Internacional

Filho de ditador africano é suspeito de crime no Brasil

 
A suspeita aparece em um documento da Justiça americana, ao qual a Folha teve acesso. Segundo o Departamento de Justiça, Nguema –como ele é conhecido– gastou, em 2008, mais de US$ 65 milhões em bens e serviços, valor 650 vezes superior ao seu salário público anual.
 
Como funcionário público, Nguema recebe oficialmente, segundo os EUA, US$ 6.799 por mês, ou menos de US$ 100 mil (R$ 225 mil) por ano.
 
Seu maior gasto individual em 2008 foi a compra de um apartamento tríplex, por US$ 15 milhões, em São Paulo, no bairro nobre dos Jardins. Ele adquiriu também seis quadros de Edgar Degas, Pierre Auguste Renoir, Paul Gauguin e Henri Matisse, num total de US$ 35 milhões, além de carros, joias e antiguidades.
 
De acordo com os documentos obtidos pela Folha, o ano de 2008 foi aquele em que Nguema mais gastou dinheiro com aquisições. Em 2009, foram US$ 9 milhões; em 2010, US$ 37 milhões e, em 2011, US$ 7,6 milhões.
 
Responsável pelas políticas de segurança nacional da Guiné Equatorial, Nguema é filho do ditador Teodoro Obiang, no poder desde 1979.
 
25.jun.2013 – Jerome Leroy/AFP
 
Nguema em seu aniversário em Malabo, Guiné Equatorial
O país que seu pai governa, uma ex-colônia espanhola, situa-se parte em uma ilha na África ocidental, parte no continente. Rica em petróleo, tem índices extremos de pobreza.
 
Em fevereiro deste ano, Nguema chegou a ser monitorado pela Polícia Federal. Um relatório foi produzido para a Interpol. Agentes da PF também fizeram uma missão até a casa comprada por Nguema em São Paulo.
 
"O alvo declara à Receita Federal que reside no imóvel localizado no endereço. Diligências preliminares confirmaram junto a moradores e funcionários do edifício que o alvo é o proprietário do apartamento tríplex", afirma o documento. Naquele momento, a França emitiu pedido para que fosse confiscado um avião comprado por Nguema, mas ele não veio ao Brasil com o jato particular.
 
Como a lei brasileira de lavagem de dinheiro exige que seja apurado o crime antecedente, ou seja, o que originou o dinheiro usado para a suposta lavagem, especialistas acreditam ser difícil processá-lo aqui por esse delito.
 
"Isso não é corrupção africana, é corrupção global. Esses tipos de desvios não existiriam sem uma junção de empresários dúbios, banqueiros, empreiteiros e outros profissionais que pagam propinas ou ajudam a lavar dinheiro", diz o advogado Kenneth Hurwitz, da ONG Open Society.
 
NEGÓCIOS
 
A relação entre a Guiné Equatorial e o Brasil se estreitou nos últimos anos, com a presença cada vez maior de empreiteiras brasileiras nas construções do país.
 
De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, o ramo de construção civil é justamente a fonte da riqueza de Nguema, sendo a área do governo em que "a corrupção é mais proeminente".
 
Em 2009, o diplomata Anton Smith preparou documento informando que o setor de construção era particularmente vulnerável à corrupção na Guiné Equatorial. Segundo ele, é nessa área em que "os gastos perdem visibilidade e em que persistem as maiores oportunidades para a corrupção".
 
Um relatório da embaixada em 2011 descreve as diversas formas de corrupção no país –"transações obscuras, ofertas de propina, tráfico de influência em contratos de construção e taxas de sucesso por contratos firmados".
 
A Folha procurou o governo da Guiné Equatorial para que explicasse a fortuna do filho do presidente, mas não obteve resposta. O embaixador no Brasil, Benigno Pedro Matute Tang, disse não poder tratar do tema por não ter sido oficializado no cargo.
 
Nos documentos da Justiça americana, Nguema atribui seu enriquecimento a contratos de infraestrutura assinados por sua empresa particular de construção.

Redação

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