Política

Estado de Mato Grosso vive disputa pelo Fethab

Fotos: Willian Matos

Em junho do ano passado, em reunião com 25 produtores, o governador Pedro Taques pediu colaboração do setor produtivo para incrementar o volume de recursos aplicados em municípios para dar conta da demanda de serviços, majoritariamente os de infraestrutura. A proposta era que os agropecuaristas colaborassem com maior mais pagamento de impostos, que entrariam em uma versão secundária do Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), programa de havia sido reformulado por Taques no final de 2015, para especificar em quais setores os recursos do fundo seriam aplicados, com a intenção de otimizar o financiamento.

Três meses antes, quatro hospitais filantrópicos em Mato Grosso haviam anunciado a decisão de suspender suas atividades por falta de recursos para administrar atendimentos pelo SUS. Os repasses da Secretaria Estadual de Saúde (SES) já estavam atrasados há mais de dois meses, apertando o orçamento mensal.  Era o início de uma crise que culminou na situação atual de dívida de R$ 160 milhões, referentes à suspensão de até sete meses da transferência dinheiro para as prefeituras.

A polêmica está em torno da proposta do governo de retirar recursos do Fethab para cobrir o buraco no orçamento da saúde. A indicação inicial era que a parcela pertencente aos municípios fosse realocada para a saúde e os serviços de infraestrutura, suspensos até que a situação se normalize, sem previsão para essa retomada. A medida, no entanto, foi recebida sem aprovação pelos prefeitos, que alegam falta de desequilíbrio na contenção de gastos.  

“Entendemos que a saúde precisa ser atendida, mas todos os prefeitos fizeram compromisso com o dinheiro. Alguns compraram máquina via financiamento, compraram equipamento, sem falar nas reformas do dia a dia das pontes e a ampliação do segmento do agronegócio. Sabemos da dificuldade da economia do Estado, mas onde deságua o principal problema é no município”, diz o prefeito de Água Boa, Mauro Rosa (PPS).

O Fethab reformulado por Taques ficou dividido em duas frentes. O Fundo de Óleo Diesel, que recolhe R$ 0,19 do litro do combustível via ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal), teve distribuição para Estado e municípios em metades iguais do que seja recolhido, com desconto de 17,5% para outros Poderes (TCE, TJ, MPE e Legislativo).  

A proposta do governo era redistribuir os 50% de prefeituras para a área saúde, o que obrigaria à paralisação dos serviços em estradas, pontes e transporte pelos municípios.  Em reunião na terça-feira (30), no Palácio Paiaguás, em Cuiabá, com cerca de 80 prefeitos, além de deputados e uma equipe do governo, esse caminho foi descartado.

“O Fethab tem o seu destino próprio regulamentado, e a saúde tem que ser mantida de outras formas. O governo tem que achar uma maneira de cortar gastos em outros setores para cumprir com pagamento de repasses para a saúde. Com a retirada do Fethab, a produção de soja, a de gado e o pequeno produtor vão ficar sem trânsito. A prefeitura não tem como manter com recursos próprios o acesso aos produtores”, comenta o prefeito de Ribeirão Cascalheira, Reynaldo Fonseca Diniz (PR).

Segundo a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), o corte de verba para o setor de infraestrutura colapsaria o logística dos municípios, devido aos contratos já realizados com empreiteiras, o financiamento de máquinas e a construção de travessias.

Reportagem publicada na edição 628 do Circuito Mato Grosso trata do agravamento das finanças em prefeituras em Mato Grosso devido ao atraso de recursos para a saúde pelo governo estadual.

Prefeitos ouvidos afirmam que, no cálculo do primeiro trimestre do ano, a arrecadação de impostos sofrera retração entre 15% e 20%, afetando principalmente o setor da saúde, que consome cerca de 25% do orçamento. Para cobrir as despesas, recursos de outros setores estariam remanejados.

Dados da Sefaz são pouco claros, diz AMM

O presidente da AMM, Neurilan Fraga, diz não ter ocorrido retração do orçamento das prefeituras que justifiquem a falta de recurso para aplicação na saúde. Segundo ele, a queda de arrecadação no ICMS no Fundo de Participação Municipal (FPM) neste ano não provocou a situação crítica atual.

Ele usa sua análise como paralelo para avaliar a arrecadação do Estado, que, diz, tem pouca “claridade” na apresentação de dados sobre a movimentação fiscal.

“Se o município teve queda no ICMS de 20%, o Estado também teve; se houve queda de 10% no FPM, o Estado também teve queda no FPE (Fundo de Participação do Estado). Mas isso não justifica a crise instalada. No princípio, essa queda não existe, não fez criar o colapso financeiro”.

Fraga cobra da Sefaz (Secretaria de Fazenda) o acesso da associação aos dados sobre a movimentação de arrecadação pelo Estado. Afirma que o conhecimento dos prefeitos sobre entrada e saída de recursos dos cofres estaduais tem empecilhos administrativos.

“É muito difícil conseguir informação de acontecimento de fato na Sefaz. Temos informações que o governo passa, mas não sabemos o que realmente acontece. Eu quero ver os números”.

Fraga afirma que além dos R$ 160 milhões em atraso na saúde, o repasse de parcela do ICMS para os municípios já chegou à casa dos R$ 23 milhões neste ano.

Governo aponta retração de R4 1,2 bilhão em 2016 e 2017

Números esparsos divulgados pelo governo apontam que somente em 2016 houve frustração de R$ 750 milhões do que havia sido previsto no orçamento para entrar nos cofres públicos. Esse montante seria suspensão de recursos pela União e queda na arrecadação do ICMS em Mato Grosso.

Neste ano, a queda já estaria em R$ 460 milhões, sendo R$ 260 milhões de frustração de recursos pelo Ministério da Saúde. Também compõem o volume recuo de R$ 19 milhões do setor da pecuária e R$ 22 milhões do setor atacadista.

Conforme o líder do governo na Assembleia Legislativa, Dilmar Dal Bosco, essas retrações são somadas às despesas crescentes com a Previdência, que neste ano devem bater em R$ 3,1 bilhões.

“É preciso entender que o cenário é de crise, não só em Mato Grosso, mas no Brasil. Estados muito mais desenvolvidos (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo) estão em crise, precisamos buscar uma saída para ela”.

Na próxima semana, em 6 de junho, a Secretaria de Fazenda deverá apresentar, em audiência na Assembleia Legislativa, um balanço do quadro econômico e financeiro de Mato Grosso referente ao primeiro quadrimestre. Deverão ser divulgados números sobre a arrecadação e o eventual déficit orçamentário, afetado pela crise.

Comissão vai analisar saídas para financiamento da saúde

Na terça-feira (30), o governo anunciou a criação de uma comissão para debater a criação de orçamento para suprir a crise na saúde em Mato Grosso. O grupo será composto por seis deputados estaduais, seis prefeitos e a equipe econômica do Estado. O objetivo é encontrar uma saída que não piore as finanças dos municípios e que disponibilize de forma rápida recursos para cobrir os gastos do setor.

Os integrantes da comissão devem ser definidos na próxima segunda-feira (5). Eles terão uma semana para montar uma estratégia, que será apresentada ao governador Pedro Taques no dia 12 junho. Neurilan Fraga diz que ele e outros cinco prefeitos serão escolhidos para compor a representação dos municípios.

“Precisamos de um esforço de todos. O governo sozinho não conseguirá resolver o problema da saúde, que se arrasta há anos e precisa de uma solução definitiva. Resolver o problema da saúde passou a ser prioridade”, disse Taques.

O governador afirma que, apesar da urgência da situação, é necessário pensar medidas a médio e longo prazo, para financiar a saúde. Uma sugestão levantada é o aumento da compensação aos Estados exportadores de commodities e produtos semielaborados.

Hoje, eles estão protegidos da cobrança do ICMS por meio da Lei Kandir. Segundo o governo, Mato Grosso perde cerca de R$ 4 bilhões com a não tributação e recebe R$ 400 milhões do governo federal como compensação.

Fórum Agro diz que Fethab está desvirtuado

As entidades do agronegócio de Mato Grosso, principal contribuinte de recursos para o Fethab, se manifestaram contra a decisão do governo de remanejar recursos do Fundo para setores não cobertos pela lei.

Em nota divulgada na terça-feira (30), o Fórum Agro, grupo que representa entidades como Aprosoja, Famato e Acrimat, afirma que o Fundo está “desvirtuado”. O Fórum cita várias ações do governo desde a fundação do Fethab, em 2000, para cobrir despesas além da infraestrutura e dos transportes.

“O setor produtivo entende e também vivencia o caos em que se encontra a saúde de Mato Grosso. No entanto, discorda da maneira como o Poder Público está buscando resolver os problemas. Cabe destacar que os investimentos em infraestrutura são importantes para toda a sociedade. Além de transportar os produtos do agro, pelas estradas também circulam pessoas”.

Em 2014, parte do Fundo foi usada nas obras da Copa do Mundo e outra para pagar a folha de salários dos servidores públicos. No mesmo, os recursos, que eram administrados exclusivamente pelo governo estadual, começaram a ser divididos com as prefeituras.

Na reformulação da lei do Fethab, em 2015, além do Fundo Óleo Diesel, foi criado o Fundo Commodities, que se sustenta em arrecadação de soja, algodão, gado e madeira. O dinheiro de impostos que entra para essa rubrica seria destinado exclusivamente a serviços de infraestrutura e transporte.

Em julho de 2016, os produtores rurais passaram a pagar o dobro do valor que incide sobre as commodities (soja, gado em pé e algodão) para o Fethab 2.

Reinaldo Fernandes

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