Levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça aponta que a equidade racial na magistratura brasileira só será alcançada no ano de 2044. Ou seja, somente daqui um quarto de século o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos, 22,2% de pessoas negras e pardas. Divulgado inicialmente em 2014, o estudo projetava que essa representatividade estaria próxima de ser atingida em 2018, mas a meta precisou ser revista.
A nova projeção foi apresentada nesta terça-feira (7/7) durante o segundo painel do Seminário Questões Raciais e o Poder Judiciário, promovido virtualmente pelo CNJ. O encontro foi coordenado pela conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, que destacou a importância do debate. Na avaliação da conselheira, o encontro permitirá que as discussões avancem para uma perspectiva diferente e necessária.
"Hoje, presido a Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão e um dos pontos que entendemos como absolutamente necessário para ser tratado pelo CNJ é a questão do racismo e da participação de magistrados negros no Poder Judiciário", disse a conselheira.
Para a diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Gabriela Moreira de Azevedo Soares, a prospecção mais lenta do que o esperado foi causada por uma série de fatores, que abrangeram, por exemplo, a desaceleração dos concursos públicos. "Há cinco anos, o ritmo de provimento de cargos de magistrados era muito mais acelerado do que vemos hoje. O ritmo de crescimento, que era 3% a 4,3%, hoje é de 0,7% a 1,5%, no máximo", afirmou.
A pesquisa detalhou ainda o índice projetado e registrado nas Justiças comum e especializada. No âmbito Federal, o estudo estimava a taxa de 21,8%, quando na prática ficou em 16%. No Estadual, eram previstos 21,9%, mas o cenário foi de 17,6%. E, na Justiça do Trabalho, a estimativa de 24,2% também não foi concretizada, uma vez que o alcance foi de 20,9%.
Gabriela Soares não descartou também a necessidade de revisão da meta dos 22,2%, já que o cálculo foi construído a partir dos dados mais recentes do Censo Demográfico do IBGE, que correspondem ao ano de 2010: "Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2019, o percentual de pessoas que se declararam negras ou pardas já subiu para 56,10% e era 51% em 2010. Por mais que sejam pesquisas diferentes, na prática, esse percentual de 22,2%, provavelmente, já está defasado".
A diretora-executiva do DPJ lembrou que o estudo responsável por identificar o percentual de 22,2% de representatividade na magistratura também foi usado como subsídio para a implementação do sistema de cotas raciais no Judiciário. Para a elaboração da meta, a pesquisa observou o número de negros e pardos no Brasil e a quantidade de pessoas que poderiam assumir funções no Judiciário.
Na formulação desse último quesito, foram avaliados critérios exigidos para o ingresso na magistratura, que incluem a idade entre 18 e 70 anos, a formação superior no curso de direito e a experiência profissional – aqui foram analisados três grupos: pessoas empregadas, pessoas inseridas na população economicamente ativa e o conjunto de indivíduos totais.
As ações afirmativas foram adotadas no Judiciário em 2015, com a edição da Resolução CNJ 203, que garantiu a reserva de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura a pessoas negras e pardas.
Ações afirmativas
O painel contou ainda com a participação da doutora em administração e técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Tatiana Dias Silva, e do juiz Fábio Francisco Esteves, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Em sua análise, Tatiana Silva apresentou um quadro demonstrativo das ações afirmativas que já foram desenvolvidas no serviço público, além de dados sobre o aproveitamento das vagas reservadas e estatísticas relacionadas a cor e raça, que evidenciaram as disparidades vivenciadas pelas pessoas negras. Um dos dados exibidos demonstrou que, em 2017, mais de 55% dos formuladores de políticas públicas da administração direta ainda eram de pessoas brancas.
Para a pesquisadora, o debate precisa ser aprofundado para identificar os gargalos de seletividade que podem impedir a eficiência das iniciativas. "A ação afirmativa é fundamental, mas não suficiente. A gente tem que avaliar o próprio processo da seleção, o próprio concurso público. Porque se nós reconhecermos que, não apenas no sistema de Justiça, mas de forma geral, vivenciamos uma estrutura burocrática e social organizada pelo racismo estrutural, esse racismo estará em todos os nossos ambientes, inclusive, nos instrumentos de seleção. A gente precisa aprofundar e discutir um pouco esses critérios", disse.
Já o juiz Fábio Esteves afirmou que para discutir o tema é fundamental analisar as condições históricas impostas aos negros para não invisibilizar questões cruciais que precisam ser desconstruídas: "Não dá para pensar em uma política judiciária que tenha enfoque na raça sem compreendermos qual foi a trajetória da população negra nos campos do direito da Justiça, ao longo das nossas experiências constitucionais, das nossas experiências sociais."
Por fim, o magistrado lembrou que a democratização do aceso à Justiça também resulta no melhor atendimento das necessidades plurais da sociedade. "Nós sabemos e o mundo inteiro sabe disso, as universidades americanas têm isso como um preceito caríssimo, que é a pluralidade como um elemento motriz para a geração de inclusão, de legitimidade, de robustez nas decisões, nas entregas jurisdicionais", completou. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.