Há alguns dias, viralizou na Internet imagens da fila numerosa formada pela população cuiabana em frente à um açougue da capital, com o intuito de conseguir uma doação de ossos de bovinos, a tal "carcaça", como costumamos dizer. Após a repercussão das imagens, as quais foram amplamente divulgadas nas mídias sociais em geral, a fila só cresceu, demonstrando quantas famílias estão com uma condição socioeconômica frágil e de muita vulnerabilidade.
Quando paro para pensar que somos o estado do agronegócio, cuja pecuária possivelmente seja o carro chefe, a conta não fecha. Como um estado produtor de carne bovina, sendo este o responsável por grande parte da economia, devido à exportação intensa, chega numa situação dessa? De que forma a população empobrecida está sendo beneficiada por meio dessa política externa?
Não é de hoje que todos nós sabemos que a nossa carne, produzida no nosso solo, com a nossa água, e nosso gado, é vendida lá fora mais barata do que o que pagamos por ela aqui, devido aos abusivos impostos aplicados sob cada produto consumido neste país. Inclusive, os próprios produtores são vítimas deste sistema excessivamente taxativo, que só alivia para aqueles que estão no topo da pirâmide social, para aqueles que se enriquecem às custas dos cofres públicos.
Reconheço a vida de privilégios que levo, pois nunca senti na pele, ou melhor, no estômago, a dor da fome. Entretanto, como humano que procuro ser, não consigo agir com indiferença ou frieza diante da situação a qual narro; seria incapaz de proferir um discurso cruel, culpabilizando o próprio povo por tal desigualdade.
Ninguém escolhe passar fome, ninguém é pobre porque quer ser. É fácil assumir essa narrativa quando se tem mínimas condições de suprir todas as necessidades básicas como ter, pelo menos, três refeições diárias, por exemplo. Ou você realmente acha que todo mundo come essa mesma quantidade de vezes por dia?
Posso citar inúmeras famílias que conheço que, diversas vezes, tem apenas uma, quiçá duas refeições ao longo do dia. Tenho certeza que se você se esforçar um pouco também vai se lembrar de, pelo menos, uma que conhece nesta condição. E isso não acontece por opção dela, mas, porque lhe falta o pão.
É, meu caro leitor, a fome está presente na casa de muito brasileiros; ela normalmente tem endereço, classe social, gênero e raça. Sabemos bem qual é o perfil dos que mais sofrem desse mal na nossa nação. Também sabemos quem são os maiores responsáveis pela manutenção deste sistema desonesto de domínio e exploração.
Aquelas pessoas na fila do açougue não estão ali porque gostam de comer ossinhos de boi, porque acham suculento e saboroso. Elas estão ali pois é o que lhes resta para garantirem a mistura para si e para os seus, por um dia, ou para uma semana. Elas estão ali porque não conseguem comprar diariamente a carne que é vendida naquele próprio açougue que se dispôs a contribuir de alguma forma para amenizar o impacto da pobreza do povo. Elas estão ali porque veem ser essa a única saída diante da violação dos direitos que lhes são constitucionalmente garantidos. Enfim, digo e repito, essa conta não fecha!