É a primeira vez que a Igreja abre caminho de forma clara à bênção de casais homoafetivos. Nova orientação, no entanto, ainda explicita oposição do Vaticano ao casamento de pessoas do mesmo sexo no âmbito religioso.
Em uma decisão histórica, o Vaticano autorizou oficialmente nesta segunda-feira (18/12) a benção a casais do mesmo sexo ou em “situação irregular”, ou seja, daqueles que não são casados canonicamente pela Igreja. Isso, no entanto, não significa que a Igreja Católica deixou de ser contra o casamento homoafetivo.
De acordo com o Vaticano, a nova norma publicada nesta segunda-feira diz que, diante de um pedido de duas pessoas para serem abençoadas, mesmo que sua condição de casal seja “irregular” perante à Igreja Católica, será possível atendê-lo, sem que esse gesto, porém, contenha elementos minimamente semelhantes a um rito matrimonial.
A autorização consta no texto chamado “Fiducia supplicans” sobre o significado pastoral das bênçãos, publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovado pelo papa Francisco.
A benção autorizada pelo Vaticano aos casais de pessoas do mesmo sexo é considerada “espontânea”, semelhante a gestos de devoção popular, e não uma benção ritual ou litúrgica, como a do matrimônio.
Segundo o Vaticano, ela poderá ser precedida de uma “breve oração” na qual o sacerdote pode pedir para os abençoados “paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua”.
Apesar do não reconhecimento da Santa Sé, a bênção de casais do mesmo sexo já vinha sendo praticada por alguns padres, por exemplo, na Bélgica e na Alemanha.
Por outro lado, pela nova decisão, padres também estarão livres a se recusar a fazer o ritual, mas estarão proibidos de impedir “a entrada (em igrejas) de pessoas em qualquer situação em que possam procurar a ajuda de Deus através de uma simples bênção”.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido?
O texto deixa claro que a possibilidade de bênção não tem nenhuma relação com o sacramento do matrimônio, que continua sendo proibido do âmbito religioso da Igreja Católica para pessoas do mesmo sexo e para casais em que um dos dois já tenha casado na igreja e tenha se divorciado.
A declaração desta segunda diz que seguem “inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre o que é constitutivo do matrimônio” e “o que o contradiz”, a fim de evitar reconhecer de alguma forma “como matrimônio algo que não é”.
Além disso, o texto reitera que, de acordo com a “doutrina católica perene”, somente as relações sexuais dentro do casamento entre um homem e uma mulher são consideradas lícitas.
É importante destacar que o documento refere-se às regras da Igreja Católica, não sendo aplicadas a outras religiões e nem no âmbito civil, que atende às leis de cada país.
Onde a bênção pode ser feita
O texto também explica que, no ato da bênção de casais do mesmo sexo ou de casais “irregulares”, quem é abençoado é o casal, e não a união entre eles. No entanto, o relacionamento legítimo entre as duas pessoas também é abençoado.
O Vaticano esclarece que, para evitar “qualquer forma de confusão e escândalo”, essa benção “nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união ou mesmo em conexão com eles”.
Além disso, as roupas, os gestos e as palavras próprias de um casamento também não devem ser incluídas.
Dessa forma, a bênção pode ocorrer, por exemplo, em uma visita a um santuário, em um encontro com um sacerdote, em uma oração recitada em um grupo ou durante uma peregrinação.
A autorização é inédita?
Essa é a primeira vez que a Igreja Católica se pronuncia tão claramente sobre o tema, que gera tensões no interior da instituição devido a uma forte oposição do setor conservador.
A declaração do Vaticano vem seis semanas após o encerramento da assembleia geral do Sínodo para o Futuro da Igreja Católica, uma reunião mundial consultiva, durante a qual, bispos, mulheres e laicos, debateram temas da sociedade como o acolhimento de pessoas LGBTQ+ e o casamento de divorciados, algo também não permitido pelo Vaticano (na Igreja Católica, um novo matrimônio religioso só é permitido em caso de viuvez e em algumas outras situações muito específicas).
Em 2021, o Vaticano havia reafirmado que considerava a homossexualidade um “pecado” e confirmou a impossibilidade de os casais do mesmo sexo receberem o sagrado matrimônio – decisão que não é revertida agora.
Desde que assumiu o pontificado em 2013, Francisco, porém, insiste na importância de uma igreja “aberta a todos” e tomou várias medidas que suscitaram a ira dos conservadores.
Em fevereiro, o papa disse que “a criminalização dos homossexuais é uma injustiça” e “um pecado” que “não se deve deixar passar”.
Na ocasião, Francisco reiterou o que já havia afirmado anteriormente: “se uma pessoa é homossexual e crente e busca a Deus, quem sou eu para julgá-la?”
Em janeiro, ele já havia dito que as leis que criminalizam a homossexualidade são injustas e que “ser homossexual não é um crime […], mas é um pecado”.
Fonte: DW le (Lusa, EFE, ots)