Aos 34 anos de idade, após ter passado a maior parte de sua vida como escrava, Balbina – “preta”, solteira e africana – conseguiu uma grande conquista em solo da então Província de Mato Grosso: a almejada liberdade. Ainda no século XIX, alguns anos antes de a princesa Isabel assinar a Lei Áurea há exatos 131 anos (13 de maio de 1888), Balbina e outros quatro escravos foram declarados livres em 1878.
Essa é apenas uma das muitas histórias narradas em processos judiciais guardados no Arquivo do Fórum de Cuiabá, descobertos por meio do projeto “Memória Judiciária”, desenvolvido pela Coordenadoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, e integrante da série especial “145 anos: o Judiciário é história”, em comemoração ao aniversário do TJMT, celebrado em 1º de maio de 2019.
Antonio (26 anos), Balbina (34 anos), Benedicta (30 anos), Epifania (21 anos) e Francelina (22 anos) eram considerados posse de Manoel José Moreira da Silva, cujo inventário foi conduzido por seu filho, Manoel José Moreira da Silva Júnior. No Processo n. 2/1879, João José Moreira da Silva, também filho do inventariado, concedeu liberdade por disposição testamentária ao grupo de escravos, em 8 de outubro de 1878. Isso ocorreu quase dez anos antes de ser sancionada a lei que extinguia a escravidão no Brasil.
Também nos arquivos do Fórum foi possível encontrar um processo ainda mais antigo, do ano de 1864, guardado na caixa de n. 409. Ali está narrada a partilha amigável entre os herdeiros do casal Manoel Lopes da Costa e donna Aima Maria de Jesus. Aparentemente bastante abastados, com posses que incluíam 122 cabeças de gado e muitos bens, eles possuíam 12 escravos, cujo valor foi estimado em comum acordo por todos os herdeiros.
Dentre os escravos, Joaquim, de 55 anos, e João Criolo, de 33 anos, foram avaliados em quinhentos mil réis cada. Talvez mais apto ao trabalho braçal, Manoel Cabra, de 42 anos, valia um conto de réis, assim como o menino José Cabra, de cinco anos, avaliado com o mesmo valor. O mais valioso de todos era um escravo chamado Antonio Criolo, um adolescente de 13 anos e que foi avaliado pelos herdeiros por um conto e seiscentos mil réis.
Sebastião, apesar de contar com apenas 21 anos, tinha um problema no fígado e, por isso, valia à época para a família apenas oitocentos mil réis, bem menos que a menina Benedicta Criola, de oito anos, cujo valor de mercado era de um conto e duzentos mil réis. A mais jovem do grupo, Carolina Parda, de 2 anos, foi avaliada em seiscentos mil réis. Para se entender o valor de mercado dos escravos em Mato Grosso naquela época, a título de comparação, cada cabeça de gado é avaliada no inventário por dez mil réis cada e um “taixo de cobre” por cento e sessenta mil réis.
Outro processo judicial que chama a atenção é o de n. 5/1868, um protesto por compra de escravos sem condições para o serviço, autuado em 6 de outubro de 1868. Morador da então chamada Freguesia de Santo Antonio do Rio Abaixo, Francisco Dias Leite alegou ter comprado dois escravos de José Serafim de Borba. Francisco alegou estar insatisfeito com a compra, já que os escravos Manoel e Barbara sofreriam de ‘moléstias incuráveis que impossibilitam quase que completamente todo e qualquer serviço”. No pedido, aduziu que o negócio seria nulo, “não só pela carência de escritura pública como também por ter sido ela efetuada de modo que não abona a boa fé do vendedor”, revela trecho dos autos, todo manuscrito.
Já em 1889, um ano depois da assinatura da Lei Áurea, outro caso interessante foi narrado judicialmente. Totalmente escrito à mão, o autor Antonio Gomes Xavier Moreira solicita que seja nomeado um tutor para promover a educação da menor Angélica, de 14 anos, filha de uma escrava liberta chamada Narcisa. O caso foi analisado pelo Juízo de Orphaos da Comarca de Cuiabá. O pedido foi feito em 8 de julho de 1889 e o tutor foi nomeado três meses depois, em 26 de outubro de 1889, demonstrando talvez o início de uma revolução social, por meio da qual os filhos de escravos passaram a ter, paulatinamente, direito à educação formal.