O inglês está de tal forma entremeado na nossa comunicação diária que, sem sabê-lo, já quase não é possível conversar em alguns seguimentos. A hotelaria é um deles.
Final de ano, férias escolares, desaceleração natural das atividades resolvemos viajar. A família sugere um hotel já visitado por alguns conhecidos, do qual já tem o telefone. Tomo a frente para fazer as reservas:
— Bom dia, Resort San Shine, atende do outro lado.
— Desculpe, foi engano — retruco constrangido, — estava tentando falar em um hotel.
— Mas, é um hotel, senhor, Resort é um tipo de hotel.
— Ok, ok” já começo a gastar o meu inglês fluente. — A senhorita tem vagas para cinco pessoas?
— Que dia seria o check-in?
— Não entendi senhorita, a ligação está muito ruim, você disse pra que dia é o cheque?
— Não, não, disse check-in, sua entrada no hotel.
— Ah, sim entendi, agora a ligação melhorou, devemos chegar no dia l5.
— Dia 15 é impossível, já estou operando em over.
— Over???
— Sim, overbooking…
— Overbuqui??
— Overbooking é superlotação, pai. Você não sabe nada de inglês hein! Deixa eu falar com a moça; interrompe um dos filhos.
— Uai, para reservar hotel no Brasil, eu preciso saber inglês?
— Desculpe moça, estava falando aqui com meu filho. Pra que dia você teria as vagas?
— Posso estar reservando para o próximo dia 25, ok? Se o senhor concordar vou estar lhe concedendo um upgrade.
— Api-greidi?? Indago assustado, procurando com os olhos o socorro dos familiares.
— Deixa quem sabe conversar falar com a moça, Intervêm os familiares em coro impaciente.
— Não, não deixo – reclamo irritado – só me digam o que é api-greidi.
— É uma melhora, no caso um apartamento melhor pelo mesmo preço, nem isso você sabe?
Retomo a conversa:
— Vou estar chegando dia 25 às 9h e estar saindo dia 30 às 16h – já agora incorporando, para parecer moderno, o horrível gerundismo da atendente.
— Nosso check-in é a partir das l4h e o check-out até às 13h. Mas vou estar lhe concedendo um early check-in e um late check-out para estarmos fechando o negócio.
— Güenta aí um pouquinho, por favor.
–Güenta aí??? – agora é ela que não entende o meu português erudito.
Passo o telefone para um filho, assinando recibo de ignorância, e saio contrariado.
Terminada a ligação a família está entusiasmada:
— Consegui, pai, um upgrade para uma suíte especial com camas queem size; ela deu também early check-in e late check-ou. O transfer Aeroporto/Resort é gratuito. O preço especial para all inclusive é de tantos dólares por dia. A reserva exige garantia de no show. Algumas coisas vão precisar de um voucher que será retirado na recepção.
— Ótimo, agora ficou absolutamente claro, ironizo.
Para não passar mais constrangimentos resolvi aprender inglês. Contratei professor particular, baixei aulas no computador, treinei com afinco. Tudo isto para estar em condições de, nas próximas “vacations”, reservar um hotel no litoral brasileiro.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor
*Adaptado do livro de minha autoria “O Diabo Vai ao Céu” Editora Juruá-Curitiba-Pr.