“Ligo os aplicativos às 7h e volto para casa lá pelas 18h, 19h”, conta Lucas Gabriel Silva de Souza, de 24 anos, que, desde 2022, usa sua moto todos os dias para fazer entregas. Sua rotina resume a realidade de milhares de trabalhadores de aplicativo no Brasil: jornadas extensas, renda aparentemente maior e quase nenhuma proteção.
De acordo com a pesquisa “PNAD Contínua – Módulo Trabalho por meio de Plataformas Digitais 2024”, divulgada pelo IBGE em 17 de outubro, os chamados “plataformizados” recebem, em média, R$ 2.996 por mês – 4,2% a mais que os não “plataformizados”. Mas, quando a conta é feita por hora, o quadro se inverte: são R$ 15,40 contra R$ 16,80. O ganho mensal só é maior porque a jornada é mais longa: 44,8 horas semanais, 5,5 horas a mais do que os demais ocupados.
A pesquisa, ainda experimental, considera quatro tipos de plataformas digitais: aplicativos de táxi, transporte particular de passageiros, entregas de comida e produtos, e prestação de serviços gerais ou profissionais.
Corrida contra o relógio
“Rodar só com um app não compensa”, diz Lucas, que mora em Cangaíba, na zona leste da capital paulista. Ele só folga quando chove, porque a moto “desliza muito”. Para compensar, busca fazer mais de uma entrega para um destino: “Do Brás sai muita entrega para o interior, na região de Sorocaba. Tenho que pegar mais de uma para valer a pena. Compensa quando paga R$ 1,50 por quilômetro”, explica.
Segundo o IBGE, motociclistas inseridos nas diversas plataformas que existem no País recebem em média R$ 2.119 por mês, contra R$ 1.653 dos não plataformizados. A diferença se explica, em parte, pela jornada mais extensa: 45,2 horas semanais, 3,9 horas a mais que outros motociclistas profissionais.
Renda ilusória
Para o professor José Dari Krein, do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), essa renda maior é ilusória. “O valor recebido não inclui benefícios aos quais os plataformizados não têm acesso, como 13º salário, férias e adicional de um terço sobre as férias”, explica.
A vantagem salarial dos trabalhadores de plataforma caiu de 9,4% em 2022 para 4,2% em 2024. “As pessoas suportam essas rotinas extenuantes por um tempo, mas isso traz sequelas. Mais de oito horas por dia é prejudicial para a vida humana”, critica Krein. Para ele, não há justificativa para não reconhecer os trabalhadores de aplicativo como empregados com direitos.
Outro dado interessante revelado pela pesquisa: para 70,4% dos entrevistados o prazo de entrega é imposto pelo aplicativo.
Informalidade e riscos
A pesquisa revela também a fragilidade do modelo: 71,1% estão na informalidade, contra 43,8% dos demais ocupados. Apenas 35,9% contribuem para a Previdência, ante 61,9% dos não plataformizados. Entre os entregadores de moto, a situação é ainda pior: 84% não contribuem, embora estejam expostos a riscos constantes.
“Meu esposo não queria que eu fizesse entrega. Ele é motoboy e falou que era perigoso”, conta Valdirene Gonçalves da Costa, 25 anos, que trocou o emprego formal em uma padaria pela rotina de entregadora nos aplicativos de delivery de comida. Em 2018, seguindo os passos do então namorado, “tirou a CNH e foi para a rua”, diz.
Valdirene representa uma minoria entre os ocupados. Apenas 16,1% dos plataformizados são mulheres, contra 41,2% entre os não-plataformizados. O trabalho de entregadora começou como uma renda extra, mas tornou-se a principal fonte de renda.
Atualmente, ela faz dois turnos: das 11h às 14h e das 18h às 22h. Trabalha menos, mas ganha mais do que quando era balconista em uma padaria. “Não foi tanto pelo dinheiro, que é pouco, mas pela flexibilidade para estudar”, conta. Ela pretende cursar faculdade de Recursos Humanos e deixar os apps. “A gente se expõe muito ao risco”, diz a entregadora que reclama também da falta de pontos de apoio.
Liberdade de escolha
Entre os motoristas de aplicativo, a pesquisa do IBGE traz alguns números interessantes. Por exemplo, 78,5% deles afirmaram ter liberdade para escolher dias e horários de trabalho. E 91,2% disseram que o valor recebido é definido pela plataforma. Mais de 30% dos motoristas citaram ainda o temor de punições ou bloqueios.
“Embora exista a percepção de flexibilidade, as plataformas exercem um controle importante sobre a organização do trabalho e sobre a remuneração, o que relativiza a ideia de autonomia”, avalia Gustavo Geaquinto, analista do IBGE.
Cristiano Bezerra da Silva, 47 anos, motorista de aplicativo há oito anos, confirma a sensação de insegurança: “A gente fica no escuro, nunca sabe quanto vão descontar. Eles dizem que é 25%, mas é sempre mais”. Cristiano faz parte da minoria que contribui para a Previdência. “Se acontece um acidente, se eu fico doente, pelo menos tenho para onde correr. Além disso, não vou conseguir trabalhar nesse ritmo para o resto da vida”, conclui, relatando jornadas de pelo menos 11 horas diárias.

 
        

 
                                