Cidades

Envolvimento com as drogas leva menores ao mundo do crime

Em 2016, os principais crimes envolvendo menores relacionados ao tráfico de drogas em Cuiabá foram: associação para tráfico ilícito de drogas, cultivo ilícito de drogas, equipamentos para produção ou transformação de drogas, tráfico e uso ilícito de drogas.

Segundo especialistas em segurança pública, o envolvimento de menores com o tráfico de drogas é apontado como um dos maiores responsáveis pelo aumento nos últimos anos da entrada de crianças e adolescentes no mundo do crime.

A fragilidade do sistema de proteção social, a má qualidade dos ensinos fundamental e médio e a falta de iniciativas e programas governamentais para o atendimento de menores, tanto para os que estão em situação de risco como para os que já estão inseridos no mundo do crime, são fatores que contribuem para o envolvimento deles em crimes e delitos.

O psiquiatra Alexandre Falconi explica que o acesso às drogas está muito difundido entre os jovens e adolescentes. “Hoje em dia vemos que eles têm acesso no bairro onde moram, e na escola. Em Cuiabá, observamos que na maioria das escolas públicas ou tem droga lá dentro ou é levada pelo adolescente.

Em Cuiabá, o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Adolescer do Jardim Europa é o único centro municipal a atender crianças e adolescentes até os 24 anos com problemas de saúde decorrentes do uso abusivo do álcool, crack e outras drogas. O local funciona de segunda a sexta-feira das 8h às 18h.

Por ali, passam mensalmente 300 pacientes para receber tratamento. A maioria é encaminhada por ordem judicial. Em alguns casos, os pais nem sabem que seus filhos fazem uso de alguma substância alucinógena e são pegos de surpresa.

De acordo com o médico, os pacientes chegam assustados porque a mãe, algum parente ou o próprio Conselho Tutelar já recebeu uma denúncia de seu envolvimento com droga.

“Alguns são pegos fazendo os famosos aviõezinhos, para ganhar um dinheiro e suprir o vício. Aqui tem muito adolescente que fica desesperado para ir embora. A gente desconfia que ele esteja ‘atrasado’ para o trabalho. Eles ficam chorando, desesperados para irem embora, nenhum fala o porquê, mas a gente desconfia”, contou.

Estatística

Dados fornecidos ao Circuito Mato Grosso pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) mostram que em 2016 o crime de uso ilícito de drogas entre adolescentes foi cometido por 20 meninas e 40 meninos. Seguido pelo crime de tráfico ilícito de drogas, praticado por 18 meninas e 27 meninos.

Confira a tabela abaixo:

Natureza

2016

 

Fem.

Masc.

Associação para ilícito de drogas

9

8

Cultivo ilícito de drogas

2

1

Equipamentos para produção ou transformação de drogas

0

1

Tráfico ilícito de drogas

18

27

Uso ilícito de drogas

20

40

Centro de Atendimento Socioeducativo

Qualquer medida socioeducativa aplicada é um ato exclusivo do juiz de Direito, após a verificação do ato infracional. São chamadas de medidas Socioeducativas na Lei Federal 8.069 de 13/07/90(ECA), as penalidades aplicadas por um Juiz a um adolescente quando este comete um ato infracional, ou seja, diante de qualquer conduta descrita como crime ou contravenção penal.

São considerados adolescentes em conflito com a lei pessoas na faixa etária de 12 a 17 anos que cometeram atos infracionais – de pequenos furtos a delitos graves, como homicídios.

Em Mato Grosso, existem seis polos de internação para jovens infratores. O Centro de Atendimento Socioeducativo de Internação Masculina (Complexo Pomeri) é formado por três unidades, sendo uma provisória e outra de internação para os adolescentes do sexo masculino e mais uma para o feminino, abrigando no total 50 menores infratores.

Além disso, outros órgãos do sistema de justiça, como o Ministério Público, juizado, e delegacias operam nas proximidades do local. Existem ainda as Gerências Regionais do Centro de Atendimento Socioeducativo Masculino – Polo Rondonópolis, Polo Cáceres, Polo Barra do Garças, Polo Sinop e Polo Lucas do Rio Verde.

Estrutura precária e falta de atividades dificultam recuperação

Em março, uma equipe da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública encerrou a série de inspeções em unidades do sistema prisional visitando o Complexo Pomeri, responsável pela guarda dos menores infratores em Cuiabá. Em entrevista exclusiva ao Circuito Mato Grosso, o corregedor-geral, Cid de Campos Borges Filho, contou como foi a visita à unidade.

“Nessa visita, nós vimos várias situações que precisam de atenção do Estado. Temos situação de superlotação, de falta de agentes, de conflitos entre adolescentes. Paralelamente observamos também que não há educador físico atuando, não há uma atividade de pintura, de artes, de cultura, até de leitura no sentido de propiciar não há. A educação funciona, há um trabalho sendo feito com professores”.

O corregedor-geral explicou que em 2015 um setor chamado Tijolinho foi derrubado por intervenção da defensoria, pois estava completamente inservível para finalidade de promoção do adolescente. Com isso, perderam-se 15 vagas e os adolescentes foram remanejados. “Antes havia uma divisão mais adequada, mas hoje todos dividem o mesmo local. Isso acaba gerando muitos conflitos, isso acirra os ânimos lá dentro, promove uma tensão muito grande”.

O que existem são cadeias improvisadas, diz promotor

O Ministério Público ingressou com uma ação civil pública tratando da situação das vagas no Pomeri, segundo Cid. A defensoria pediu para que não se recebam novos internos. Dão entrada na unidade, hoje, adolescentes que cometeram crime hediondo. Em outros casos esse adolescente é colocado em liberdade. Ele fica preso provisoriamente por 30 dias na Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica), tenta vaga em outra cidade do Estado; se não consegue, é posto em liberdade.

“A Defensoria fez uma série de pedidos, como, por exemplo, uma reforma na unidade e pediu-se o cronograma para a Sejudh da obra. Havia sido feita uma licitação, mas foi considerada deserta porque não houve nenhum manifesto de interesse. Agora parece que apareceu uma empresa que tem interesse”, informou o corregedor-geral.

Para o procurador da Infância e Juventude de Cuiabá, José Antônio Borges, o maior problema hoje é a falta de Centros Socioeducativos no Estado. “Tirando esse de Cuiabá, que deixa a desejar, no interior não foi feito nenhum centro socioeducativo nos últimos 30 anos. O que existe são cadeias adaptadas. No interior só temos cadeias para colocar esses adolescentes. Enfim é uma área ainda esquecida por todos os governos”.

Ociosidade no Pomeri é um fator complicador

Quando um adolescente entra em conflito com a lei e é internado no Pomeri com problemas de dependência de álcool e drogas, deve receber atendimento médico dentro da própria unidade. No entanto, o único profissional que fazia esse trabalho faleceu.

Porém, na visão do corregedor-geral Cid de Campos Borges Filho, a ociosidade dentro do Pomeri é um complicador. Ou seja, para ele só o tratamento à base de remédios não é suficiente para atender esses adolescentes.

“Se eles são usuários mesmo, não há nenhuma outra atividade específica para tratá-los lá dentro. A não ser o tratamento psicológico e psiquiátrico”. Para tentar ajudar os adolescentes, a Corregedoria solicitou que sejam apresentados projetos sociais nas áreas de educação, saúde, capacitação profissional e assistência social.

A falta de atividades pode ser uma das causas que levam o adolescente a ser reincidente no mundo do crime. “Se não tiver um tratamento adequado, a predisposição é retornar à dependência. A reincidência observada é muito alta, infelizmente. Por quê? Porque o nosso sistema socioeducativo e carcerário não está preparado para ressocialização. Em tese, eles estão sedentos, então dá para você mudar a vida deles. Eles não estão formados totalmente, você pode encaminhá-los”, afirmou Cid.

Falta psiquiatra

Quando o adolescente tem o vício, ele é levado para unidades de saúde fora do complexo, segundo o promotor Borges. “Existe um centro de enfermagem, com um médico clínico geral, mas o especialista em droga não. Hoje a instituição não dispõe desse médico. Então eles são levados às unidades e lá recebem o atendimento. São medicados e recebem auxílio médico”.

Questionado sobre a falta de atividades para os jovens, o procurador José Antônio Borges esclareceu que a unidade disponibiliza uma quadra de esportes e que os reeducandos também podem fazer aula de natação. De acordo com o corregedor, faltam cursos profissionalizantes na unidade.

Problema da droga deve ser visto como doença

O aliciamento de adolescentes para o acometimento de crimes, de qualquer natureza, é muito comum. Pela explicação feita por Cid de Campos Borges, o adolescente está à margem do limite da maioridade penal, que responde pelo equiparado penal, mas na condição de ato inflacionário. Ou seja, não é uma pena, é uma medida socioeducativa e, para os adultos que estão na prática do crime, interessa bastante.

“Eles captam facilmente o apoio desses menores, são crianças às vezes adolescentes, com a promessa de lucro fácil, de uma vantagem, e acabam ingressando. Isso é falta de educação, da escola em oferecer uma formação adequada, de um ambiente familiar adequado. Isso propicia que os atrativos oferecidos pareçam e sejam interessantes e a pessoa cede por conta de uma formação moral que ainda está incompleta, que ainda não está formada, e por isso ele não é responsabilizado”.

Na opinião dele, o sistema socioeducativo carece de uma ferramenta mais adequada, pois o vício das drogas não é um problema penal e sim de saúde. “A droga precisa ser enxergada como isso (doença), que tem reflexo sobre o problema de criminalidade. Assim como a educação e a falta dela, tem reflexo no problema da criminalidade. A criminalidade é uma somatória, ninguém tem uma solução para explicar por que ela acontece”.

Ele ressalta ainda que a criminalidade é um fator que é de uma conjugação de situações, psicológicas, emocionais, sociais, econômicas, de conjuntura familiar. Mas, com certeza, a entrada nesse mundo das drogas, na maioria dos casos, se deve à ausência do Estado, da família, de uma fiscalização.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece alguns princípios fundamentais para garantir a proteção dos menores. Dentre eles pode-se citar: direito à Vida e à Saúde, direito à Liberdade, Respeito e Dignidade, direito à Convivência Familiar e Comunitária, direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho, Prevenção e o Direito à Proteção.

Catia Alves

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