Política

Existe critério para a publicidade oficial?

Foto Ahmad Jarrah

Qual a norma que disciplina as verbas publicitárias oficiais, e que estabelecem a forma como cada veículo de comunicação tem acesso a esses recursos? Em todo o mundo, o maior financiador de empresas jornalísticas não é o mundo corporativo, embora a sociedade privada também tenha sua parcela de importância nessa discussão. Só no Brasil, segundo reportagem da Folha de São Paulo, entre 2003 e 2013, o governo federal gastou R$ 15,7 bilhões em investimento de publicidade em algumas das maiores empresas do setor.

A primeira vista, percebe-se uma discrepância sobre o investimento realizado em publicidade de acordo com o tipo de mídia a ser veiculada. Segundo um estudo da Kantar IBOPE Media, líder no mercado de pesquisa de mídia na América Latina, a TV aberta ainda detém a grande parte dos investimentos realizados em propaganda, incluindo as que possuem origem pública e privada, com 62,9% do montante total gasto, faturando nada menos do que R$ 2,2 bilhões em 2015.

Bem abaixo, os jornais impressos absorveram apenas 8,2% do valor total de reclames, totalizando R$ 287,8 milhões no ano passado. Alguns dos maiores investidores, em nível federal, superam o valor empregado por empresas privadas. De acordo com outro relatório da Kantar, sobre organizações que investiram na propaganda em 2014, Caixa (GFC), Petrobras e Banco do Brasil repassaram aos veículos de comunicação R$ 4,88 milhões, superando a campeã, a Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), que teve dispêndio de R$ 4,27 milhões.

Porém, quando o assunto é publicidade de órgãos oficiais, a única esfera governamental que estabelece critérios mínimos para distribuição das propagandas, é o governo federal. Mesmo assim, a União ratifica essas regras por meio de instruções normativas, que não possuem a mesma força de uma lei, uma vez que elas funcionam como uma espécie de “complemento” da jurisdição posta, sem autonomia para modificar ou mesmo inovar o texto original, presente na Constituição, por exemplo.

Sem resposta

O Circuito Mato Grosso procurou a prefeitura de Cuiabá sobre esclarecimentos acerca dos critérios utilizados para a escolha de veículos nas publicidades oficiais. O Secretário de Imprensa e Administração do Palácio Alencastro, sede do poder executivo municipal, contudo, não foi encontrado.

O gabinete de comunicação do Governo do Estado também foi acionado por nossa equipe jornalística, mas até o fechamento da edição não forneceu as informações necessários para a realização desta reportagem.

Embora o governo do Estado de Mato Grosso não disponibilize os gastos efetivos com publicidade em seu Portal Transparência, o Palácio Paiaguás abriu concorrência para escolher cinco agências de publicidade que realizarão os serviços de “prestação de serviços técnicos pelos próximos cinco anos”. O edital 001/2015, que disciplina o processo de escolha, possui valor de contrato de R$ 70 milhões, com possibilidade de prorrogação por mais 5 anos de vigência.

De acordo com informações da Secretaria de Estado de Gestão (SEGES-MT), o processo ainda não foi concluído. Segundo o edital 001/2015, as empresas interessadas devem informar os custos de “distribuição” dessa publicidade, ou seja, quanto deverá ser investido para veicular a propaganda nas empresas de mídia.   

“Jornalismo deve ser imune às consequências de suas relações econômicas”, diz Celso Schröder

Quem perde quando a relação econômica de veículos de comunicação com anunciantes governamentais – como prefeituras municipais e governos estadual e federal – interferem não apenas nas pautas produzidas pelos profissionais jornalistas, mas também em eventuais ‘retaliações’ desses agentes oficiais, que, de maneira velada, se recusam a investir na publicidade em mídias que se caracterizam pelas denúncias de eventuais desvios de condutas de servidores públicos e gestores?

Em conversa ao telefone com o Circuito Mato Grosso, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Celso Schröder, afirmou que “financiamentos publicitários são necessários para manter a própria atividade” dos veículos de comunicação. Contudo, segundo o representante de classe, essas relações econômicas estabelecidas pelos agentes devem se dar de “maneira respeitosa”, e que qualifica como “lamentável” o fato de certas mídias se “comprometerem” com seus anunciantes temendo uma possível retaliação financeira.

“É óbvio que os jornais precisam consumir um tipo de financiamento. Porém, os veículos, tanto a redação quanto a direção, precisam ser imunes a eventuais consequências dessas relações econômicas. É lamentável se comprometerem por temor de represálias”, disse.

Schröder, que também atua como cartunista, ilustrador e chargista desde 1974, critica ainda a “falta de regulamentação” do setor. Questionado pelo Circuito se existem leis que disciplinavam as relações econômicas e financeiras dos veículos de comunicação, ele afirmou que a imprensa brasileira “parece ter alergia a qualquer tipo de regulamentação”, ponderando que a existência de regras jurídicas poderia representar um ”avanço” na forma como os anunciantes investem seus recursos.

“O que mais temos no Brasil é ausência de regulação da imprensa. É necessário que se estabeleçam regras de investimento publicitário, e isso serve tanto para propagandas oficiais quanto privadas”.

Jornais do interior do País são os mais vulneráveis, segundo ABRAJI

O Circuito Mato Grosso também procurou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), sobre retaliações não apenas financeiras, mas também com uso de violência, a que determinados veículos de comunicação estão sujeitos quando realizam um trabalho que não ignore possíveis desvios de condutas de servidores e gestores governamentais, apontando, por exemplo, licitações direcionadas que “premiam” uma organização específica, em detrimento do princípio da transparência e isonomia que rege a administração pública.

A assessoria do órgão foi taxativa quando questionada sobre possíveis retaliações financeiras de governos que podem se sentir prejudicados com reportagens que apontem mau uso do dinheiro público, ou que não respeitem os princípios que norteiam a administração pública, afirmando que os jornais que não estão presentes nos grandes centros brasileiros são os mais vulneráveis.

“É possível acontecer [retaliações], sobretudo em meios de comunicação pequenos e médios do interior do país – cuja renda muitas vezes vem, em grande parte, de publicidade oficial (prefeitura local, por exemplo). Pode acontecer também com publicidade privada, no caso de reportagens que exponham problemas em empresas”, disse a assessoria.

A Associação, que possui em seus quadros jornalistas doThe International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), ou  “Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos”, numa tradução livre, responsável pela divulgação dos Panama Papers – que aponta a ligação de políticos, empresários, artistas e até mesmo atletas com movimentações nos chamados “paraísos fiscais”, geralmente utilizados para prática de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos – afirma que a violência é outra preocupação para os profissionais do setor.

Segundo a ABRAJI, existem casos significativos de ameaça à integridade física de profissionais jornalistas.

“A existência de casos significativos de ameaças e assassinatos de jornalistas no País comprova que sim, algumas vezes essa prática expõe os repórteres a constrangimentos (no mínimo) e perigos físicos (na pior das hipóteses). Especialmente no interior do País, onde a política ainda é feita por meio da força”.

Confira mais na edição 578 do jornal impresso.

Diego Fredericci

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