A atual realidade fiscal de Mato Grosso apresenta uma legislação que nem mesmo os profissionais da área conseguem entender. Aliado a constantes mudanças, acréscimos de emendas, decretos diariamente e os exorbitantes valores do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) estadual, a legislação fazendária do estado está afastando investidores, desestimulando vendas e encarecendo produtos.
A professora de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Giseli Alves Silvente, especialista na legislação fazendária estadual, explicou alguns dos principais empecilhos da lei tributária de Mato Grosso.
Além disso, a especialista falou ao Ciruito Mato Grosso sobre a disputa entre cidades e estados, para ver quem ‘vende’ melhores incentivos para que as empresas se instalem em seus territórios – a chamada ‘guerra fiscal’ – e pontuou melhorias que a Secretária de Fazenda precisa fazer.
Confira a entrevista exclusiva:
Circuito Mato Grosso: Há muitas reclamações a respeito da legislação fazendária de Mato Grosso. Por que os empresários e contadores que enviam produtos para o estado têm tanta dificuldade?
Giseli Alves Silvente: Sim, há reclamações, pois as regras daqui obrigam o fornecedor a modificar o cálculo do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias) para poder mandar a mercadoria para cá. E para parametrizar os impostos nos moldes desta legislação, há ônus para o fornecedor.
Isso se dá porque o texto da legislação é truncado e de difícil entendimento. As regras não são impossíveis de se entender pelos profissionais da contabilidade. Prova disso é que nós estamos aqui e o contribuinte, apesar de tudo, consegue sobreviver. Mas essa dificuldade torna nossas vidas muito mais difíceis.
C.M.T.: O que dificulta o acesso às leis de Mato Grosso? Existe burocracia?
G.A.S.: Nós, contribuintes, não temos acesso aos dados da Secretaria. Cada departamento é especialista na sua área e não conhece nada dos demais. Isso causa muita dor de cabeça, pois o contribuinte precisa lidar com vários deles ao mesmo tempo.
Além disso, eles fazem as alterações diariamente, por meio de decretos que acreditam ser os melhores e nos resta obedecer. Acredito que alguns pontos sejam importantes, outros nem tanto, mas como são leis precisamos cumprir.
As entrelinhas da legislação é que provocam transtorno, pois os contadores precisam interpretar um texto muito truncado, de difícil acesso e interpretação.
C.M.T.: E não há um canal de comunicação com a Secretaria de Fazenda?
G.A.S.: Há o plantão fiscal, nele o contribuinte ainda fica dependendo da sabedoria de uma única pessoa. E é desumano querer que o assessor do plantão fiscal vá entender de tudo dentro da Sefaz, se nem mesmo dentro das próprias gerências há entendimento. O ideal seria que cada gerência tivesse uma assessoria disponível para atender o contribuinte.
Se para quem legisla e trabalha lá dentro não há entendimento, imagine para nós contribuintes que estamos na ponta oposta.
C.M.T.: O profissional de contabilidade precisa de um conhecimento específico para lidar com as regras do estado?
G.A.S.: Sim. Ele precisa se debruçar e ficar responsável somente por essa área. Se atualizando diariamente e procurando saber sobre as várias alterações e decretos baixados. Por conta disso, o contador responsável se especializa em tributação mato-grossense e ele não consegue abarcar outras áreas da contabilidade. Ele precisa diariamente fazer esforços interpretativos para entender o que os legisladores, na outra ponta, tentaram dizer no texto das leis.
C.M.T.: Essas dificuldades nas interpretações das leis podem causar prejuízos ao estado? Tanto na sonegação, quanto desestimular possíveis investidores?
G.A.S.: Os contribuintes não são sonegadores. Eles são pessoas comuns que constituem empresa e precisam pagar seus tributos, tirar algum lucro para reinvestir e sobreviver. Se não existisse o contribuinte, não existiria o Estado. São pessoas sérias e precisam ter acesso às informações da Sefaz. Às vezes ele erra não porque quer sonegar, mas porque a legislação é obtusa.
Quando ele erra nesse cálculo, isso gera ônus para ele, pois além de ter que pagar a carga tributária – que já é alta – ele precisará arcar com multas e penalidades previstas na lei. Nesse caso, o lucro dele vai embora e às vezes tem até prejuízo.
Outro prejuízo é o operacional: Ele emite a nota, manda de volta, paga e recebe o documento de volta, para depois poder mandar o produto para o seu comprador. Olha quanto tempo não se passou com o produto parado esperando essas guias. Isso causa um ônus operacional.
Isso pode afugentar alguns vendedores que tem duas opções: agregar valor na mercadoria, para não ter prejuízos ou ele pode deixar de vender para o estado. A partir do momento em que o Estado não compra mercadoria de outros estados, ele está perdendo arrecadação e dinheiro de impostos, pois não poderá recolher ICMS. Mato Grosso não é um estado industrial, ele não produz os produtos de consumo, então precisa importar. Se não comprar de fora, não terá o produto para vender para o cliente final.
C.M.T.: A legislação truncada causa prejuízo e o Estado não pode oferecer incentivos para tentar atrair novos investidores e desonerar algumas taxas?
G.A.S.: A concessão de incentivos sempre existiu, mas no mandato passado isso veio realmente à tona, pois o governo instituiu uma política de incentivos agressiva. Ele abusou de mais na concessão de benefícios fiscais. Contudo cada estado tenta facilitar a entrada das empresas em seu território, atrair contribuintes, para que essa empresa possa pagar o ICMS e o estado recolher. Esta ‘guerra fiscal’ existe no sentido de que o estado dá mais benefícios, ou menos benefícios para determinada área para tentar ‘fisgar’ as empresas.
C.M.T: Quais os critérios que o governo deve levar em conta para conceder incentivos? Há um ponto negativo em sua deliberada concessão?
G.A.S.: Nós entendemos que o mais justo para a concessão dos incentivos é uma delimitação clara, técnica e numérica sobre quem pode receber. Pois números são incontestáveis, dois e dois quatro e ponto final. Isso acabaria com algumas injustiças que são cometidas na hora de o Executivo conceder benefícios às empresas.
Acontece que a lei que trata dos incentivos fiscais não tem critérios pontuais para definir quais empresas merecem a concessão desses benefícios. Fica à mercê de o comitê definir, aí é questão de opinião. Cada um tem a sua e isso gera alguns absurdos no estado. Porque a decisão de conceder ou não o incentivo fica à mercê das pessoas e é muito subjetivo. Ou seja, critérios como: a empresa precisa ter tantos empregados, possuir ‘X’ de recolhimento por mês, metas de construção de ‘n’ unidades em dez anos…
C.M.T.: Isso pode prejudicar as empresas locais que não recebem os incentivos?
G.A.S.: Sim, pois se a empresa X recebe benefícios e a minha não certamente meu produto será mais caro, ou eu ganharei menos com sua venda. Pois ele precisa recolher na integra o ICMS, e isso torna a concorrência desleal.