Opinião

ETNOPOESIA DE JOSÉ ANGELO NAMBIQUARA

 Em tempos de dias lamacentos e sangrentos, a etnopoesia de José Angelo Nambiquara pode ensinar que a ambição desmedida de riquezas, de poder, de autoritarismo que se espalha pelo mundo já se arrasta por séculos, causando o extermínio sem piedade.  O indígena, da aldeia Três Jacu, Terra Indígena Tirecatinga, Sapezal, Mato Grosso, escreveu, em 2001,“Minha Comparação”, quando venceu o 1º Concurso Literário e o 1º Concurso Categoria Ensino Médio. Neste espaço, uma parte de sua etnopoesia ou, como Neruda, seu “Canto Geral”:

“Minha terra é a primeira, primeira é minha nação. Roubaste a minha terra no ato da invasão. O ato da invasão se chamou descobrimento. E esqueceste deste povo que já estava há tanto tempo. Sendo isso o início de um grande sofrimento. De um grande sofrimento o que digo não é lamento. Só eu posso dizer como é a vida deste momento. Da vida deste momento veja só o quanto durou. Abra os olhos e agora veja você nada preservou. Quase nada preservou e ainda não pagou. As aves, a caça e a mata que quase exterminou. Você quase exterminou com a vida que geraste. Como pode garantir o futuro que plantaste? O filho que geraste como vai sobreviver? Num solo tão degradado que você mesmo devorou? Você mesmo devorou a riqueza que possuía. E isso lhe fará falta por hoje e o resto do dia. 

Por hoje o resto do dia entenda do jeito que quer. Só sei que a verdade tu próprio nunca requer. Entenda do jeito que quer em poesia vou recitar/ A minha comparação que você vai escutar. Você me chama de índio isso é puro engano seu. Sou filho bem brasileiro e este país é meu. O país que ainda é meu você nunca respeitou. A maior parte do chão você já o explorou. Vou falar de ambas as parte e aqui tudo escrevi… Nossas matas são mais belas/ E o verdor se prende a elas. As aves que você tem  não cantam como aquelas. Nossas aves são mais livres. Cantam alegres noite e dia. As aves que tu possuis/ Já não têm mais companhia. Nossos rios têm cachoeiras/ De águas claras, cristalinas. 

Nossas vidas são mais vidas em perfeita harmonia. O dinheiro compra tudo/ Só não compra alegria. Na tua cidade rica só vejo periferia. Vejo periferia e começo a imaginar/ Onde foi a produção que gerou economia. Hoje se fala mais alto a nova tecnologia/ Mas você ainda desconhece o valor da tua própria família”.

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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