Política

Entraves nos serviços públicos aguardam novo prefeito de Cuiabá

Foto Ahmad Jarrah

O próximo gestor de Cuiabá vai ter que encarar entraves em áreas impactadas. São problemas derivados da falta de planejamento da cidade e do crescimento acelerado da população nos últimos anos, situações que estrangularam os serviços de saúde pública, saneamento básico e transporte coletivo. Neste ano, todos ganharam notoriedade devido à insatisfação dos usuários por escassez de investimentos financeiros. Além disso, a crise econômica deve apertar mais o orçamento da educação pública, que, no próximo ano, tende a ter aumento de demanda com o ensino infantil.

Falta de saneamento provoca aumento de doenças

Os serviços de atenção básica foram os que mais chamaram a atenção com aumento das doenças transmitidas por sexo (DST) e das doenças tropicais, além da mortalidade infantil. Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), nos últimos três anos Mato Grosso tem registrado uma média de dois casos de infecção da aids por dia. E Cuiabá encabeça a lista das dez cidades com aumento de incidência. Foram 986 casos entre 2013 e 2015. Número maior que o registrado em todo Mato Grosso em 2014 (743 contaminações), por exemplo. 

A mortalidade infantil entre bebes com até 1 ano de vida aumentou 16%.  Conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde, os casos para os recém-nascidos com até 27 dias de vida passaram de 94, em 2014, para 110 em 2015. Alta que fez o índice de óbitos a cada 1.000 nascidos saltar de 8,4 para 10,4 no período. Também houve aumento em ocorrências com morte de bebês neonatais precoces, com menos de sete dias de vida. Em 2014, foram registrados 64 casos e, em 2015, 79, o que representou óbito de 7,5 recém-nascidos na fase neonatal em cada população de 1.000.

Os casos de doenças tropicais (dengue, zika vírus e febre chikungunya) continuam a ser registrados em índices preocupantes. Somente para a dengue houve notificação superior a 1,5 mil casos neste ano. Os casos de zika vírus são mais que o dobro, tinham sido 3.289 até a primeira semana deste mês; a febre chikungunya teve confirmação de 44 casos. 

Conforme reportagem publicada pelo Circuito Mato Grosso, na edição 602, o prefeito Mauro Mendes terminará seu mandato sem cumprir a maioria das propostas para a saúde pública. Em seu plano de governo, o prefeito pontua 18 ações, 12 delas voltadas para a atenção básica. Havia a promessa de ampliação do acesso à saúde com redução de desigualdades regionais, com implementação de política municipal de promoção à saúde. Uma das tarefas seria expandir a rede de atenção básica e efetivar os atendimentos. 

Seguindo os dados do Data SUS, do Ministério da Saúde, o problema é que houve aumento da população, mas a estrutura dos serviços da rede pública estagnou, quando não piorou. Até agosto deste ano, de 71 equipes de saúde da família credenciadas em Cuiabá, 62 estavam na ativa, cobrindo 213.900 habitantes, equivalente a 38,11% da população. Em 2013, existiam 71 equipes credenciadas pelo Ministério da Saúde e 63 estavam na ativa, conseguindo abranger 217.350 pessoas, uma proporção de 39,07%. 

Também houve redução de cobertura quando se considera os trabalhos de agentes comunitários, outro profissional que trabalha na ponta da área primária da saúde. No começo do governo Mauro Mendes, Cuiabá tinha 414 agentes cadastrados no Ministério da Saúde, mas 393 estavam realmente realizando trabalhos. 

A Secretaria de Saúde de Cuiabá diz que os dados do Ministério da Saúde estão defasados. Considerando as atividades em três anos e meio de gestão de Mauro Mendes, a cobertura da atenção básica teria pulado de 28% para 52% da população. Diz ainda que a produtividade laboratorial do SUS na capital aumentou em 192%, saiu de 28.559 procedimentos realizados, para 83.

Atenção básica precisa de rearticulação 

Para a presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed), Eliana Siqueira, os serviços da atenção básica necessitam rearticulação urgente entre os setores de atendimento, que foram afetados, diz ela, pela terceirização e pelo baixo número de profissionais.

“Na área da saúde o novo prefeito terá que reconstruir! Não há nem fluxo de atendimento para os pacientes, cada unidade não tem sequer ligação com outra, não há continuidade na atenção [ao paciente]. Exemplo: um paciente atendido na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) que tenha solicitado uma consulta com cardiologista, não tem para onde ir, seu pedido fica na UPA por meses ou anos e quando é marcado [o exame], muitas vezes não tem como localizar o paciente”, explica.

Segundo a médica, Cuiabá carece de serviço especializado para atendimentos ambulatoriais, o que passaria por aumento do financiamento da atenção básica, que hoje não corresponderia a 7% do orçamento do município.

“Outra coisa, organizar as carreiras para diminuir as gratificações e penduricalhos e melhorar os salários para que seja mais atrativo para fixar os melhores profissionais na saúde pública. Melhorar a qualidade dos profissionais que hoje entram somente por indicação política e não por processo seletivo interno ou concurso público. Precisa também ser priorizado o aumento do número de profissionais em UPAs e policlínicas”, comenta.

Água e esgoto estão quatro anos atrasados 

O problema crônico de saneamento básico em Cuiabá foi reforçado pelo descumprimento de contrato da empresa CAB Ambiental. No começo do ano, o prefeito Mauro Mendes realizou intervenção no setor por falta de documentos que comprovem a realização de serviços na distribuição das redes de água e agosto. Para alguns especialistas, não houve avanço algum nos três anos em que a concessionária ficou no comando do saneamento. A estimativa de investimento na área é de R$ 800 milhões.

Conforme o gerente comercial da CAB Cuiabá, Roberto Fernandes da Silva, hoje 90% da população tem registro d’água instalado em casa, mas distribuição tem condições precárias. A intermitência de fluxo e a suspensão de serviços retrocedem a qualidade dos serviços. Para melhorar a distribuição, é necessária a construção de mais reservatórios e estações de tratamento, obras que exigem um montante de R$ 100 milhões.

“Cuiabá enfrenta problema sério de crescimento da população e a necessidade de serviços de saneamento básico. Isso enforca os trabalhos na área e exigem um volume avultoso de R$ 800 milhões para contornar os problemas. A população cresce, novos planos, novas metas precisam ser estabelecidos”, diz.

O problema maior está na coleta de resíduos de esgoto. Apenas 30% da população tem acesso a serviços adequados na área, e para alcançar índice de 80% serão necessários outros dez anos de serviços contínuos, considerando que as medidas comecem a ser tomadas em caráter de urgência.

A situação é agravada pela defasagem do plano de saneamento básico de Cuiabá, com última atualização de 2010. Os dados usados pela prefeitura foram compilados pela extinta Companhia de Saneamento da Capital (Sanecap), que apresentou informações referentes a 2001 e 2010. Hoje, 60% dos bairros na capital existem de forma irregular, não possuem cadastro de criação em órgãos responsáveis do Poder Público. Informalidade que aumenta o problema de distribuição de água e instalação de rede de esgoto. 

Os problemas graves e emergenciais classificados pela Sanecap tinham previsão para serem solucionados até 2016. Porém, relatório elaborado pela Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cuiabá (Arsec), em referência a três anos de atividades da CAB Ambiental (2012-2015) aponta que os principais problemas são o baixo desenvolvimento dos serviços de produção, distribuição e reserva de água. No período analisado, índice global de reservação deveria estar em 33% conforme meta estabelecida em contrato, mas não ultrapassou 25%.

A Arsec mostra ainda que o grave problema de desperdício de água, hoje na casa de 67%, gera o encarecimento de outros serviços, e a qualidade da água distribuída em Cuiabá está aquém da necessária. Em 2014, a meta era que o índice chegasse a 99% da aprovação, porém o sistema mais bem tratado, do Parque Cuiabá, teve marcação de 98,80%. Os resultados foram bem piores nas estações do Ribeirão do Lipa (70,80%) e do Tijucal (69,25%).

“Cuiabá precisa de trabalhos de finanças e execução das obras. Há graves problemas e produção e distribuição de água; precisam ser criados novos locais de reservatórios. A CAB Cuiabá realizou um investimento de R4 17 milhões nestes seis meses de intervenção, mas é preciso montar um plano em cumprimento de metas para médio e longo prazos”, disse Roberto Fernandes.

Na reta final de seu mandato, o prefeito Mauro Mendes diz que não deixará o problema da CAB para seu sucessor. A previsão é que até meados de novembro seja anunciado um novo plano para a administração do setor em Cuiabá. As alternativas já estão declaradas e o contexto econômico aponta para uma delas. 

O prefeito pode anunciar a caducidade do contrato com a CAB Ambiental e retornar os serviços para a administração pública ou pode realizar uma nova licitação para transferir o comando para uma nova empresa privada. A aresta está na situação dos cofres públicos para administrar os serviços, que têm estimativa entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão.

Crise deve apertar orçamento e a demanda por creches, aumentar

A crise econômica deve apertar as contas da educação em Cuiabá que teria que chegar a 31% do orçamento no próximo ano, já com atraso de contenção realizada em 2014. Em 2015, o montante destinado na LOA (Lei Orçamentária Anual) ficou em 28,5% (R$ 176 milhões), um ponto percentual abaixo do projeto em reforma de lei em 2012. 

O orçamento enxuto é apresentado como o principal problema para o desenvolvimento de atividades na área. Com um corpo de 9.205 servidores, entre professores e técnicos e 91 instituições de ensino, entre escolas de ensino fundamental urbana e rural e 14 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), que custam R$ 2,2 milhões por mês em manutenção, a Secretaria de Educação diz que o baixo investimento obrigou a reorganização das atividades, desde o ano passado, que foram afetadas pela suspensão de repasses do governo federal.

A educação infantil deverá ter aumento de demanda, agravando o déficit de vagas em creches. A secretária Marioneide  Angélica Kliemaschwesk diz que hoje as creches em atendimento cobrem 36,8% da população de Cuiabá com idade de 0 a 5 anos. No entanto, o Ministério da Educação (MEC) estabelece um índice de 50% até 2022, o que exige a criação de outros 14 CMEIs nos próximos cinco anos. 

Neste ano, o Superior Tribunal Federal (STF) determinou que crianças com idade mínima de 4 anos sejam matriculadas na série inicial do ensino fundamental de primeiro ciclo; antes a faixa etária mínima era de 6 anos. A mudança passou a integrar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ganha status jurídico.

“O novo prefeito, seja quem for, terá que ter vontade política para manter o financiamento para educação no próximo ano. Entendemos que o País passa por uma crise econômica, e Cuiabá, assim como outros municípios, está sendo afetada. Para assegurar as despesas da educação, o prefeito poderia diminuir os gastos com propaganda, por exemplo. Mas isso depende de vontade política”, diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep), seccional Cuiabá, professor João Custódio.

Ele aponta ainda a necessidade de reforma de escolas de ensino fundamental, pois apenas 40% delas foram reformadas nos últimos anos. 

Lei de transporte público necessita de revisão, diz engenheiro

Cuiabá está longe da classificação de metrópole, até mesmo de integrar uma região metropolitana se levada em conta a soma de sua população com a população de Várzea Grande. No entanto, a média de carros que circulam pela capital tem proporção de muitas cidades superpopulosas – 1,5 habitante por veículo, considerando os atuais 366.038 veículos existente para uma população de 580.489 pessoas; números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para o engenheiro e professor da UFMT, Luiz Miguel de Miranda, a alternativa para diminuir o fluxo do trânsito – que chega a cria engarrafamentos em horários de picos com tempo médio de 7 minutos para percorrer trecho abaixo de um quilômetro – seria melhorar os serviços de transporte público. Para isso, é necessário realizar nova licitação de concessão de ônibus e criar mecanismos para tráfego em corredor. 

“Cuiabá precisa de, urgentemente, reformular toda a lei de transporte público. O que temos hoje está defasado. As principais vias de Cuiabá precisam ter faixa seletiva para ônibus, é necessário criar terminais de integração de ônibus com as casinhas refrigeradas, a exemplo de Curitiba. Temos uma das tarifas de ônibus mais cara do País, mas o serviço é ruim”, comenta.

Segundo ele, a melhoria não passa exclusivamente pela concessão de serviços para novas empresas, mas pela reformulação tributária para o setor. “A frota que existe hoje em Cuiabá consegue dar conta da demanda [superior a 200 mil passageiros por dia], tanto que após os horários de pico, metade da frota fica encostada. O problema é baixa qualidade dos veículos e falta de garantia do serviço”, explica.

Miranda cita uma série de itens exigidos pela população para satisfação com o transporte público: segurança, conforto, tempo de espera e informação sobre o serviço. “Esses itens precisam ser considerados na reformulação da lei de licitação do transporte, senão muda-se a empresa e continuam os problemas”.

Segundo o engenheiro, a prefeitura precisará de ousadia para alterar a cobrança de impostos (como ICMS, ISSQN e INSS) que influem diretamente na formulação da tarifa cobrada dos passageiros, hoje em R$ 3,60. 

A última concorrência para licitação de transporte coletivo em Cuiabá ocorreu em 2004, com vencimento em 2012. Desde então, as quatro empresas que operam na capital circulam sob extensão de validade do prazo até 2019. Em 2014, o prefeito Mauro Mendes havia anunciado a realização de nova concorrência, mas o processo foi suspenso. Há previsão para apresentação de um anteprojeto de licitação em novembro, mas sem garantia. 

Reinaldo Fernandes

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