O que escrever na primeira crônica do ano em um espaço que se propõe a falar sobre os povos indígenas? Terra Brasilis opta por saudar os caros leitores com uma mensagem que encoraje a todos a andar pelo ano bissexto “com fé que a fé não costuma falhar”, cantarolando Gil. Ou, quem sabe, ser camaleão, a mudar de cor conforme a luminosidade, a temperatura, o seu humor, para se camuflar e até mesmo para se comunicar com outros lagartos de sua espécie.
No Pará, Amapá, Guiana Francesa e Suriname, os povos indígenas Wayana e Aparai são apontados à aspiração de bons ventos para o ano nascente. No igarapé Axiki, afluente do rio Paru do Leste, Tulupere, uma enorme serpente de flancos ornados com belas pinturas, habitava águas dos Wayana e Aparai. O ser sobrenatural, ao virar as canoas dos índios, tornava impraticável a navegação e impossibilitava as relações entre os dois povos. Os sobreviventes aos inúmeros naufrágios eram devorados por Tulupere e, por isso, os povos Wayana e Aparai nunca se encontravam.
A constância dos náufragos em consequência da voracidade da serpente levou um grupo Wayana, auxiliado por um pajé, a derrotá-la. No embate, os índios puderam ver que os flancos de Tulupere eram adornados com pintura à base de jenipapo e urucum. Mais tarde foi a vez do Aparai, quando encontrou o monstro tombado, avistando apenas um dos lados de seu corpo. Sem se preocupar com a ferocidade do monstro, pois ali jazia, conseguiu, com calma, ver as minúcias das pinturas. Enquanto o grupo de homens Wayana teve a oportunidade de observar os motivos ornamentais da serpente, mesmo que em condições de extrema tensão, o Aparai, que não visualizou todos eles, captou suas formas com grande habilidade. O fim de Tulupere proporcionou a união entre os dois povos, que passaram a se unir pelo casamento.
Em 2016, a briblar as intempéries, que dizem os astros, não serão poucas, teremos que merecer “ser, querer ser, merecer ser um camaleão”. O importante é abusar das cores e não deixar que a escuridão nos vista, pois “quem tem medo da escuridão não vê as estrelas”, como costumava dizer o artista plástico italiano Roberto Moriconi (1932-1993).