Há, no limiar de cada novo ano, um movimento silencioso que se repete na alma humana.
Como quem abre uma janela depois de um longo inverno, as pessoas sentem a necessidade quase instintiva de renovar as esperanças, reorganizar os sonhos e redesenhar o futuro com linhas mais suaves. Não se trata apenas de virar a página do calendário, mas de um gesto simbólico de recomeço, profundamente humano e psicológico.
Os ritos que acompanham essa passagem, como vestir determinadas cores, pular ondas, acender velas, formular desejos em silêncio, não são simples superstições: são linguagem da alma. Funcionam como pontes entre o que foi vivido e o que se deseja viver. Ao repetir esses gestos, o indivíduo comunica a si mesmo que ainda acredita, que não desistiu de esperar, que o amanhã pode ser melhor do que o ontem.
Olhando do ponto de vista psicológico, esses rituais organizam o caos interno, dando forma ao abstrato, oferecendo contorno às angústias e transformando desejos difusos em intenções conscientes.
Quando alguém busca sorte, dinheiro, saúde ou amor, na verdade está pedindo equilíbrio, segurança, vitalidade e pertencimento. São nomes diferentes para uma mesma busca: a de sentido e continuidade.
Planejar o novo ano é, assim, um ato de coragem. É admitir que o futuro é incerto, mas ainda assim digno de ser sonhado. É reconhecer as próprias fragilidades sem abrir mão da esperança. O plano não garante o resultado, mas sustenta o caminhar. Ele é bússola, não destino.
Esses ritos de passagem revelam algo essencial: o ser humano precisa acreditar que pode recomeçar. Precisa de marcos simbólicos que autorizem o perdão de si mesmo, a reconstrução dos afetos e a retomada dos projetos interrompidos.
O ano novo oferece essa licença poética à existência.
E, talvez, a maior promessa não esteja na sorte, no dinheiro, na saúde ou no amor em si, mas na capacidade de, mais uma vez, levantar os olhos, respirar fundo e dizer, mesmo em silêncio: ainda há tempo. Ainda há caminhos. Ainda há esperança.
Feliz 2026 para todos.
Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial. @aeternalente



