A Seleção Brasileira joga neste domingo a final da Copa das Confederações contra a Espanha, no Maracanã, às 19h. O fato é que, mais importante do que o resultado em campo, o país clama por transparência também no futebol.
Vários dos protestos durante a última semana reclamavam sobre os gastos imensos para os estádios da Copa do Mundo, o superfaturamento dos estádios e a disparidade entre os gastos para competições esportivas e setores como saúde e educação. Muitos manifestantes gritavam: “Não vai ter Copa. Não vai ter Copa”. A ingerência da Fifa sobre o país em épocas de competição, interferindo na soberania nacional, também foi muito criticada. O deputado federal Romário (PSB), em declaração que repercutiu também na imprensa internacional, disse em um vídeo publicado na última semana: “A Fifa é a verdadeira presidente do nosso país. Ela chega aqui e monta um Estado dentro do nosso Estado”, disse o deputado.
Em abril, o secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, causou polêmica ao declarar que "menos democracia às vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo. Quando você tem um chefe de estado forte, que pode decidir, assim como Putin poderá ser em 2018, é mais fácil para nós organizadores do que um país como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentes níveis", disse o secretário, que aprovou os estádios brasileiros para a disputa da Copa das Confederações em maio.
Gastos exorbitantes
E os gastos do Brasil com a Copa foram maciços: até agora, foram gastos R$ 28 bilhões, segundo Luís Fernandes, secretário-executivo do Ministério dos Esportes e coordenador do Grupo Executivo da Copa do Mundo (Gecopa). A previsão é de que os gastos possam atingir R$ 33 bilhões. Só o Maracanã custou R$ 1,13 bilhão, isso após receber três aditivos no período das obras, entre agosto de 2010 e maio de 2013.
Segundo dados da Consultoria Legislativa do Senado Federal de 2011, que ancorou seus cálculos em estudos feitos por institutos econômicos internacionais, as copas do mundo de Japão e Coreia (2002), Alemanha (2006) e África do Sul (2010) consumiram, juntas, US$ 30 bilhões (US$ 16 bilhões, US$ 6 bilhões e US$ 8 bilhões, respectivamente). O Brasil, sozinho, deve gastar mais do que as últimas três Copas juntas.
“A máscara caiu”
Ivo Herzog é filho do jornalista Vladimir Herzog, jornalista morto pela ditadura em 1976, duas semanas após discurso inflamado do então deputado estadual pela Arena (Aliança Renovadora Nacional), José Maria Marín, hoje presidente da Confederação Brasileira de Futebol e do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo.
Em seu discurso inflamado, Marin dizia que “coisas estranhas estavam acontecendo na TV Cultura” e que era preciso "mais do que nunca uma providência, a fim de que a tranqüilidade volte a reinar não só nesta Casa, mas, principalmente, nos lares paulistanos”. Herzog conta outros detalhes a respeito da relação entre Marin e sua família, e relatou um pouco de sua luta para tirar a presidência da CBF das mãos de Marin, em sua opinião “ainda pior do que Ricardo Teixeira":
“Pior do que esse discurso é um que ele fez um ano após a morte do meu pai, quando ele volta à tribuna e agradece e enaltece o delegado Sérgio Paranhos Fleury pelos serviços prestados à sociedade. O delegado Fleury era o comandante da polícia que torturava, assassinava e seqüestrava os opositores do regime de exceção da época, a ditadura militar. E para nós é uma vergonha que esta pessoa esteja à frente do maior evento esportivo do Brasil. Fizemos um abaixo assinado, mais de 500 mil assinaturas, nada foi feito pelas federações. E eu mesmo protocolei um pedido de investigação no comitê de ética da Fifa que não fez nada e disse que não vai fazer nada. Então, todas essas entidades, federações, clubes e principalmente a Fifa são cúmplices dessa ética que não preza a democracia”, disse Herzog, que afirma que a indignação da população também tem que envolver a transparência no futebol:
“A máscara caiu. A população está pondo pra fora a indignação com muitas coisas que são absurdas e inaceitáveis. Todo esse processo da gestão da Copa do Mundo e a ingerência da Fifa sobre o Brasil faz parte dessa pauta. O (Joseph) Blatter (presidente da Fifa) disse que os protestos não têm nada a ver com o futebol e a Copa. Têm sim, claro que têm. Se estamos cobrando transparência dos nossos líderes políticos e instituições públicas, por que não do nosso futebol? Ai podem dizer: 'Ah, mas o futebol é uma entidade privada', mas ele é um dos maiores beneficiários de empresas públicas. Pelo estatuto da CBF, a entidade é não-lucrativa, acredite se quiser, então a confederação deve prestar contas à sociedade do dinheiro que recebe e de como está sendo gasto.”, analisa o filho do lendário jornalista.
Ao falar sobre a ingerência da Fifa nas competições em território brasileiro, Ivo faz uma relação interessante e devastadora entre a soberania da Fifa e uma recusa do poder público em investigar a morte de seu pai, ordenada pela Corte Interamericana de Justiça:
“Eu considero a soberania da Fifa no país uma afronta à soberania nacional. Há até um ponto de reflexão aqui: a Corte Interamericana de Justiça ordena que o governo investigue a morte de meu pai, e o governo chama isso de invasão de soberania, sendo que o Brasil assinou um tratado internacional, no qual ele se submete às decisões da Corte Interamericana. Isso é um ponto. Agora, a Fifa dizer se pode ou não vender acarajé no estádio, se a gente pode circular fora do estádio ou não, está tudo bem? Em uma investigação de um assassinato, prevista em um tratado que o Brasil assinou por livre e espontânea vontade. O Brasil reage indignado. E na Copa do Mundo ocorre um fluxo de milhões de dólares nessa jogatina de um lado pro outro cujo montante financeiro não se sabe. Esta competição é administrada por uma entidade sem nenhuma moral ética e representada no Brasil por uma pessoa cuja história é abominável, de história a qual todos já sabemos. Fazem o que quiser aqui e tudo bem, dizem que não há invasão de soberania”, desabafou Herzog.”
Legado em xeque
A deputada Jandira Fehgalli (PC do B), também presente no movimento que tenta retirar Marin da CBF, conversou com o Jornal do Brasil a respeito das críticas feitas à organização do esporte e o legado que a Copa do Mundo de 2014 deixará para o país:
“Isso passa por transformações em vias públicas, possibilitando o aumento da mobilidade, acessibilidade, obras de saneamento ambiental e, sobretudo, do fortalecimento das condicionantes sociais e econômicas das comunidades. Nossa maior preocupação é garantir melhorias importantes para a qualidade de vida dos moradores e usuários depois da Copa do Mundo”, explica Jandira.
Em relação ao presidente da CBF, Josá Maria Marin, a deputada considera-o “ uma mancha no futebol brasileiro pelo seu passado comprometido com o regime da ditadura de 1964. Em um momento em que a democracia brasileira avança, é difícil que tenhamos à frente de uma instituição que representa uma das mais fortes culturas do povo brasileiro, que é o futebol, alguém que colaborou com a ditadura. O momento atual exige a memória, a verdade e a justiça”, conclui Jandira Feghali, presidenta da Comissão de Cultura da Câmara.
Manifestantes opinam
Durante os protestos que movimentaram o Rio nas últimas duas semanas, o Jornal do Brasil conversou com alguns manifestantes a respeito das reclamações sobre os gastos para a Copa do Mundo no Brasil e a atuação durante a Copa das Confederações.
A fotógrafa Paula Kossatz, de 37 anos, enumera uma série de atos que ela considera “absurdos” no Rio de Janeiro com relação a mudanças que tiveram a Copa do Mundo como justificativa:
“Entre os absurdos, estão privatizar o Maracanã, antes de tudo, após ter gasto R$ 1,5 bilhões na reforma e receber em troca uns 400 ou 500 milhões… e pra IMX… privatizando o maior bem público da cidade, o xodó de todo carioca. Fora demolir um estádio de atletismo, um parque aquático em uma cidade que vai sediar as Olimpíadas em 2016… Fora a Escola municipal Friedenreich, que é modelo para o Brasil, e o prédio do antigo Museu do Índio com aquela retirada violenta de quem estava lá. E ainda disseram que houve negociação. Ou aceitava o que o governador pedia ou se negasse, sairiam do jeito que foi. Foi um vandalismo anunciado do governo. Por essas e outras não vamos sair das ruas tão cedo. Essa bizarrice tem que acabar”, indignou-se.
Rudá Lemos, 25 anos, é filósofo e jornalista e esteve presente na passeata com mais de 300 mil pessoas na Avenida Presidente Vargas, no dia 20. Segundo ele, “o absurdo é transformar o Brasil num palco de espetáculo, maquiando as profundas contradições de um país ainda em formação, desigualdades entre pobres e ricos e a precariedade dos serviços públicos.”
Thiago Aresta, 27 anos, é morador de São Gonçalo e só não foi à manifestação do dia 20 porque preferiu não arriscar sair de casa no mesmo dia em que o comércio da cidade foi fechado devido à morte de um traficante. As reclamações a respeito do futebol no Brasil e dos investimentos para a Copa do Mundo se resumiram em seu comentário:
“A gente sabe que o dinheiro investido em estádios, da forma que veio (financiamento do BNDES), apesar de ser dinheiro público, não saiu de outras pastas, como saúde e educação, e nem seria lá investido. Será que isso vai ser cobrado de estados e municípios que firmaram acordos? Os investimentos em infraestrutura simplesmente não são notados. Fora a carta branca que o governo deu à Fifa para que ela fizesse o que bem entendesse, até vender bebida alcoólica no estádio, que é proibido por lei no Brasil. Ter doze sedes em uma Copa do Mundo, por exemplo, fez com que se investisse em estádios de lugares que não têm um futebol forte. Aí viram "elefantes brancos" e a tal questão do "legado" vai por água abaixo. Fazer uma Copa com doze sede é uma decisão puramente política e demagógica”, disparou. Como está claro, o povo quer transparência também no futebol.
Fonte: Jornal do Brasil