A ação ocorre exatamente um ano depois do início da ofensiva contra o esquema. De acordo com o Ministério Público, a investigação dos suspeitos foi realizada por meio de escutas telefônicas e análise da compra de produtos por transportadores, após 91 laudos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) atestarem inconformidade com as normas de qualidade. Segundo o MP, esta etapa envolve toda a cadeia leiteira.
A operação foi desencadeada no início da manhã em 10 cidades do Vale do Taquari e do Vale do Sinos. Os alvos são as indústrias de laticínios Pavlat, em Paverama, e Hollmann, em Imigrante. Durante as investigações, chegaram a ser apreendidas cargas de leite UHT adulterado da Pavlat em um supermercado de Florianópolis, em Santa Catarina. Os lotes foram retirados do mercado. Em relação à Hollmann, análise do leite cru constatou que pode ter sido comercializado produto em estado de deterioração.
O G1 entrou em contato com as indústrias Pavlat e Hollmann, que preferiram não se manifestar sobre o caso por enquanto.Além das prisões, foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão, parte deles em Paverama, sede da Pavlat, e Imigrante, sede da Hollmann. Além de produtores, também foram apreendidos caminhões de transportadores, também suspeitos de adulterar leite. As demais cidades onde foi realizada a operação foram Teutônia, Arroio do Meio, Encantado, Venâncio Aires, Marques de Souza, Travesseiro, Novo Hamburgo e Cruzeiro do Sul.
Percebemos que este pessoal que transportava o leite de uma forma ou de outra ajustava esse leite. Eles levavam a matéria-prima até a indústria, e havia uma cumplicidade entre as indústrias e os transportadores, disse o promotor Mauro Rockenbach, da Especializada Criminal do MP, que coordenou a ação junto com Alcindo Bastos da Silva Filho, da Especializada de Defesa do Consumidor.
Segundo o Ministério Público, as indústrias compravam leite deteriorado de transportadores por um preço mais baixo. Como as empresas de laticínios têm obrigação de possuir laboratórios semelhantes aos usados nos testes do Mapa, sabem se o produto se enquadra nas normas ou não.A indústria identifica uma carga de baixa qualidade porque sabe que vai pagar menos, diz o promotor.
De acordo com o MP, a acidez resultante do estado de decomposição era neutralizada com o uso de citrato, soda cáustica, bicarbonato de sódio e água oxigenada (peróxido de hidrogênio). As indústrias também utilizavam amido após diluir o leite na água, para disfarçar o aspecto aguado.
O leite adulterado era diluído, o que dificultava a detecção em testes de qualidade. O objetivo era lucrar mais com o produto.Um leite que custava em média R$ 1 perdia valor e era comprado por R$ 0,30. Aí era adulterado, ia para o silo, era diluído e passava a valer R$ 1 novamente no mercado, exemplificou o promotor.
As investigações começaram em agosto do ano passado. Ao examinar notas fiscais de compras realizadas por transportadores de leite, o MP constatou que desde 2009 havia ureia entre os produtos comprados. No entanto, os transportadores pararam de adquirir o produto depois de maio do ano passado, quando foi deflagrada a primeira etapa da Leite Compensado. Desde então, soda cáustica e cal começaram a figurar entre os produtos comprados por suspeitos de adulterar o leite.
Envenenamento em massa, diz juíza
Os mandados de busca e apreensão e de prisão foram deferidos pela juíza Patricia Stelmar Neto, de Teutônia. Após ter acesso ao resultado da investigação, a magistrada escreveu na decisão que os três suspeitos eram sabedores do que estavam fazendo, e considerou o crime hediondo.Trata-se, na concepção deste juízo, de um envenenamento em massa, beirando ao genocídio contra os consumidores de leite e seus derivados, diz trecho do texto obtido pelo G1.
A saúde pública é vilipendiada, destaca a juíza, que diz duvidar que o leite adulterado era consumido pelos suspeitos e seus familiares.A dimensão danosa da conduta dos investigados é imensurável, já que ataca a própria saúde, boa-fé e dignidade do ser humano. Paulatinamente, os investigados estão a envenenar a população, acrescentou.
Entenda o caso
A Operação Leite Compensado, do Ministério Público, teve sua primeira fase desencadeada em 8 de maio do ano passado. As investigações apontaram para um esquema que adulterou cerca de 100 milhões de litros do produto no estado. Na ocasião, o MP revelou que transportadores estavam adicionando água e ureia (que contém formol) ao leite crú para aumentar o volume e disfarçar a perda nutricional no caminho entre a propriedade rural e a indústria. O esquema era realizado em postos de resfriamento.
Na primeira fase, foram identificadas fraudes nos municípios de Guaporé, Horizontina e Ibirubá. Quinze pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público e oito foram presas. Destas, quatro estão em liberdade. Seis pessoas foram condenadas pela Comarca de Ibirubá. A sentença foi proferida pelo juiz Ralph Moraes Langanke em dezembro de 2013.
Os condenados são: Paulo César Chiesa (dois anos e um mês de reclusão em regime semiaberto), João Irio Marx (nove anos e sete meses de reclusão em regime fechado), Angélica Caponi Marx (nove anos e sete meses de reclusão em regime fechado), Alexandre Caponi (nove anos, três meses e 12 dias de reclusão em regime fechado), João Cristiano Pranke Marx (18 anos e seis meses de reclusão em regime fechado) e Daniel Riet Villanova (onze anos e sete meses de reclusão em regime fechado).
A segunda fase da Operação Leite Compensado foi deflagrada em 22 de maio do ano passado nos municípios de Ronda Alta e Boa Vista do Buricá. Quatro pessoas foram presas e seis foram denunciadas pelo MP. Dessas, três estão em liberdade. O processo ainda está em andamento e ninguém foi condenado. Já a terceira etapa foi realizada em 7 de novembro de 2013 no município de Três de Maio. Quatro pessoas foram denunciadas. Ninguém foi preso.
A quarta fase foi desencadeada 14 de março deste ano nas cidades de Condor, Panambi,Tupanciretã, Bossoroca, Capão do Cipó, Vitória das Missões, Ijuí e Santo Augusto. Até agora, uma pessoa foi denunciada. O processo ainda está em andamento.
G1