Opinião

Espiral do tempo

Dessa vez sou eu. A própria. Aproveitando a tarde na beira da calçada do Arpoador. Tem uma parte que a gente pode sentar e ficar alguns metros acima da areia. Visualizando, antes de descer para a praia.

Enquanto escrevo começam os aplausos na praia. Apesar de ainda faltar um bom tempo para a saudação diária ao astro rei em sua despedida apoteótica a cada entardecer desse verão carioca.

Os aplausos, replicados pelos banhistas, alertam que há uma criança perdida. Vão “andando” e aumentando enquanto alguém conduz o menor e procura seus familiares.

Assim estamos, e andamos. Batendo palmas e aguardando que os pais da “criança” se manifestem, assumindo o papel de protetores da vida que lhes cabe.

Os dias têm sido lindos, especiais. Contrariando todos os avisos e possíveis alertas de chuvas e tempestades. Apesar de castigarem boa parte do país daqui, da Cidade Maravilhosa, elas não conseguem se aproximar.

São tantos avisos que acostumei ao argumento do “é hoje só amanhã não tem mais”. Dia após dia, melhor dizendo, tarde após tarde, juro que dedicarei cem por cento do meu tempo a tecer meu tapete de Penélope, a edição e organização do acervo fotográfico. Acordo com uma vontade férrea que resiste até o meio das tardes quentes e abafadas.

Acompanho a evolução do desenho solar e suas sombras nos prédios e pela mudança da luminosidade. O “X” da questão começa quando o interior do apartamento cai na penumbra.

Olho para fora pelas janelas fiscalizando o céu. Azul de brigadeiro, realçado pelas paredes que rebatem a luz solar e reluzem, ao contrário das áreas sombreadas.

Aí, aquele brilho de lá se reflete nas retinas de cá, como isca para o pensamento que passeia na mente… “Pode ser hoje só. Talvez amanhã não tenha mais.”

Funciona como um mantra para sair do mergulho e da concentração virtual e tomar uma atitude no mundo real. Onde, diga-se de passagem, a tarde é uma criança teimosa que não quer parar de brincar e o sol faz desenhos nas águas do Atlântico ignorando as tarefas cotidianas e/ou profissionais.

Para mim esse chamado é irresistível. Capaz de ativar os músculos e desativar os fios que conduzem aos trabalhos braçais da edição, indexação e às trilhas da criação digital. Fui.

Respiro fundo três vezes olhando o entorno do lugar que me escolheu na faixa de areia. Varia a distância do mar e das sombras à direita em relação a linha d´água. Onde houver um respiro me encaixo sem reclamar. É pleno verão, metade do primeiro mês de 2019, Rio de Janeiro.

Não incomodam os turistas e visitantes que ocupam a vizinhança. Certamente por saber que o movimento cessa em algumas semanas e a praia volta a ser um paraíso sem tantas figuras exóticas. Lo-ta-da de gente que passa o tempo todo mexendo nos celulares, sem re-conhecerem o que têm ao redor. É a força da vida no terceiro milênio.

Também preciso de uma atividade praiana mas resisto. Acho que estamos condicionados a essa necessidade de fazer. Fazer o que? No caso, leio, escrevo, fotografo e gravo a vida na quina do Arpoador e Ipanema.

Observando a barra do horizonte, verifico que não, “não é hoje só” com essa ausência de nuvens. Elas desenham o tempo de amanhã. Firme!

Esse, o tempo, que se permite o que nos proibimos. O simples contemplar. Nos intervalos entre as tempestades que, sabemos, um dia virão…

 

Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Crônica da série “Arpoador” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

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