Saí pensando nela, uma crônica da janela. Porque só dela (e nem sempre) é possível olhar a vida passar em relativa, mas não absoluta segurança.
Para quem se distrai desenhando letras, imaginando sóis, reflexos e silhuetas, desligada do entorno pulando de ideias sem prestar atenção no entorno da vida real, está perigoso empunhar o caderninho e se deixar levar.
Outro dia, levei um pito por me dedicar a um dos esportes mais nobres nas antigamente lânguidas tardes ensolaradas. Dormir na praia, lagartear ao sol.
Não dá mais para se deixar embalar e adormecer ao som dos resmungos do mar, do assobiar da brisa e dos pregões dos ambulantes anunciando seus produtos.
O mais distante das barracas com caixas de som funk/sertanejo. Era possível até sonhar aquecida pelos raios do sol temperados pela maresia.
Há que estar atento, forte e não ter medo de temer o tudo que pode acontecer nos dias que vivemos.
Nos rendemos a falta de poesia, trocamos o voo criativo pela simples fuga desabalada da realidade crua e nua, despida de fantasia. Sobreviver é o bastante. Como se o sofrimento não bastasse.
Não desisto da praia, como não largo de mão a ginástica. O exercício é essencial para manter a espinha ereta. Já o coração tranquilo anda bem mais difícil.
Nada que não empalideça diante do escandaloso visual de outono no Arpoador. As cores gritam quando céu está limpo e de bom humor.
Em dia de ressaca, como é o caso, a gente acaba envolvida, quase abduzida pela força do lugar.
E aí, voltando ao início do texto, a janela deixa de ser uma opção. A segurança? Entrega a Deus!
Na verdade, deixa nas mãos dos deuses e não tão deuses que circulam pelos caminhos que levam ao relevo acidentado, vasto e amplo das pedras da Ponta do Arpoador. São eles e todos os tipos de forças de segurança que permitem imaginar uma garantia da paz local.
Sensação distribuída entre moradores, locais e turistas que nunca desistem de tentar a sorte de um por do sol tranquilo e cinematográfico.
Com a ressaca fica um espetáculo magistral. A impressão do cantinho e do violão provocada por um mar calmo e poucas ondas para acompanharem o passeio de Tom Jobim e seu violão na entrada do Arpoador ficam tímidas e desafinam perto do sacode provocado pela fúria do mar revolto.
Daquelas tão mexidas que nem os surfistas se arriscam no lado de Ipanema. Só na Praia do Diabo as ondas estão formando de forma organizada o suficiente para quem é fera e tem uma boa roupa de neoprene. Além da força do sacode a água está gelada. Vai encarar?
Eu só do lado de fora, descrevendo o espetáculo que avança até quase o paredão, deixando sem faixa de areia o Arpoador e desarrumando as escadas feitas de sacos de contenção pelos barraqueiros para facilitar o acesso da clientela.
Nada que os frequentadores costumeiros já não tenham visto. Nada que já não tenha sido reconstruído depois da fúria marítima ser aplacada a cada temporada.
Até lá as marolas se espraiam e fazem brilhar as areias encharcadas de acordo com os humores do céu, do sol e das nuvens que se mesclam em luminosidade derramando luzes e cores por toda a orla.
Pensando bem, se for da janela, essa ou aquela, que cada um tenha a sua. A que merece ou escolhe. Da minha, avisto a vida, mesmo quando ela foge para se esconder de tanta desumanidade…
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com