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Especialistas criticam projeto que prevê CNH sem aulas em autoescolas

Está em análise pela Casa Civil da Presidência da República um projeto, elaborado pelo Ministério dos Transportes, que prevê a suspensão da obrigatoriedade dos candidatos frequentarem um Centro de Formação de Condutores (CFC), conhecidos como autoescolas, para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A (motocicletas) e B (veículos de passeio).

A ideia, encabeçada pelo ministro dos transportes, Renan Filho e divulgada em 29 de julho, é baratear e desburocratizar a obtenção da CNH, reduzindo o custo para emissão do documento, que hoje ultrapassa os R$ 3 mil, em até 80%. Se aprovado, o projeto será regulamentado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

Principais mudanças

De acordo com o projeto, as aulas práticas, que hoje têm exigência mínima de 20 horas-aula, passarão a ser opcionais e sem obrigatoriedade de carga horária mínima, cabendo ao próprio candidato escolher quantas aulas fará. Elas poderão ser ministradas nos centros de formação de condutores (autoescolas) ou por instrutores autônomos credenciados aos Detrans e na Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).

De acordo com Adrualdo Catão, secretário nacional de trânsito, as aulas teóricas poderão ser feitas em autoescolas, em escolas de educação a distância (EAD) ou pelo próprio site do governo, por meio do aplicativo da Carteira Digital de Trânsito. “É importante reforçar que as provas, tanto teórica como a prática, continuarão sendo obrigatórias, assim como a exigência de aprovação”, diz. “Não há nenhuma evidência de que o mínimo de horas-aula exigida atualmente melhore o nível da formação, ou diminua a mortalidade no trânsito. É preciso tornar mais acessível esse processo, para que as cerca de 20 milhões de pessoas que hoje dirigem sem habilitação no Brasil possam se regularizar”, afirma Catão.

Paulo Guimarães, CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), vê a proposta com preocupação. “Embora seu detalhamento ainda não tenha sido apresentado, a forma como foi colocada gera inquietações, sobretudo no que se refere ao alinhamento com o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e com os princípios da proposta de uma nova formação de condutores”, diz.

Segundo ele, essa ideia foi amplamente discutida entre a sociedade e a comunidade técnica entre 2013 e 2018, mas não prosperou em “função de lobbies mercadológicos e pressões políticas”. Ela já prevê a requalificação da formação de condutores, valorizando competências socioemocionais, percepção de risco e a compreensão do trânsito como espaço de convivência social.

E a retirada da exigência de formação estruturada, de acordo com Guimarães, contraria diretamente essa diretriz, pois ignora a função educativa do processo de habilitação. “Não se trata de resistir à mudança, mas de garantir que ela não venha acompanhada de retrocessos. O trânsito brasileiro ainda mata mais de 35 mil pessoas por ano. A prioridade deve ser sempre salvar vidas e a formação de condutores é uma das ferramentas mais eficazes nesse propósito”, declara.

Aprender a passar

De acordo com Cecília Bellina, psicóloga especializada em ajudar pessoas a enfrentar o medo de dirigir, o processo atual de formação no Brasil já é ruim. “Ele é feito para que as pessoas aprendam a passar e obter a CNH, mas não para que aprendam a dirigir”, diz. Para ela, eliminar as aulas na autoescola e substituir por familiares pode até piorar a situação. “O que seria muito positivo é a inclusão da disciplina de educação no trânsito na grade curricular do ensino infantil até os 18 anos, o que está previsto na legislação, mas nunca foi implementado pelo MEC”, diz.

Em nota, a Associação Nacional dos Detrans (AND) afirma que acompanha de perto as discussões e articula uma agenda com o ministro. “Nosso principal foco nas tratativas é a valorização da educação para o trânsito. Em um País que ainda registra altos índices de condutores não habilitados, é fundamental que qualquer mudança preserve e reforce a qualidade da formação dos motoristas”, diz Givaldo Vieira, presidente da AND.

Habilitação no Brasil

– 54% da população não dirige ou dirige sem habilitação;

– 42% dirigem carros e 27% conduzem motos entre os habilitados;

– R$ 3.215,64 é o custo médio para obter a CNH – 77% desse valor vai para as autoescolas;

30% das pessoas sem CNH pretendem tirar a carteira no futuro.

Fonte: Ministério dos Transportes

Estadão Conteudo

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