Opinião

Esses dias

Cheguei em Cuiabá em meados de agosto. Não queria vir, é verdade, mas minha adaptação na escola foi imediata. Lembro de Mamãe falar que só conseguiu a vaga porque na sua segunda tentativa encontrou um primo conversando com um senhor esguio, alto, de bigodes, na recepção:

– Hilcinha! O que você está fazendo aqui?

– Oi, Fernando! Tentando vaga pro meu filho que tá vindo do Rio Grande!

– Êáh!? Salvador, trata de arrumar vaga pra minha prima!

Era o diretor do Anglo. Sempre fui um cara de sorte. No meu primeiro recreio, assim do nada, levo um cuspe no enroladinho de salsicha. Catarrada mesmo. Era um menino bem baixinho, o menor de todos. Desconfiei.

– Foi Xuxo que mandou! – disse Gustavinho apontando para um rapaz orelhudo, dentes tortos, loiro. Era óbvio o motivo do apelido.

A conexão com a galera foi imediata. Aliás, minha turma era do barulho: eu, Xuxo, Coquinho, Léo Força Flu, Cleber Matupá, Cleber da VG, Lincoln, Pirú, Ricardo Buiú, Ricardo Cotrim. Agregados de outras séries, somavam Gustavinho, Rondonzinho e Walter Boliviano.  Uma verdadeira seleção só de camisas 10. A galera tinha uma rotina a qual me encaixei perfeitamente. Durante a primeira aula, a gente devorava uma coxinha de galinha com bastante molho de pimenta, maionese caseira e uma Coca KS bem geladaaaaa no Zé Capivara. Assistíamos a segunda aula, íamos para o intervalo, víamos a terceira e quarta aula, e depois, como num passe de mágica, sumíamos.

Puf! Era o efeito Goiabeiras Shopping.

A tentação de ir no recém aberto Goiabeiras era muito mais interessante que as aulas de Química do professor Manuel ou de Literatura do professor Leão. As escadas rolantes gigantes, arquitetura tipo Rio-São Paulo, ar condicionado central, tudo era top demais. Mas nada se comparava a dois lugares:  o Cepódromo, uma área aberta no terceiro andar onde jovens iam beijar e o um gigante fliperama. O Cepódromo a gente só olhava de longe por motivos óbvios: com 15 anos ninguém pega nem gripe. Agora o fliperama! Como a gente gostava do Fliperama.  Eu, particularmente, era louco pelas máquinas de pinball. Tinha uma máquina, Getaway, que arrebentava a boca do balão. Era intensa, as bolinhas davam looping, tinha carros de polícia, tinha um visor tipo TV, tudo com som Estéreo! Simplesmente alucinante. O duro que tinha um cara, uma mistura de Mestre Splinter com Senhor Miyagi, que ficava o dia inteiro jogando com uma ficha! Sim, uma ficha! O pinball te dá recompensa em créditos a cada recorde! E o velhinho quebrava recorde atrás de recorde! Haja dinheiro pra ficar jogando o dia inteiro! Mas nisso a gente tinha um salvador. Hoje seria um anjo investidor: Walter Boliviano. Quando a grana acabava, ele passava na vídeo locadora da sua mãe, a Kosmos Vídeo, a mais bombada da época, e rapelava as moedas do caixa. Saque este que poderia acontecer até mais de uma vez por dia.  Mas nesse dia não. Era sexta. Estávamos com pressa. Entrei dentro do meu Prêmio 1.6, liguei meu RoadStar prateado e buzinei apressando a turma:

– Bora Walter! Bora que tenho que lavar meu Ferracini porque hoje tem Ópera e sem sapato não entra!

– Então aumenta o volume aí Jawn! Que tá rolando Snap! 

Rhythm, you can feel it, you can feel it! Rhythm, rhythm is a dancer!

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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