No Evvai, os menus sazonais são chamados de “edições” e não por acaso. Com cartinhas que acompanham cada tempo e explicam em pequenos textos e imagens divertidas o que o preparo engloba, como comer e o que sentir, o almoço ou jantar vira uma experiência literária, assim como artística e gastronômica, tudo junto e misturado. A segunda edição de 2025 do menu Oriundi conta, como sempre, a história de um Brasil que dança com a Itália e de uma Itália que namora o Brasil, com o toque autoral de Luiz Filipe Souza, em 14 tempos.
Com jeito de história em quadrinhos, os desenhos que introduzem os pratos incluem uma boca feminina com um pirulito colorido: metade como a bandeira do Brasil, metade como a italiana; uma arma sendo carregada com um pedaço de massa no lugar da bala; um caranguejo angelical; o mascote da Michelin de óculos escuros aproveitando um dos pratos; o patinho na banheira de tucupi; uma homenagem ao filme Laranja Mecânica; uma pipoca no nariz de uma moça e até uma amostra de tinta que representa uma cor brasileiríssima: a da mandioca.
Como todo início de banquete pede bons pães, uma caixa de madeira oferece pão multigrãos, palitinho de queijo Canastra e croissant de alho, acompanhados por manteiga de maracujá e azeite de oliva. Mas não se empolgue demais: lembre-se de que há muito mais por vir.
Bocadas
Logo depois, o primeiro passo oficial dessa dança conta com três “bocadas”: inspiradas pelo sanduíche tramezzino, tradicional de Torino, torradinhas recheadas de atum bluefin e pitanga em uma mistura cremosa abrem os trabalhos, seguidas pela barquinha de patê de fígado de galinha com cajuína e da tortinha de ostra com pistache e granita de jambu – essa deve ser consumida em uma bocada só, explodindo na língua em uma bomba gelada saborosa.
A segunda etapa brinca com o imaginário popular a respeito da pasta e fagioli (macarrão com feijão). Tradicionalmente uma sopa quentinha, no Evvai ela vem abaixo de zero. O macarrão fino é resfriado rapidamente após o cozimento e servido com emulsão de feijão-verde fresco, kefir e mel de abelhas nativas, finalizado à mesa com granita criocongelada de salsão e ervas aromáticas. Bonito de ver, gostoso de comer. Ao lado, um mil-folhas (de folhas mesmo) limpa o paladar para a próxima bocada.
A casquinha de “não-siri” dá continuidade ao menu. A delicadeza macia da carne de siri conversa com o coco fresco crocante, enquanto a royale preparada com cabeça de camarões carabineiros é a base do prato, esquentando sem pelar.
Depois, chega a hora de uma verdadeira ode à moqueca. Monocromática, a moqueca branca tem lula, pupunha, peixe do dia e sabores semelhantes aos do prato tradicional, mas sem cor de dendê e com um crocante de polvilho que dá charme e movimento ao preparo. Nessa etapa, o mascote da Michelin, Bibendum, é homenageado na cartinha que acompanha o passo.
Bomba
A tão aguardada “mãozinha do chef” faz as honras de chegar à mesa com a bomba de vieira, um clássico da casa desde 2017 – e o único que sempre se repete edição após edição, mas com toques diferentes a cada virada. Desta vez, a bolinha inspirada no bomboloni salgado que marcou a jornada profissional do chef tem sua massa cozida no vapor antes de ser frita em gordura de pato, recheada com tomate verde, lardo artesanal da Serra da Bocaina e vieiras frescas por cima. Ao lado, o crocante de vieira é a surpresa, acompanhada de pasta aromática feita com o molusco e ervas frescas.
Uma carta com um patinho de borracha em uma banheira de tucupi anuncia: vem em seguida uma versão brasileiríssima do capelete in brodo. A massa recheada com pato assado em lenha de árvores frutíferas é servida na casa com um brodo bem brasileiro, feito de tucupi, além do pedaço de enguia que dá um toque adicional.
Na sequência, pratos intensos chegam à mesa, como o javali selvagem que vem em dois modos de preparo: lombo grelhado com laranja, para comer com garfo e faca, e costela com cozimento de longa duração fincada no osso, para comer mesmo com as mãos. A lasanha de língua e rabo fecha a parte salgada do menu – o caldo é puro umami, com cogumelo e agrião.
Algo mais
Antes da etapa final, uma doce e salgada surpresa: uma degustação de queijos brasileiros com meles diferentes. Em seguida, a etapa doce começa com o cupuaçu absoluto. Nesse doce, o foco é na essência do fruto, em diferentes texturas e temperaturas, da compota ao sorvete, com acidez e dulçor equilibrados.
Não poderia faltar um picolé na lista de sobremesas da chef confeiteira Bianca Mirabili. Sua paixão pelo preparo é conhecida de longa data e, aqui, a casquinha crocante de chocolate intenso guarda a cremosidade do creme gelado de pipoca. O açúcar explosivo polvilhado em cima do doce deixa o conjunto ainda mais surpreendente e adiciona uma experiência auditiva ao prato.
A mandioca é a grande homenageada do encerramento do menu. Um entremet com recheio que remete ao tradicional bolo Souza Leão, feito com massa puba (massa de mandioca fermentada), a última sobremesa busca criar um semifreddo com raízes coloniais, com toffee de tucupi preto – para trazer umami, salgado e acidez para o grand finale.
Para terminar mesmo, um cafezinho ou chá, com docinhos: chocolate com amendoim, copinho de doce de cappuccino e sanduichinho doce de romeu e julieta são alguns exemplos. Um dos destaques é o brigadeiro de tomate com manjericão, que, apesar de ser uma ideia fora do convencional, faz total sentido na boca.
Harmonização
As escolhas de Marcelo Fonseca, eleito sommelier do ano pelo Guia Michelin 2025, são uma atração à parte, que completa a experiência ora de maneiras tradicionais, ora apostando em formas mais inusitadas. Nesta edição, por exemplo, ele harmoniza o menu com vinhos brancos, tintos e até saquê.
A harmonização pode ser escolhida em três caminhos: sintonia (R$ 619), com a mistura entre vinhos brasileiros e italianos; plena (R$ 995), que contempla bebidas de diversos países; e magna (R$ 2.113), baseada em rótulos de produtores do Velho Mundo.



