Gelson Rodrigues de Moraes está há três meses fora das ruas. Ele agora mora em um albergue da capital e disse estar limpo há cerca de dois meses, a não ser pelo cigarro que ainda fuma. Mas quanto ao resto ele garante que está limpo e pretende continuar. Isso só foi possível depois de chegar ao fundo do poço.
Aos 14 anos ele perdeu a mãe, sua melhor amiga, pessoa com quem se identificava e que acabou sendo levada após sofrer um derrame. Com o pai, ele conta, nunca foi a mesma coisa, pois era mais sistemático, sempre querendo que as coisas fossem do jeito dele.
“Eu era o filho mais velho e para o meu pai as coisas tinham que ser da forma dele. Foi então que eu perdi minha mãe, ele vendeu a casa, repartiu a herança com os filhos, arrumou outra mulher e eu fiquei com um sentimento de tristeza muito profunda no meu coração”, recorda-se Gelson.
Depois que perdeu a mãe, começou a brigar muito com um dos irmãos e foi então que experimentou a droga. Ele não disse qual foi a porta de entrada, mas recorda que gostou muito do que ela proporcionou e depois dali foi só decadência.
“Já não tinha mais vontade de estudar, comecei a faltar às aulas e depois abandonei os estudos. Com o tempo passei a dar umas voltas pelo centro, gostei de andar, passei umas noites na rua e me acostumei com aquela coisa de ficar na rua. Foi aí que eu comecei a usar drogas mais pesadas. A partir daí começaram as dificuldades para tomar banho, arrumar um canto para dormir, a discriminação por andar sempre sujo, barbudo, cabeludo. Não tinha condições de arrumar um trabalho, nem para capinar um terreno. Comecei a pedir dinheiro nos faróis, a cuidar de carros, foi indo e eu não queria mais voltar pra casa. E isso se torna um círculo vicioso. Fui ficando, ficando, quando eu dei por mim, já tinham se passado oito anos que eu estava vivendo na rua”.
Então Gelson foi preso e passou um mês preso por tráfico de drogas. Chegou a pensar que após passar um tempo preso sairia e mudaria de vida. Não queria voltar para a rua, para as drogas, mas não conseguiu. Logo depois que saiu foi para uma boca de fumo e o círculo vicioso voltou.
“Voltei para a rua, depois fui parar em várias clinicas de reabilitação, que só serviram para eu engordar. Serviam para eu passar um tempo lá para ver se eu conseguia me libertar daquele mal, mas, quando eu saía, ia para uma boca do fumo e voltava tudo de novo. Eu tinha medo porque via muitas situações de pessoas boas morrendo, pessoas novas. Mas isso só acontecia quando eu estava sem usar drogas; quando tinha feito uso, eu encarava tudo”, lembra.
Ele chegou a pesar 46 kg e com isso veio mais preconceito. As pessoas falavam que ele estava doente, que havia contraído o vírus da Aids porque morava na rua. “É aí que vive o preconceito. Se você emagrece, você está doente. E não era. Era perda de sono, uso abusivo de drogas. Sem comer, você emagrece, perde as forças”.
Desde que saiu das ruas, Gelson ganhou peso, voltou a dormir melhor, tem vontade de voltar a escrever e diz ter outros pensamentos. Ele ainda não está trabalhando, mas está fazendo acompanhamentos médicos, tirando alguns documentos, e espera em breve encontrar um trabalho.
“Acredito que se a pessoa não lutar contra isso não vai se libertar nunca. Eu tenho 46 anos, comecei a usar com 14, perdi a vontade de estudar, uma coisa que eu adorava. Fazia redação, lia livros de história, não gostava muito de matemática, mas da geografia eu gostava muito. Minhas irmãs todas estudaram, se formaram e eu fiquei para trás. Os caras falam assim: “ah sempre tem uma ovelha negra da família”. No meu caso não foi uma ovelha, foi o sentimento destruído quando eu perdi a minha mãe”, avalia.
Hoje, ele voltou a falar com o pai, que não conversava há mais de um ano devido ao uso excessivo da droga. O pai o convidou para voltar para casa, mas Gelson afirma que ainda não está pronto. É que o outro irmão dele está perdido para as drogas e ele tem medo de ter uma recaída, por isso vai se manter longe por enquanto.
“Eu tinha uma família bem estruturada, então quer dizer que a culpa na realidade foi minha. Se eu tivesse, assim, um incentivo, uma coisa que pudesse modificar isso, talvez hoje eu tivesse outra visão. Hoje eu tenho outra visão sobre esse mundo da droga”.
Expectativa
Gelson acredita que os parlamentares e o governo teriam que arrumar mais profissionais como médicos, psicólogos, enfermeiras e estruturas físicas melhores para o atendimento dessas pessoas.
“Assim, eles [moradores em situação de rua] vão ver que têm condições e que elas estão melhorando e vão querer sair dessa vida, pois sabem que tem condições de mudá-las. Só que é uma batalha difícil, mas não impossível. Temos que pensar sempre no positivo que tudo dará certo”.
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