Depois de muitos anos de estrada, olhando para trás e vendo o caminho que percorremos, pode ficar a sensação de que este trajeto foi uma linha que necessariamente deveria ser trilhada, ou dito de outro jeito: este percurso estava determinado pelo destino.
Visto do fim para o começo, as incontáveis encruzilhadas e atalhos que apareceram, obrigando-nos a escolhas a cada momento, perderam a nitidez, ficando vagos na nossa memória.
E assim no máximo conseguimos explicar, se dedicarmos algum tempo à reflexão, como cada coisa aconteceu, mas dificilmente atinamos com o porquê delas. Também possivelmente nos lembraremos somente das grandes bifurcações, trifurcações ou “polifurcações “com o perdão do neologismo, que se apresentaram à nossa escolha, esquecendo das recorrentes pequenas decisões que tomamos durante a vida e que, por certo, foram tão determinantes quanto as opções mais radicais.
O fato é que para chegar ao momento de uma grande decisão, digamos definir o curso universitário, trocar de emprego, escolher parceiro (a), mudar de cidade ou país, diversas escolhas foram feitas por nós e às vezes por outros quando, não podíamos ou não queríamos decidir. Algumas pediram e tiveram tempo para reflexões, outras tantas premidas pela necessidade obrigaram-nos a definições rápidas, às vezes irrefletidas.
Também essa viagem em retrospectiva tem um viés enganador. Refazendo o caminho de volta, viajando ao contrário em um exercício mental, as estradas que vemos, agora sem encruzilhadas, não são as mais as mesmas e também nós somos outros. Mudados com certeza e talvez moldados pelas próprias estradas, não conseguimos perceber como éramos em cada momento ou circunstância nem lembrar das emoções que nos guiavam na tomada de cada decisão. Assim, julgamos, inconscientemente, com valores do presente, a maioria das atitudes do passado.
Se essa lógica vale individualmente, também serve para a coletividade. Podemos chegar à conclusão que todas as coisas que regem a sociedade também foram encruzilhadas que exigiram escolhas, muitas absolutamente aleatórias, que poderiam ser totalmente diferentes.
A democracia, como forma de governo, foi a única ou a melhor escolha? O cristianismo, teria sido uma opção entre tantas outras religiões possíveis ou uma consequência das conversões pessoais do apóstolo Paulo e muito depois do imperador romano Constantino? O medonho assassinato em massa de judeus aconteceria mesmo sem a nefasta liderança de Hitler e sua obsessão eugênica? O Islamismo fanático que amedronta o mundo só existe porque um mercador semialfabetizado recebeu diretamente de um anjo o material de um livro que fundou essa religião?
O determinismo não existe, embora muita gente aposte nele. Nossas crenças, decisões e rumos não são um produto inevitável do destino, mas o resultado de escolhas e da imprevisibilidade da vida, que alguns podem chamar de sorte ou azar.
O acaso sempre foi nosso companheiro inseparável e, abraçados com ele, seguiremos até o fim.
Renato de Paiva Pereira
Foto: Reprodução