidos; cheguei a ver meu pai explicar onde exatamente tinha o tiro tinha que atingir para morrer instantaneamente: ele dizia que não podia ser na boca e nem na frente, tinha que ser no ouvido, e foi extamente onde apareceu o tiro que causou sua morte, proporciondo pela própria pistola".

Carlos Castaño, criador e chefe do maior grupo paramilitar da história da Colômbia e grande inimigo de Escobar nos anos que antecederam sua morte, teria feito ainda uma revelação à família Escobar. "A polícia não participou da operação (que matou Pablo Escobar), embora ela jure que sim. Mas é falso, porque quem esteve foi Carlos Castaño e ele contou isso a minha mãe".

"Eles sabem que meu pai se fez encontrar, não foi encontrado, mas entendo que convém às autoridades manter a ideia de que triunfaram sobre a morte de meu pai".

Traído pela própria família 
Pablo Escobar não mantinha inimigos apenas entre os cartéis de drogas concorrentes, mas também dentro de casa. "Minha avó e meu tio entregaram meu pai. Eles o venderam a seus inimigos como carne".

O maior traficante da Colômbia talvez não imaginasse que dentre tantos inimigos, a ingratidão, o medo e o ódio cultivados pela própria mãe e pelo próprio irmão pudessem ser os seus maiores adversários. "Não satisfeitos, eles pediram aos nossos concorrentes que nos assassinassem para poder ficar com todas as propriedades. Quando fui falar com o Cartel de Calí – e naquele momento achei realmente que seria assassinado – em vez de encontrar meus familiares ao meu lado, os encontrei abraçados aos inimigos de meu pai. Fomos obrigados a deixar meu país porque tinham vendido meu pai, essa é uma evidência da traição que eles cometeram contra meu pai".

Muitos são os que se perguntam como Juan pôde resistir à tentação de seguir a trilha traçada pelo pai e tornar-se seu herdeiro no crime. O desejo, de fato, existiu, revela Juan, durante os dez minutos que sucederam a morte do lendáro narcotraficante. "Por dez minutos tive vontade de me tornar o Pablo Escobar 2.0, mas fui testemunha de tanta violência que ela me tornou consciente de como começava e como terminava aquela história. Me pareceu um insulto à vida me dedicar a repetir as coisas sem piorá-las, por isso, escolhi o caminho da paz e prometi a Colômbia não vingar sua morte, promessa que venho cumprindo há 22 anos de forma ininterrupta.

Pablo Escobar era uma figura contraditória. Contraditória o bastante para ganhar milhões de dólares com o tráfico internacional de drogas e desestimular o filho a usá-las. Contraditória o bastante para construir campos de futebol para que as crianças não caíssem na violência e não usassem drogas com o dinheiro das próprias drogas. A Juan ele ensinou a distinguir e a reconhecer todas as drogas, assim como as consequências de cada uma delas. "Ele liberou e legalizou as drogas para o meu mundo, disse que se um dia eu quisesse prová-las, que fosse com ele e com ninguém mais, mas me alertou 'Filho, corajoso é aquele que não consome drogas'".

"Doze anos depois que meu pai morreu, experimentei maconha por curiosidade, e nada mais. Mas essa confiança que meu pai me deu para falar sobre as drogas fez eu me manter muito firme em relação a elas, mesmo muitos anos após a morte de meu pai".

Juan Pablo é um grande defensor da legalização das drogas. E se engana quem acredita que o dinheiro obtido a partir do tráfico seja o motivo. O filho de Pablo Escobar costuma dizer que "não é com a ponta de uma pistola que se acaba uma guerra contra as drogas, mas com amor, educação e cultura. "Eu fui a criança mais exposta a drogas que se pode imaginar na Colômbia, mas também a que mais longe esteve delas por causa da educação e do amor da minha família".

"Meu pai é filho legítimo da proibição. Este livro não existiria, e essa violência que estamos vivendo não estaria ocorrendo se o mundo não tivesse as drogas proibidas. Estamos tendo contundentes e evidentes fracassos na guerra contra as drogas porque ela só serviu para o crescimento exponencial do comércio, da corrupção, da venda de armas e da violência, assim como para a ingerência de superpotências sobre as democracias da América Latina. Além disso, nos enfrentamos como latino-americanos, porque há uma parte da América Latina que está disposta a matar para ter o controle desse lucrativo negócio".

Há anos autoridades colombianas travam uma guerra contra o tráfico de drogas e a violência por ela proporcionada. O que poucos sabem, segundo Juan Pablo, é que parte do Estado e de suas instiuições contribuíram para o caos latente na sociedade colombiana nas últimas décadas.

"Não somente os policiais, mas também os meios de comunicação sabiam das torturas e dos desaparecimentos promovidos pelas próprias instituições colombianas", o que nunca publicaram, senão histórias minhas e de meu pai. Todos o odiavam, ele era um inimigo em comum, e tudo era válido. Havia uma clara cumplicidade e conivência com os meios de comunicação e as autoridades, que violavam os direitos humanos para captar um só homem, mas nunca saiu uma notícia sobre isso."

Apesar de tamanha descrença em relação à mídia e à parte do Estado colombiano, Juan diz "celebrar a coragem que tem o presidente Juan Manuel Santos para defender a paz como está defendendo".

"Ele e muitos colombianos entendemos que é hora da paz na Colômbia, estamos cansados da violência e de viver nesse mundo de terror permanente. Queremos um país melhor e para isso tem que haver concessões de todas as partes, e aqueles que reclamam justiça têm que ter o cuidado de não reclamar vingança. É preciso haver uma reconciliação através do perdão genuíno na nossa sociedade, porque a a guerra que estamos vivendo na Colômbia não é uma guerra entre colombianos e outros países, é uma guerra fratiricida, é uma guerra de colombianos versus colombianos."

Fonte: Terra

 

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Internacional

Orçamento de Londres-2012 dispara até os 13 bilhões de euros

A organização dos Jogos ultrapassou em quase 2,4 bilhões de euros o orçamento com o qual trabalhava, segundo revelou o
Internacional

Brasil firma parceria e estimula produção sustentável de café

A ideia da parceria é por em prática medidas que levem à redução da pobreza por meio de atividades que