Opinião

Ela: Isolamento Social, Tecnologia e Saúde Mental

O filme Ela (Her, 2013), dirigido por Spike Jonze, é uma obra sensível e filosófica que aborda a relação entre um homem solitário e um sistema operacional de inteligência artificial. Embora a narrativa se concentre na jornada emocional do protagonista Theodore (Joaquin Phoenix), um aspecto fundamental do filme é como ele reflete a crescente tendência das pessoas de se isolarem do convívio social e buscarem refúgio em interações digitais, o que pode trazer consequências profundas para a saúde mental.

Ela retrata um futuro próximo em que as conexões humanas estão se tornando cada vez mais superficiais, e muitos indivíduos optam por interagir com a tecnologia em vez de se envolverem em relacionamentos reais. Theodore, um homem emocionalmente fragilizado após um divórcio, ilustra esse fenômeno ao se apaixonar por Samantha, uma inteligência artificial altamente sofisticada. Esse relacionamento virtual lhe oferece conforto e segurança, mas também o distancia ainda mais da possibilidade de interagir com pessoas reais.

O filme reflete uma realidade contemporânea, na qual as interações digitais e as redes sociais vêm substituindo o contato humano presencial. Muitas pessoas preferem a comunicação por meio de telas a encontros face a face, o que pode levar ao aumento da solidão, depressão e dificuldade em lidar com as complexidades das relações humanas. O caso de Theodore simboliza essa tendência: ao encontrar uma conexão aparentemente perfeita na inteligência artificial, ele evita o desconforto e a imprevisibilidade dos relacionamentos reais, mas acaba enfrentando um vazio emocional ainda maior.

Essa substituição do convívio social pela tecnologia gera consequências diretas para a saúde mental. A falta de interações genuínas pode resultar em dificuldades emocionais, como ansiedade e isolamento crônico. O filme sugere que, por mais avançada que a tecnologia seja, ela nunca poderá substituir completamente a profundidade e a complexidade dos laços humanos.

Scarlett Johansson, embora nunca apareça fisicamente no filme, entrega uma performance magistral apenas com sua voz. Sua interpretação de Samantha transmite emoção, carisma e humanidade, criando uma personagem que se sente real e profundamente envolvente. A maneira como sua voz evolui ao longo da narrativa, ganhando nuances de curiosidade, desejo e até mesmo frustração, faz com que o público se conecte com ela, mesmo sabendo que se trata de uma inteligência artificial.

Joaquin Phoenix também tem uma atuação notável, trazendo profundidade e sutileza ao personagem Theodore. Ele equilibra a melancolia e a esperança de forma convincente, tornando palpável o dilema emocional de um homem que se sente perdido em meio às mudanças tecnológicas e sociais ao seu redor.

A cinematografia de Ela, assinada por Hoyte van Hoytema, é um dos pontos altos do filme. A fotografia é dominada por tons pastéis e iluminação suave, criando uma atmosfera intimista e futurista ao mesmo tempo. O design de produção também contribui para essa estética, com um mundo que parece moderno, mas ainda realista e acessível, evitando o clichê das distopias tecnológicas frias e impessoais.

A trilha sonora, composta por Arcade Fire, é minimalista e introspectiva, refletindo perfeitamente a jornada emocional de Theodore. A música funciona quase como um personagem adicional, pontuando momentos de solidão e descoberta com sutileza, sem nunca se sobrepor à narrativa.

Outro aspecto técnico que merece destaque é o design de som. Como a voz de Samantha é essencial para a experiência do filme, a mixagem de áudio foi cuidadosamente trabalhada para que ela sempre pareça presente, mas ao mesmo tempo etérea, reforçando sua natureza artificial e ao mesmo tempo íntima.

Ela é um filme que desafia as noções convencionais sobre amor, solidão e autodescoberta. Ao abordar o isolamento social e a crescente dependência da tecnologia como substituta do contato humano, ele nos faz questionar até que ponto nossas interações digitais podem realmente suprir nossas necessidades emocionais.

A atuação magistral de Scarlett Johansson e Joaquin Phoenix, combinada com uma estética visual e sonora cuidadosamente elaborada, fazem de Ela uma experiência cinematográfica profunda e instigante. Mais do que um filme sobre tecnologia, Ela é um alerta sobre a importância do convívio humano e os riscos de uma sociedade cada vez mais desconectada da realidade emocional.

Importante reflexão.

Vale a pena assistir

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Foto capa: Reprodução/Divulgação

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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