O ex-CEO da rede de varejo Abercrombie & Fitch Michael Jeffries, seu marido e um terceiro homem foram presos na terça-feira, 22, sob a acusação de atrair homens para orgias “estranhas e coercitivas” com drogas, realizadas em todo o mundo, com a promessa de serem modelos para os anúncios que usavam fotos de homens sem camisa da varejista, que já foram famosos.
Por quase 20 anos, Jeffries, seu sócio Matthew Smith e seu empregado James Jacobson usaram o status, a riqueza e uma rede de trabalhadores da casa de Jeffries para satisfazer os desejos sexuais do casal, no que se constituiu em um negócio internacional de tráfico sexual e prostituição protegido por sigilo, de acordo com uma acusação realizada no tribunal federal de Nova York.
“Explorar sexualmente seres humanos vulneráveis é um crime. E fazer isso com sonhos de um futuro na moda ou como modelo… não é diferente”, disse o advogado americano Breon Peace, do Brooklyn, em uma coletiva de imprensa, chamando o caso de um aviso “para qualquer um que pense que pode explorar e coagir outras pessoas usando o chamado sistema de teste do sofá”.
O advogado de Jeffries, Brian Bieber, e os advogados de Smith, Joseph Nascimento e David Raben, disseram por e-mail que responderiam às alegações no tribunal.
Mensagens pedindo comentários foram enviadas ao advogado de Jacobson, que anteriormente havia dito que não se envolveu nem sabia de nenhum comportamento coercitivo, enganoso ou forçado.
O caso é a mais recente acusação de crime sexual de um homem proeminente e rico – de Sean “Diddy” Combs a Harvey Weinstein – acusado de abusar de sua posição de astro ou possível criador de astros, embora o status dos casos e aspectos importantes das alegações variem. Uma das primeiras acusadoras do falecido Jeffrey Epstein disse que ele a apalpou durante um encontro em 1997, organizado como uma entrevista de modelo para o catálogo da Victoria’s Secret.
Todos os três acusados deveriam se apresentar na terça-feira, 22, em vários tribunais – Jeffries e Smith na Flórida, onde foram levados sob custódia, e Jacobson em St. Paul, Minnesota, após sua prisão em Wisconsin.
Os três são acusados de tráfico sexual e prostituição interestadual envolvendo 15 acusadores não identificados. James Dennehy, diretor assistente do escritório do FBI em Nova York, chamou as alegações de “abomináveis”.
Viagens entre 2008 e 2015
De acordo com a acusação, os três pagaram para que dezenas de homens viajassem dentro dos EUA e internacionalmente para praticar sexo pago com eles e outros homens em Nova York e em hotéis na Inglaterra, França, Itália, Marrocos e Saint Barts (ilha no Caribe) entre 2008 e 2015. A acusação, às vezes gráfica, descreve festas sexuais nos quais os homens recrutados recebiam drogas, lubrificantes, preservativos, fantasias, brinquedos sexuais e, às vezes, injeções penianas indutoras de ereção que causavam reações dolorosas que duravam horas.
Os homens não eram informados de tudo o que os eventos implicariam, inclusive algumas das práticas sexuais que deveriam realizar, e eram obrigados a abrir mão de suas roupas e telefones celulares durante os encontros e a assinar acordos de confidencialidade depois, segundo a acusação. A acusação afirma que, às vezes, os homens recebiam itinerários como os enviados a modelos para sessões de fotos, deixando-os no escuro sobre o que estavam se comprometendo a fazer.
Conforme a acusação, os réus levaram os homens a acreditar que participar dos eventos ajudaria em suas carreiras, incluindo suas chances de conseguir trabalhos de modelo da Abercrombie – ou que o não cumprimento poderia prejudicar suas perspectivas, diz a acusação.
Jeffries e Smith empregaram Jacobson para recrutar os homens, que normalmente tinham de se submeter a “testes”, fazendo sexo com Jacobson primeiro, de acordo com a acusação. A acusação diz que outros funcionários da casa, não identificados, também ajudavam a facilitar os eventos, inclusive atuando como segurança e fornecendo álcool, relaxantes musculares, Viagra e outros itens.
Jovens teriam sido vigiados
Os homens foram submetidos a alguns atos sexuais sem consentimento e, quando as testemunhas ameaçaram expor o que estava acontecendo, Jeffries e Smith usaram uma empresa de segurança para vigiá-los e intimidá-los para que ficassem em silêncio, de acordo com uma carta que os promotores apresentaram ao tribunal.
Peace disse na coletiva de imprensa que os promotores têm “muitas provas”, incluindo registros de viagens, documentos financeiros e depoimentos de acusadores e testemunhas.
Jeffries tornou-se CEO da Abercrombie & Fitch em 1992 e deixou o cargo em 2014. A empresa sediada em New Albany, Ohio, que também engloba a Hollister, não quis comentar sua prisão.
Os promotores não alegam que os recursos ou a propriedade da empresa tenham sido usados no suposto esquema sexual.
No ano passado, a Abercrombie disse que havia contratado um escritório de advocacia externo para conduzir uma investigação independente, depois que a BBC noticiou alegações semelhantes de uma dúzia de homens.
Uma ação judicial movida em Nova York no ano passado acusou a Abercrombie de permitir que Jeffries dirigisse uma organização de tráfico sexual durante seus 22 anos de mandato, com olheiros de modelos vasculhando a internet em busca de vítimas. Na época, Bieber se recusou a comentar as alegações.
Uma empresa centenária
A Abercrombie & Fitch tem suas raízes em uma loja de artigos para caça e atividades ao ar livre fundada em 1892. Quando Jeffries chegou, um século mais tarde, a marca era um fracasso no varejo.
Ele foi responsável por transformá-la na queridinha da cultura de shopping center dos adolescentes da virada do milênio, conhecida por sua estética nouveau-preppy (peças sofisticadas da moda clássica) – e por seus anúncios sensuais e eventos de loja com modelos masculinos musculosos e sem camisa. Jeffries falou abertamente sobre como a empresa buscava garotos atraentes que pudessem se encaixar em suas roupas.
Essas observações afastaram os clientes que não se encaixavam – literalmente ou não – na imagem da marca, e a crise financeira de 2008 e a recessão subsequente levaram alguns adolescentes a procurar cadeias de “fast fashion” mais baratas. A popularidade da A&F começou a se desvanecer novamente.
Quando Jeffries saiu, as vendas da empresa estavam caindo, e um fundo de hedge pressionou a diretoria a substituí-lo.
Alguns meses após sua saída, a varejista anunciou que deixaria de usar fotos “sexualizadas” nos materiais de marketing de suas lojas e de chamar as trabalhadoras das lojas de “modelos”. A empresa disse aos gerentes regionais que não “toleraria discriminação com base no tipo de corpo ou atratividade física”.
A empresa se recuperou nos últimos anos.