Foto Ahmad Jarrah
A renúncia fiscal protagonizada pelo Governo de Mato Grosso e que desde 2003 vem sendo o sonho de empresários que buscam aumentar ainda mais a margem de lucro dos seus negócios, é tema controverso na economia do Estado. Em 2016, segundo dados da Secretaria de Estado de Planejamento (SEPLAN-MT), os cofres públicos estaduais vão abrir mão de R$ 1,06 bilhão em impostos. Entre os setores econômicos mais beneficiados pela iniciativa está a fabricação de produtos alimentícios, em especial as bebidas.
Como previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste exercício, os empresários do gênero alimentício não têm do que reclamar. Nesse quesito, os três setores campeões de renúncia no Estado são aos alimentos (em especial a carne) com “anistia” de R$ 189,9 milhões, seguido pelas bebidas, R$ 175,1 milhões, e outros comestíveis (como a pipoca e o amendoim) com R$ 118,4 milhões. A tabela abaixo resume os maiores valores dos quais o Estado abriu mão em 2016.
RENÚNCIA FISCAL EM MATO GROSSO*
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas |
R$ 559.358.342,19 |
Derivados de Soja – Indústria |
R$ 183.877.065,49 |
Fabricação de máquina e equipamentos |
R$ 102.826.331,17 |
Fabricação de móveis e produtos diversos |
R$ 78.942.854,22 |
Fabricação de coque, refino de petróleo e produção de álcool. |
R$ 30.188.854,53 |
*Referência 2016 Fonte: SEFAZ-MT
Como podemos perceber na tabela, o setor de bebidas absorve 31% da renúncia fiscal para o setor alimentício. Chama a atenção, nesse caso, as empresas beneficiados pela principal política pública de renúncia fiscal no Estado, o Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (PRODEIC).
A cervejaria Petrópolis – grupo fluminense que é investigado nas operações Lava Jato e Zelotes da Polícia Federal, fabricante ainda da cerveja Itaipava – já foi apontada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) como a principal beneficiária da renúncia fiscal do Estado, deixando de repassar aos cofres públicos R$ 136 milhões apenas em 2012. A empresa, enquanto pessoa jurídica, foi a maior doadora para a campanha do governador Pedro Taques (PSDB) nas eleições de 2014, investindo R$ 3 milhões.
Mas a Petrópolis não é a única a receber o “perdão” da cobrança de impostos que bancam a saúde, educação e demais serviços públicos. Um estudo de 2009, publicado também pelo TCE-MT, revela que entre 1998 e 2008 a AMBEV – uma das empresas da holding anglo-brasileira Anheuser-Busch InBev – deixou de repassar aos cofres de Mato Grosso R$ 249,2 milhões. A Renosa, franquia da Coca-Cola no Estado, também foi uma das beneficiadas. No mesmo período, a título de renúncia fiscal, R$ 67,1 milhões deixaram de ir aos cofres mato-grossenses.
Sigilo Fiscal
Os dados utilizados para compor essa reportagem tiveram de contar com informações oficias de estudos de órgãos públicos, como o Tribunal de Contas do Estado. Infelizmente, a Lei Complementar nº 105/2001 proíbe o acesso dessas informações ao cidadão comum, mesmo que os recursos tenham origem pública ou que componham a receita das esferas municipais, estaduais ou federais, caso da renúncia fiscal.
Uma comissão parlamentar de Inquério (CPI) está em andamento na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (AL-MT) para investigar essa anistia de impostos. O Circuito solicitou os valores da renúncia fiscal, por empresa, à Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ-MT), que negou o pedido em virtude da Lei Complementar nº 105/2001, assim como o presidente da CPI, José Carlos do Pátio, também se recusou a fornecer detalhes da investigação.
Confaz quer “perdoar” incentivos irregulares
Com a justificativa de “neutralizar” a guerra fiscal, pela qual unidades federativas brasileiras “disputam” empresários e investidores com o oferecimento de vantagens tributárias, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) propôs algumas iniciativas polêmicas, entre elas a “anistia” de débitos originários de incentivos concedidos de maneira comprovadamente irregulares às organizações – um verdadeiro perdão aos sonegadores de impostos.
O CONFAZ, responsável pela concessão e renovação de isenções a incentivos e benefícios fiscais, propõe ainda a convalidação de vantagens já existentes além de sua manutenção “temporária” por até quinze anos. As sugestões foram apresentadas pelo então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dyogo de Oliveira, durante reunião do grupo no dia 03 de maio. Na última terça-feira (17), Oliveira foi nomeado secretário-executivo do Ministério do Planejamento.
As mudanças sugeridas pelo CONFAZ incluem punições para as unidades federativas que criarem benefícios que extrapolem esse acordo. Os Estados ainda estariam sujeitos à suspensão de novas operações de crédito, implicando restrição de transferências voluntárias de recursos por parte da União, enquadrando, por fim, os entes em tipificação criminal. O assunto, entretanto, está longe de ser pacífico, uma vez que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou “inconstitucional” a concessão de incentivos.