Jurídico

Ex-deputado Riva é condenado a mais de 21 anos de prisão por desvio

Foto: Ahmad Jarrah/CMT

A juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, condenou o ex-deputado José Riva a 21 anos e oito meses de prisão, em uma das diversas ações penais derivadas da Operação Arca de Noé, deflagrada nos anos 2000, em que é acusado dos crimes de formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro.

A decisão foi proferida nesta terça-feira (28) e é a primeira sentença proferida na esfera criminal contra o ex-parlamentar. Riva ainda é réu em uma centena de processos, por conta de supostos desvios nos mais de 20 anos em que esteve na Assembleia Legislativa. 

O político irá poder recorrer da decisão em liberdade.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual, o ex-deputado criou a empresa “de fachada” João Roberto Borges Papelaria, que teria simulado fornecimento de produtos em mais de R$ 2 milhões a Assembleia. Em valores atualizados, segundo a decisão, o prejuízo é de mais de R$ 5,4 milhões.

A denúncia proposta em dezembro de 2007 também envolveu ex-deputado e ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), Humberto Melo Bosaipo, Guilherme da Costa Garcia, Varney Figueiredo de Lima, Luis Eugênio de Godoy, Nivaldo Araújo, Geraldo Lauro, José Quirino Pereira, Joel Quirino Pereira, João Arcanjo Ribeiro e Nilson Roberto Teixeira. A ação de Riva, no entanto, se desenrolou em separado dos demais réus.

De acordo com a denúncia, os crimes foram cometidos entre novembro de 2000 e dezembro de 2002 e envolviam os pagamentos irregulares do Legislativo em favor da Papelaria Universal, do empresário João Roberto Broges.

“O procedimento teria se originado da deflagração da operação Arca de Noé, quando mediante mandados de busca e apreensão cumpridos em desfavor de João Arcanjo Ribeiro, inclusive em Factorings, foram localizados inúmeros cheques da conta corrente da Assembléia Legislativa de Mato Grosso, emitidos em favor de várias empresas e assinados pelos servidores públicos Luiz Eugênio de Godoy, Guilherme Garcia, Geraldo Lauro e Humberto Melo Bosaipo, então presidente da Assembléia Legislativa, além de José Geraldo Riva, que na ocasião ocupava o cargo de Primeiro-Secretário”, diz trecho da denúncia.

Pedidos

Em sua defesa, Riva requereu a remessa da ação à Justiça Federal, uma vez que as irregularidades foram identificadas com documentos apreendidos durante a deflagração da Operação Arca de Noé, realizada pela Polícia Federal.

Além disso, a defesa do ex-deputado, representada pelo advogado Rodrigo Mudrovitsch, pediu a absolvição quanto ao crime de lavagem de dinheiro ou a fixação da pena-base, por conta da confissão realizada por Riva.

Competência estadual

Em sua decisão, a juíza Selma Arruda afirmou que a ação não cabe ser analisada em esfera federal, já que os crimes foram cometidos contra a Assembleia Legislativa, um Poder estadual.

“No caso, trata-se de imputação de crimes de Lavagem de Dinheiro e Peculato, sendo o primeiro do tipo lavagem doméstica, ou seja, crime praticado dentro do território nacional e o segundo praticado em desfavor da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, órgão também estadual. O fato de ter sido utilizada uma factoring para a lavagem de dinheiro não faz com que o crime esteja afeto à lei que trata de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, hipótese em que a competência seria federal”, afirmou. 

Selma também afastou o argumento de que o valor desviado se tratava de dinheiro destinado ao pagamento de financiamento de campanha eleitoral.

Com relação ao argumento de que se trata de dinheiro destinado a pagamento de financiamento de campanha eleitoral, não há argüição neste sentido pelo Ministério Público.

“Ainda que se comprove que os cheques referidos na denúncia tinham como destino o pagamento de dívidas de campanha em favor de João Arcanjo Ribeiro, não há como traçar um elo de ligação entre os atos efetivamente praticados e a campanha eleitoral que os antecedeu”, declarou.

Conforme a magistrada, boa parte dos valores desviados do Legislativoe direcionados à Confiança Factoring, de João Arcanjo, era posteriormente redirecionados ao próprio ex-parlamentar.

“Escudo”

A magistrada ainda declarou que a empresa fictícia criada para o esquema serviu como “escudo” para o desvio do dinheiro da Assembleia Legilativa.

“O Ministério Público encetou várias diligências, visando descobrir se a empresa João Roberto Broges Papelaria efetivamente existia e funcionava. Nos autos há prova de que, naquela ocasião, a empresa estava com inscrição suspensa junto à Secretaria de Fazenda do Estado desde 30 de março de 2001, sendo que a mesma jamais teria emitido notas fiscais ou promovido recolhimento de tributos”, disse. 

De acordo com Selma Arruda, a empresa beneficiária dos 41 cheques omitidos pela Assembleia Legislativa não possui registro de empregados e muito menos pagamentos de contribuições sociais junto ao INSS.

“Quando fizeram diligências no sentido de elucidar a existência e o funcionamento da empresa, verificaram que o imóvel indicado no endereço encontrava-se desocupado. Em contato com o proprietário de tal imóvel, o mesmo informou que jamais alugou aquele local para a empresa denominada João Roberto Broges Papelaria”, afirmou.

Factoring

Ainda de acordo com a juíza Selma Arruda, ficou comprovado de que Riva agiu em conluio com terceiras pessoas, a fim de possibilitar o desvio de verba no Legislativo estadual. “Fatos que foram praticados durante anos a fio e, mais especificamente, no caso desta ação penal, por mais de dois anos (novembro de 2000 a Dezembro de 2002)”.

Segundo a magistrada, a denúncia apontou que Riva recorria a factoring de João Arcanjo sempre que precisava de dinheiro para cobrir despesas pessoais e, portanto, alguns desses cheques emitidos contra a conta corrente da Assembleia foram destinados à factoring para pagamento de operações financeiras.

“Ocorre que os cheques emitidos pelas empresas fantasmas a mando do acusado José Geraldo Riva eram remetidos à Factoring e lá eram trocados por dinheiro ou por cheques da própria Factoring e eram encaminhados ou às pessoas credoras do acusado José Geraldo”, diz outro trecho da ação.

Riva, de acordo com Selma, confessou espontaneamente o cometimento do crime.

“José Geraldo Riva, conforme sua própria confissão, foi um dos beneficiários de grande parte da verba desviada da Assembleia Legislativa do Mato Grosso e só obteve sucesso na empreitada criminosa, graças à colaboração de comparsas, na maioria servidores públicos vinculados à Assembleia Legislativa”, afirmou a magistrada.

Confissão

Conforme a decisão, em sua confissão, Riva afirmou que as empresas participantes das aquisições fraudulentas da Assembleia Legislativa eram fantasmas, “de modo que o resultado já era previamente escolhido e o serviço ou mercadoria jamais seria prestado ou entregue”.

“José Geraldo Riva relata que entre os anos de 1999 e 2001 é que surgiu a maioria dessas empresas. Algumas já estavam criadas, mas sua utilização efetiva iniciou-se em 1999/2000 2001/2002. Relata que o fato aconteceu por iniciativa do corréu Humberto Bosaipo, que também se viu, na ocasião, pressionado a efetuar pagamentos a fornecedores”, declarou Selma.

A magistrada disse também que Riva, mesmo não negando que boa parte do dinheiro desviado foi usada a beneficio próprio, afirmou que a maioria do montante visou pagamento de contas da Assembleia, “atribuindo a maioria delas à responsabilidade do também Deputado Gilmar Fabris”.

“Quanto à responsabilidade pelas negociações que eram feitas com as factorings, Riva admitiu que apenas os membros da mesa diretora (Riva, Gilmar Fabris ou Humberto Bosaipo) e os servidores que ocupavam o cargo de Secretário Geral é que tinham autonomia para ir até elas no intuito de obter dinheiro para a quitação de dívidas, sendo que os demais servidores não tinham qualquer responsabilidade sobre isso”, disse. 

Selma afirmou que a confissão de Riva corroborou com as provas trazidas pelo MPE e as quebras de sigilo bancário.

Lavagem de dinheiro

Ainda em sua decisão, Selma Arruda declarou que durante todo o período apontado na denúncia, em que houve irregularidades na administração do Poder Legislativo Estadual, Riva agiu visando dissimular e ocultar as verbas desviadas.

“Os cheques remetidos à Confiança Factoring eram de emissão da Assembleia Legislativa em favor da empresa fictícia João Roberto Broges Papelaria, foram falsamente endossados e se prestavam ao pagamento de dívidas pessoais e de campanha de José Geraldo Riva (caixa 2), disse.

A magistrada afirmou que com as provas e a confissão do político, ficou comprovado que Riva cometeu o crime de lavagem de dinheiro. “As negociações feitas por intermédio da Confiança Factoring não teriam razão de ser, exceto a intenção deliberada de ocultar e dissimular a origem ilícita do dinheiro desviado da Assembleia, já que aquela Casa de Leis não emitia cheques predatados, como sói acontecer sempre que se recorre a uma instituição desta natureza”.

"Ganância"

A juíza declarou que Riva praticou os crimes por ganância, “fazendo da vida política um meio de locupletamento ilícito”.

“Tratava a coisa pública como se sua fosse, ora praticando os desvios em favor próprio, ora para aquisição de bens, ora para quitação de dívidas ilicitamente contraídas durante a campanha eleitoral (caixa 2), ou para praticar fisiologismo ou mesmo para beneficiar comparsas”, afirmou.

Ao determinar a pena de Riva, Selma também declarou que o ex-deputado se mostrou arrependido, “ainda que tal arrependimento possa ter se ocasionado apenas por conta da estratégia defensiva que adotou ao final do trâmite deste processo”.

No entanto, a magistrada declarou que os crimes não favorecem o réu, que, segundo Selma, se aproveitava da qualidade de membro da Mesa Diretora do Legislativo, para promover os desvios e comandar uma equipe de pessoas especialmente nomeadas para possibilitar o sucesso da empreitada criminosa. “Tudo foi arquitetado e gerido pelo acusado”.

“A nocividade da ação do réu foi além dos fatos por ele praticados, já que, tratando-se de líder político, utilizava dos próprios desvios para alimentar suas campanhas eleitorais e retroalimentava sua permanência no poder. O prejuízo causado ao erário foi milionário, conforme já apontei nesta decisão e até agora o Estado não foi ressarcido”, afirmou.

Selma decretou a pena-base de oito anos de reclusão e 200 dias-multa pelos crimes de peculato. Além disso, fixou multa de 1/10 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Pelo fato da confissão, a juíza atenuou a pena contra Riva, levando a condenação de prisão para sete anos e 160 dias-multa.

Conforme a juíza, mesmo com a confissão, Riva não poderia ser perdoado totalmente pelos crimes, pois as provas contidas no processo já levaram a comprovação das ilegalidades. 

“José Geraldo pretende beneficiar-se de uma delação tardia, que nada de relevante acrescenta na descoberta dos fatos. Age desta forma apenas como estratégia de defesa, no claro intuito de beneficiar-se com redução de pena, tanto que o fez somente agora, depois de anos de tramitação processual”, disse.

Além disso, Selma declarou que Riva não restituiu nenhum centavo aos cofres públicos, nem se propôs a fazê-lo, “de modo que é incabível a aplicação do instituto apontado pela defesa”. 

Ainda em sua decisão, Selma afirmou que este não é o único processo em que Riva é réu, por desvios cometidos na Assembleia e que o ex-parlamentar cometeu verdadeira “sangria” nos cofres do Legislativo.

Por conta da continuidade do cometimento de crimes, a magistrada aumentou a pena de peculato para onze anos e 266 dias-multa.

Pelos crimes de lavagem de dinheiro, Selma fixou a pena de oito anos de reclusão e 200 dias-multa. No entanto, também pela continuidade dos crimes, ela aumentou a condenação para dez anos de reclusão e 250 dias-multa.

“Resulta a soma das penas ora aplicadas em 21 (vinte e um anos e oito meses de reclusão e 516 (quinhentos e dezesseis dias-multa)”, pontuou.

Redação

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