Cidades

Enterrado sem velório, menino Ezra recebe coroa de flores do IML

Coroa de flores para túmulo de Ezra foi dada pelo IML (Foto: Paula Paiva Paulo/G1)

Na Zona Leste de São Paulo, o túmulo de Ezra Lian Joshua Finck, de 7 anos, nascido na África, tinha apenas uma coroa de flores com a frase “Descanse em paz” na manhã desta quarta-feira (30). A coroa foi dada pelo Instituto Médico-Legal (IML), onde ele ficou 25 dias até ser enterrado nesta terça-feira (29). 

No cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, o túmulo de Ezra está em uma parte só com crianças enterradas. Para enfeitar os pequenos túmulos, as famílias contratam serviços de jardinagem, além de colocar cataventos e brinquedos. Até esta manhã, o do menino Ezra ainda estava sem identificação.

Sua sepultura receberá uma placa e um jardim na tarde desta quarta-feira, segundo o Serviço Funerário. Uma missa também está sendo programada pelo Serviço Funerário e pela Secretaria de Direitos Humanos. A Pastoral do Menor disse que irá ao cemitério para prestar homenagens na segunda-feira (5).

Reclamações sobre falta de aviso do enterro
A Arquidiocese de São Paulo e o secretário municipal dos Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, reclamaram de não ter sido avisados sobre o enterro de Ezra. A liberação do corpo e seu sepultamento ocorreram no fim da manhã desta terça-feira (29), a mando do IML.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP), responsável pelo instituto, disse que “foram adotadas todas as medidas necessárias para garantir a dignidade e o respeito à vítima”. A pasta acrescentou que “o enterro foi realizado em um túmulo identificado e individual. Uma lápide com o nome do menino será instalada na próxima semana”.

O garoto foi encontrado morto em 4 de setembro no freezer da casa onde morava, no Centro de São Paulo. As investigações apontam como autores do crime sua mãe e seu padrasto. O casal fugiu para a África e é procurado pela Interpol.

Câmeras do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, registraram Lee Ann Finck, sul-africanade 29 anos, e Mzee Shabani, tanzaniano de 27, deixando o país com suas duas filhas no dia 3 de setembro.

O corpo do garoto ficou 25 dias no necrotério do Instituto Médico-Legal (IML). A demora ocorreu porque os parentes próximos da vítima, que poderiam liberar o cadáver e cuidar dos ritos fúnebres, vivem na África do Sul. O Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância), através seu escritório nacional, em Brasília, havia encaminhado um pedido à embaixada daquele país para ajudar na localização de familiares.

O vice-cônsul sul-africano Thabo Sedibana informou, porém, que as buscas não tiveram êxito e liberou o enterro do garoto. A SSP afirma, na nota, que, depois do aval do consulado, tomou a iniciativa “pois nenhum parente se comprometeu a se responsabilizar pelo corpo”.

A Secretaria Municipal dos Direitos Humanos de São Paulo,a Arquidiocese e parentes distantes de Ezra contestam a versão da pasta. Eles afirmam que pretendiam cuidar do sepultamento e reclamam que os ritos foram feitos sem o consentimento dos familiares.

O G1 apurou que o próprio IML cuidou dos trâmites para a liberação do corpo, o transporte até o Cemitério da Vila Formosa, na Zona Leste, e o sepultamento. Segundo a SSP, "também foi coletado o material genético da criança para possíveis confrontos".

Primos distantes do garoto, que não quiseram ter os nomes divulgados, negaram ter sido avisados sobre o enterro. Parentes do padrasto do menino disseram que seriam informados quando o corpo pudesse ser retirado. Eles souberam do sepultamento após o G1 procurá-los.

A Pastoral do Menor disse que vai investigar possível ilegalidade por parte do IML. "Fomos surpreendidos com a notícia do sepultamento. Queremos saber quem acompanhou o sepultamento”, disse Sueli Camargo, advogada da Arquidiocese de São Paulo e coordenadora da pastoral. “Ninguém foi avisado, nem mesmo a família. Mas isso não vai passar em branco."

O próprio arcebispo Metropolitano de São Paulo, cardeal Dom Odilo Scherer, havia nomeado o bispo Dom Carlos Lema Garcia para fazer o acompanhamento do sepultamento.

Para o secretário municipal dos Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, houve um mal-entendido. “Não creio em ilegalidade, mas ficamos surpresos com o sepultamento”, disse. Ele acrescentou que entrou em contato com a superintendência do instituto e que recebeu um pedido de desculpas. “[A chefia] disse ter avaliado que estava tomando a melhor decisão, pois o corpo estava há muitos dias no IML, e que o sepultamento seria de sua responsabilidade."

Em nota, a SSP afirma que "em nenhum momento o secretário Suplicy entrou em contato com a SPTC (Superintendência da Polícia Técnico Cientifica), além de não possuir competência legal para tratar do assunto".

O secretário disse, ainda, que fará uma homenagem na segunda-feira (5), dia previsto para a instalação da lápide do menino no jazigo. “Colegas da escola onde ele estudava, parentes dele, a Pastoral do Menor e a Arquidiocese de São Paulo também participarão da homenagem", disse Suplicy.

Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos de São Paulo, não há nada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que considere irregular o procedimento do IML. “Mas um velório e enterro dignos estão relacionados com os direitos ao respeito e à dignidade da crianças, assegurados no ECA", disse.

Apesar disso, o advogado considera que o que aconteceu foi "um grave desrespeito por parte do serviço funerário e do IML”. “Eles sabiam que as entidades de direitos humanos, a Arquidiocese de São Paulo e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos pretendiam fazer uma cerimônia fúnebre e enterraram às pressas."

O crime
O menino foi encontrado morto dentro de um freezer no apartamento onde morava com a mãe, o padrastro e duas irmãs, na região de São Paulo. A família deixou o apartamento um dia antes de o corpo ser localizado e viajou para a África.

A Justiça de São Paulo decretou a prisão da mãe e do padrasto do menino Ezra. Eles são suspeitos de matar o garoto, esconder o cadáver e fugir do país. Segundo uma testemunha, o padrasto  e Mzee Shabani confessou, por telefone, que a mãe do menino, Lee Ann Finck,  “se excedeu e matou a criança e que ela estaria dentro de um freezer. Disse, por fim, antes de desligar o telefone, que fugiram para a África”.

A juíza que cuida do caso, Ana Helena Rodrigues Mellim, justificou o pedido de prisão preventiva dizendo que "os investigados têm em seu poder mais duas crianças de pouca idade e que podem sofrer a mesma absurda violência pela qual passou esse menino antes de ser morto por quem tinha o dever de protegê-lo".

Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, o casal poderia responder pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. “Dessa forma, poderiam pegar até 30 anos de prisão.”

Ele disse, porém, que considera difícil que os dois sejam julgados no Brasil. “Como fugiram do país, a possibilidade de serem punidos são remotas, já que dependerá de acordos de extradição ou de cooperação internacional entre Brasil, Tanzânia e África do Sul, por exemplo. Mas esperamos que sejam responsabilizados pelo crime bárbaro e cruel que cometeram.”

magens de câmeras de segurança do prédio onde morava a família mostram que, no dia 28 de agosto, o freezer foi carregado da loja de doces de Mzee, no térreo, até o apartamento deles. No local moravam o menino, a mãe dele, o padrasto de 26 anos e duas irmãs, filhas do casal, segundo o boletim de ocorrência.
Seis dias antes, no dia 22, as mesmas câmeras registraram o Ezra entrando no hall do prédio e, em outro momento, cumprimentando um vizinho.

Histórico de problemas
O Conselho Tutelar informou que Ezra foi atendido em junho de 2014 após receber denúncia que a criança apresentava sinais de espancamento. A mãe declarou, segundo o conselho, que batia "no intuito de educar, e não machucar".

No mesmo ano foi concedida uma liminar de acolhimento, suspendendo o convívio familiar de Ezra com o padrasto e a mãe. Em 15 de janeiro deste ano, o juiz Rodrigo Vieira Murat permitiu o retorno do menino ao convívio com o casal e determinou que o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) acompanhasse a família por seis meses.

O desembargador do Tribunal de Justiça, Antônio Carlos Malheiros, disse que o menino foi acompanhado durante seis meses e depois devolvido à família após pedido da própria criança.

Fonte: G1

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