Cidades

Estado é o último no ranking de filantropia

Fotos: Ahmad Jarrah / Circuito Mato Grosso 

Em países com índices de desenvolvimento humano (IDH) insatisfatórios – caso do Brasil, que apresenta coeficiente GINI, utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 0,699 e por isso possui IDH considerado apenas “médio” – serviços filantrópicos acabam sendo a única saída para muitas pessoas que dependem da boa vontade de organizações para conseguir se alimentar, ter acesso a um tratamento de saúde e outras necessidades básicas. Entretanto, esse tipo de apoio tende a mascarar deficiências que na maior parte dos casos deveriam ser supridas pelo Estado.

Para a Mestra em Educação e professora de sociologia do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), Christiany Fonseca, a filantropia é um trabalho que ocorre sob uma perspectiva diferente da “dádiva”, que significa “dar-receber-retribuir”. Sem a expectativa de retribuição, Fonseca afirma que ações filantrópicas, desde que possuam caráter exclusivamente altruísta, são importantes na resolução de problemas imediatos. Ela, porém, chama atenção para uma possível troca de papéis e de responsabilidades nessa questão.

“A priori, a filantropia é algo positivo. O problema é que se sou um filantropo, se faço uma ação filantrópica, é porque existe um vácuo do poder público, fazendo com que o papel que deveria ser feito pelo Estado passe a um terceiro”, disse.

Dados do Cadastro Nacional de Entidades de Utilidade Pública, do Ministério da Justiça (MJ), apontam que Mato Grosso é o único Estado da região Centro-Oeste que possui uma Organização Estrangeira (OE), que é a Associação Alemã de Assistência aos Hansenianos e Tuberculosos (DAHW). Porém, em relação a Mato Grosso do Sul e a Goiás, a quantidade de outras categorias de organizações é menor.

A mestre em educação afirma ainda que deve-se tomar cuidado ao se discutir ações filantrópicas, não deixando que o debate parta para o lado subjetivo e exclusivamente emocional das pessoas, denotando esse comportamento a “desesperança generalizada” que vem atingindo a sociedade desde a Revolução Industrial, diagnosticada ainda no século XIX pelo filósofo e revolucionário alemão Karl Marx (1818-1883).

“Vivemos um momento de crise mundial, um desencantamento, uma desesperança generalizada. Todo esse processo cobra uma sociedade mais altruísta. Não devemos, entretanto, cair no discurso simplório de que ‘a generosidade deve tomar conta’. Deve-se ter cautela com abordagens subjetivas”.

Filantropia é utilizada para marketing

 O chamado “Terceiro Setor” – constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais que tem como objetivo oferecer serviços de caráter público -, representa uma parte importante do sistema capitalista. Quanto maior o número de colaboradores, e sua presença em países, aumenta-se também sua visibilidade não só em nível nacional, mas também mundial. Dessa forma, atividades que passam uma “imagem altruísta” tendem a se tornar ferramentas publicitárias e de marketing nesses grupos.

A mestre em educação Christiany Fonseca afirma que ações filantrópicas de pessoas jurídicas, ou seja, de empresas ou organizações privadas, sempre levam em conta os benefícios que iram receber quando desenvolvem atividades dessa natureza. Considerando a isenção de alguns impostos para aquelas que realizam esse trabalho, a socióloga vai além, afirmando que as mesmas pessoas que pregam a solidariedade por meio da filantropia, também atuam na esfera política e financeira para derrubar os direitos dos trabalhadores, por exemplo.

“A questão da propaganda e do marketing, aliada à isenção de impostos, é um fator sempre levado em consideração por essas empresas. Curiosamente, os mesmos que destacam as ações de filantropia realizadas por suas organizações são os maiores opositores de políticas públicas que beneficiem os trabalhadores. Mais do que obra social, os empresários deveriam ajudar o trabalhador a ser reconhecido em seu espaço de trabalho”, diz ela.

O Terceiro Setor movimenta cifras bilionárias no Brasil. Dados do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), organização sem fins lucrativos que reúne os principais investidores do país, sendo eles de origem empresarial, familiar, independente ou comunitária, denotam que as empresas brasileiras e personalidades jurídicas investem R$ 3,2 bilhões em projetos sociais. Apenas a rede de associados do GIFE investe anualmente R$ 2,4 bilhões na área social.

Os números não contemplam a anistia dos impostos que essas empresas recebem por esses investimentos, ou negócios viabilizados em função do trabalho de marketing e de publicidade dessas ações.

Apesar de vultosos para a realidade brasileira, as cifras nos Estados Unidos são bem mais altas, e nos ajudam a compreender a falta de serviços do Estado mesmo num país desenvolvido, caso da nação norte americana. De acordo com o Center Foundation, o terceiro setor movimenta todos os anos US$ 300 bilhões por lá.

Entre as soluções apontadas pela professora de sociologia do IFMT para que ninguém mais tenha que recorrer à “boa vontade” de outras pessoas, Fonseca aponta a organização dos grupos que dependem desse tipo de serviço, de modo a transformar essa necessidade coletiva numa demanda social com o objetivo de transformar esses anseios em políticas públicas de fato.

“Embora seja uma organização lenta o processo de o oprimido enxergar-se como pertencente a uma classe, ainda acredito na capacidade de organização desses grupos para lutar pelos seus direitos”.

Santa Casa tem déficit mensal de R$ 400 mil

Um dos símbolos da filantropia não só em Cuiabá, mas no Estado de Mato Grosso, a Santa Casa de Misericórdia precisa colocar suas contas na ponta do lápis para garantir atendimento gratuito a população da Baixada Cuiabana. Com 200 anos de história (a instituição começou a ser construída em 1815, ainda durante a monarquia portuguesa) o hospital geral com especialidades médicas e cirúrgicas opera no vermelho e tem déficit mensal estimado em R$ 400 mil.

Investir em equipamentos que exigem aparelhos com tecnologia de ponta e recursos humanos, por meio dos quais alguns médicos chegam a ganhar verdadeiras fortunas, é um gargalo antigo da área da saúde, uma realidade vivenciada cotidianamente pelos administradores da Santa Casa. Em média, seu custo para manutenção dos atendimentos e serviços gira em torno de R$ 4 milhões todos os meses. As informações foram repassadas pela diretoria da instituição em contato com o Circuito Mato Grosso.

Maria Auxiliadora, diretora administrativa da Santa Casa, afirma que apesar das dificuldades financeiras que permeiam essa história de mais de dois séculos (no final da década de 1990 ela quase fechou as portas) os serviços e o atendimento à população “não são prejudicados”. Ela pondera, entretanto, que a proporção entre os recursos de custeio que tem origem privada deveriam ser maiores.

“Mesmo com todas as dificuldades, conseguimos garantir o atendimento. A proporção ideal entre a verba do SUS e de doações particulares deveria ser de 60% para o primeiro e 40% no segundo”, diz ela.

Segundo informações da própria Santa Casa, o SUS custeia hoje a instituição em 88%. Os outros 12% são verbas particulares e doações. A instituição filantrópica realiza 8 mil atendimentos por mês – contando os pacientes da saúde pública e privada –, dividindo-se entre atendimento ambulatorial, consultas, cirurgias e internações.       
 

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Diego Fredericci

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