A afirmação é do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que estará em Cuiabá no dia 17 de maio para palestrar sobre “Combate à corrupção”. O jurista vai participar do Primeiro Encontro Mato-grossense de Estudantes e Profissionais das áreas de Direito, Administração, Contabilidade, Economia e Marketing (Ecomep), no Centro de Eventos do Pantanal.
Janot foi responsável pelos processos da Operação Lava Jato e por apresentar duas denúncias contra o presidente Michel Temer no Superior Tribunal Federal (STF). Bacharel e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, com especialização em Direito Comercial, Ambiental e do Consumidor, foi titular da Procuradoria Geral da República entre 2013 e 2017, e denunciou ao STF, entre outros, os irmãos Joesley e Wesley Batista, do Grupo JBS (com quem havia feito acordo de delação premiada), os ministros Eliseu Batista, Moreira Franco, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima e o ex-deputado federal Eduardo Cunha.
Atualmente Rodrigo Janot é professor da Universidade de Los Andes, na Colômbia. Como bom mineiro, o jurista falou (por email) com exclusividade ao Circuito Mato Grosso sobre a decisão do STF que desencadeou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o futuro de suas denúncias contra o atual presidente da República Michel Temer.
Circuito Mato Grosso – Qual a visão do senhor sobre o resultado do julgamento do habeas corpus (HC) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Rodrigo Janot – O julgamento do HC impetrado pelo ex-presidente Lula foi técnico e a decisão juridicamente bem estruturada. Existem varias decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que, após a condenação em segundo grau de jurisdição, a sentença penal condenatória deve ser executada, uma delas, inclusive, com repercussão geral. A decisão do HC seguiu, portanto, a jurisprudência vigente.
Circuito Mato Grosso – Ficou em voga nos últimos dias a discussão sobre a prisão depois de transitados em julgado todos os recursos. E é uma discussão que ainda pode prevalecer até que as ações declaratórias de constitucionalidade sejam decididas. Qual a sua opinião jurídica sobre o assunto?
Rodrigo Janot – O STF, até 2009, entendia que a condenação em segundo grau autorizava o início do cumprimento da pena. Entendimento que perdurou, portanto, por 21 anos. Em 2009, o Tribunal alterou sua jurisprudência, dando nova interpretação ao principio constitucional da presunção de inocência. Em fevereiro de 2016, a Corte retornou ao seu entendimento anterior para autorizar a execução da sentença penal condenatória confirmada por decisão do tribunal de segundo grau.
Acredito que o entendimento atual é que deve prevalecer. Depois da decisão de segundo grau, uma vez acertada a autoria e materialidade do delito, os tribunais superiores não poderão mais rever esse enquadramento de fato.
Nada mais óbvio que o cumprimento da pena aplicável a um crime, cuja existência e autoria foram reconhecidas de forma definitiva.
Circuito Mato Grosso – O senhor vê alguma ideologia ou interesse político no posicionamento dos ministros durante o voto?
Rodrigo Janot – Acredito que não podemos aprioristicamente reconhecer ideologia ou interesse politico dos ministros quando votam. Isso dependeria de uma análise caso a caso.
Circuito Mato Grosso – O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, “bateu na tecla” de que as ações declaratórias de constitucionalidade deveriam ser julgadas antes do habeas corpus de Lula. O senhor acha que houve irregularidades neste aspecto? As ADCs não deveriam ser julgadas antes do HC do ex-presidente?
Rodrigo Janot – A questão da época e oportunidade do julgamento das ADCs – antes ou depois do julgamento do HC do ex-presidente Lula – não gera nenhuma irregularidade da decisão. Creio que a sugestão do julgamento das ADCs antes do HC tem como evitar uma especulação política no julgamento do HC.
Se a questão já estivesse acertada de forma objetiva antes do julgamento do habeas corpus, a questão nele ventilada teria perdido o objeto.
Circuito Mato Grosso – A atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recentemente arquivou denúncias contra o ex-governador Geraldo Alckmin, e os senadores José Serra e Aécio Neves, com o argumento de que houve prescrição. Porém, muitas das acusações contra o ex-presidente Lula, e alguns réus da Lava Jato, são de períodos similares. Qual a posição do senhor neste caso?
Rodrigo Janot – Arquivar investigações em razão de prescrição da pretensão punitiva do Estado é questão aritmética, objetiva, portanto. Não comporta ilações sobre uso discricionário da medida. Temos que fazer a conta e saber se, pela pena aplicável, a prescrição ocorreu ou não.
Circuito Mato Grosso – O senhor acredita que o presidente Michel Temer, quando deixar o cargo, também terá suas denúncias prescritas? Ou a suspensão dos processos, impostas pelo Congresso, impede a prescrição?
Rodrigo Janot – Dificilmente ocorrerá prescrição da pretensão punitiva estatal dos crimes imputados ao presidente Temer nas duas denúncias. A uma, porque os crimes são graves e o quantitativo das penas aplicáveis é bastante alto. A duas, porque a suspensão do trâmite dos dois processos penais aplicada pelo julgamento político da Câmara dos Deputados também importa na suspensão do fluxo do prazo prescricional.