Opinião

EU, MURO.

Hoje é véspera de qualquer coisa. Ninguém calcula  muito bem de que. Mas é a véspera.

De um amanhã incerto e não sabido. Recheado de muitas tensões e decisões.

A falsa escuridão da noite tremula iluminada por reflexos roubados das janelas vizinhas enfileiradas nos edifícios.

Embalando o pensamento, ronronados dos motores dos aparelhos de ar-condicionado ritmavam um quase mantra constatação: “aquilo nunca havia visto e, pelo visto (que preferia não visto), muito além não veria”.

Os grilos do gramado conversavam quebrando a monotonia da espera. Faz de conta que são só eles por aqui.

Era ato com hora marcada. Muita torcida e barracas para pouca arquibancada.

E um jogo. Em que, no seu desenrolar, não poderá sofrer interferência externa. Quem decide está lá dentro. Para o bem ou para o mal. O problema é a coisa e tal, o lado que pouco conta e faz muito barulho: o de fora.

Mas afinal, como enquadrar cada qual com seu igual? Eles se misturavam com muita facilidade e relativa intimidade. Chegavam a provocar reações alquímicas, dependendo da dosagem de cada elemento.

E, assim, foram felizes. Até que começou a rolar um desgaste no composto. Um desacerto na relação que afetou o funcionamento das instituições, levando ao amanhã quase hoje.

Fora, o mundo todo parece protestar. Aqui, falanges divididas por um fino e frágil muro que nem de arrimo é, não tem culpa de nada e teme, naturalmente, sua integridade física. Diante do entusiasmo da multidão que ele separa o que esperar?

“Tarefa ingrata! Se pelo menos me pintassem de flores, colorissem de amores e me usassem! Fizessem de mim, muro divisório, mural de sugestões. Registrando e expressando bons votos para todos nós, especialmente para esse tal de Brasil e para mim…”  

E os gritos que ultrapassarão a barreira, lançados de um  lado para o outro?

“Pra que?”, se pergunta o muro (sim, ele mesmo), do alto de sua longa extensão, cheia de perspectivas e pontos de fuga.  “A realidade é que ninguém estará aqui para escutar ninguém. Todos querem impor seus pontos de vista na marra. Quanta energia desperdiçada!”

Mas vá lá, “seja o que Deus quiser”, se conforma. Tomara ele, muro, conseguir controlar as paixões e frustrações acumuladas que, prometem, levarão multidões às ruas do país.

Que seja tudo por e com um amor maior: o Brasil.

Que, em algum momento do dia, cada um dos cidadãos  cheios de moral (ui) e cobertos de razão (ai) que se digladiam em nome de ideologias e idolatrias consigam elevar seu pensamento e desejar o melhor para nossa gente.

Toda gente.   

Então, fica aqui mais uma modesta  e utópica sugestão: no domingo não seja muro que divide, reinvente sua postura. Seja energia que agrega.

Não mentalize o mal alheio. Pense na coletividade.

Bloqueie a negatividade. Dirija suas energias para quem está – em última análise – agonizando no meio dos desdobramentos sempre surpreendentes da crise. Sim é ela e aqui estou, por enquanto, ainda muro!

Não há milagres para se esperar. Há que trabalhar, (re)construir nosso amor próprio de amar e, se possível, fazer do muro, futuro! 

Valéria del Cueto

About Author

Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Ponta do Leme”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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