Política

Edital de R$ 712 milhões suspenso pelo TCE deve ser extinto

Com Sandra Carvalho 

Com falhas grosseiras, diversas irregularidades e forte evidência de direcionamento, o Edital 001/2016 da prefeitura de Cuiabá que resultou na contratação do Consórcio Cuiabá Luz pelo valor de R$ 712 milhões para instalação de 60 mil pontos de iluminação de LED na capital mato-grossense deve ser extinto, conforme o Circuito Mato Grosso apurou no alto escalão do Palácio Alencastro.

As articulações do então prefeito Mauro Mendes para o lançamento do edital começaram em dezembro de 2013. O edital passou por vários crivos, chegando a ser suspenso pelo TCE e também pelo Tribunal de Justiça, porém acabou sendo liberado e feito às pressas pelo prefeito Mauro Mendes, em dezembro de 2016, último mês do seu mandato.

Um mês antes, no dia 3 de novembro, o Circuito Mato Grosso denunciou que o certame estava viciado e apontou o possível vencedor, o próprio Consórcio Cuiabá Luz.

No início de fevereiro deste ano, o TCE determinou a suspensão de todos os efeitos do edital após nova análise de todo o processo.

Na medida, o órgão recorrente apontou sete irregularidades na parceria firmada entre a prefeitura e o consórcio formado pelas empresas baianas FM Rodrigues e Cia Ltda, Cobrasin Brasileira de Sinalização e Construção Ltda e Sativa Engenharia Ltda.

De acordo com o TCE, uma das irregularidades no processo licitatório foi a ausência de transparência das decisões tomadas, “com estudos genéricos e superficiais, inexistindo aposição da fundamentação das opções de modelagem da PPP no processo administrativo licitatório”.

Além disso, o órgão apontou que houve desequilíbrio na distribuição dos riscos entre a prefeitura e o consórcio. “… além de o pagamento da energia elétrica ter ficado apenas a cargo da Administração, ‘somente há previsão de reequilíbrio econômico em favor da Concessionária’”, diz trecho do relatório.

Em sua decisão, o conselheiro Luiz Carlos Pereira afirmou que a prefeitura ignorou o fato de o MPC ter apresentado recurso, requerendo a suspensão do edital, por conta de irregularidades.

De acordo com Luiz Carlos, a retomada do processo licitatório ocorreu na mesma data da publicação da decisão do TCE-MT recorrida – 25 de setembro de 2016.

O conselheiro substituto apontou que o edital de concorrência elaborado pela prefeitura da capital estabeleceu a necessidade de um sistema de telegestão, assim como foi aprovado pelo Comitê Gestor do Programa PPP/Cuiabá. No entanto, tal sistema foi “suprimido” no contrato final entre o Executivo e o Cuiabá Luz, o que poderá gerar sobrepreço e grande ônus aos cofres públicos.

Perdas só para a prefeitura

O conselheiro substituto Luiz Carlos Pereira destacou como um dos pontos fundamentais em sua decisão de determinar a suspensão do contrato de iluminação pública da prefeitura de Cuiabá a não divisão das despesas decorrentes de vandalismo com o consórcio vencedor do certame. Isso implica em dizer que a PPP assumiria um risco de apenas 0,25% de perda/depredação das luminárias num parque composto por 67.618 luminosos.

Por que Mauro Mendes insiste em defender o contrato?

O ex-prefeito Mauro Mendes disse que a nova suspensão judicial referente ao edital de R$ 712 milhões para serviços de iluminação pública em Cuiabá onera os cofres públicos. Para o ex-prefeito, o contrato, que estaria no quarto mês de execução, aliviaria as contas com redução das contas de energia elétrica.

A declaração foi dada em entrevista do ex-prefeito logo após seu sucessor, Emanuel Pinheiro, pedir prazo de trinta dias ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para apresentar as irregularidades mais identificadas pelo grupo de auditoria da prefeitura. Antes disso, em fevereiro deste ano, o conselheiro substituto Luiz Carlos Pereira decidiu acatar parecer do Ministério Público de Contas (MPC) e travar a vigência do contrato.

“Se nós estivéssemos com o contrato em vigor, estaríamos pagando menos do que estamos pagando apenas pela manutenção para trocar as velhas e mesmas lâmpadas, em Cuiabá. Teríamos um contrato pagando menos e, além de toda a manutenção, estaríamos modernizando todo o sistema de iluminação da nossa cidade”, enfatizou.

DESDE O INÍCIO, PROCESSO EVIDENCIAVA IRREGULARIDADES

20/12/2013 – INÍCIO DAS ARTICULAÇÕES           

O Circuito Mato Grosso identificou em apuração que o ex-prefeito Mauro Mendes (PSB) começou a preparar o edital da iluminação pública em 2013, o primeiro ano de seu mandato.  Um conjunto de amarras jurídicas foi criado para amparar o lançamento. A primeira delas foi a promulgação da Lei Municipal nº 5.761, regulamentadora de parcerias público-privadas (PPPs) em 2013.

14/12/2014 – DEFININDO A PPP

No ano seguinte, a aprovação do projeto de lei complementar nº 368 especificou os tipos de serviços que Executivo pode conceder para administração por PPP. Além da iluminação pública, a lei complementar viabiliza para licitação de parcerias serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, por exemplo.

12/01/2016 – EDITAL 001/2016 É LANÇADO

O edital de Concorrência Pública 001/2016 foi lançado no começo de 2016. O documento prevê a contratação, por meio de PPP, de empresa para a modernização, otimização, expansão, operação e manutenção da infraestrutura da rede de iluminação pública por um período de trinta anos. No primeiro ano de contrato, deve realizar a substituição integral de 67.618 pontos de iluminação pública com lâmpadas incandescentes para as de LED. A contratada também assume o encargo de, obrigatoriamente, investir entre o primeiro e o terceiro anos de serviços, na sequência, R$ 44,365 milhões; R$ 28 milhões e R$ 27,625 milhões.  O contrato inicial era de R$ 752 milhões.

19/02/2016 – TCE SUSPENDE O CERTAME

No dia 19 de fevereiro de 2016, três dias antes de a Prefeitura encerrar a fase de apresentação de propostas para os serviços, o conselheiro Sérgio Ricardo acatou a denúncia da empresa concorrente Global Light Construções Ltda, que alegou a existência de cláusulas abusivas no edital e suspendeu o certame. No mesmo dia, o juiz Luiz Aparecido Bortolussi Junior, da 1ª Vara Especializada em Fazenda Pública, também acatou pedido da empresa Vitisa Construtora e Incorporadora Ltda, e decidiu pela suspensão.

1º/03/2016 – TCE MANTÉM A SUSPENSÃO

No dia 1º de março, o pleno do TCE reforçou a decisão cautelar do conselheiro Sérgio Ricardo com manutenção da suspensão por 5 votos a 2. Três semanas depois, o desembargador Márcio Vidal cassou a decisão da 1ª Vara de Fazenda e liberou a continuidade do certame da licitação. No entanto, a decisão do TCE manteve a suspensão da concorrência.

31/10/2016 – PREFEITURA RETOMA CERTAME

A prefeitura só retomou o certame no dia 31 de outubro de 2016, depois de o TCE revogar a decisão de oito meses antes por pedido da Global Light Construções Ltda. Em julgamento no dia 18 de outubro, o conselheiro Sérgio Ricardo acatou pedido da Engeluz Iluminação e Eletricidade Ltda, que pedia a suspensão da medida cautelar. O conselheiro afirmou à época que a decisão estava sustentada por um amplo estudo da Secretaria de Controle Externo de Obras e Serviços de Engenharia. Dois consórcios, formados por três empresas cada um, tiveram os documentos homologados para análise da Comissão de Licitação da prefeitura.

03/11/2016 – CIRCUITO ANTECIPA VENCEDOR

Na edição 608, da primeira semana de novembro, o Circuito Mato Grosso divulgou uma nota de editorial que revelava um suposto acordo entre agentes da prefeitura de Cuiabá e empresários para direcionamento da concorrência ao Consórcio Cuiabá Luz. A negociata teria sido combinada em troca de propina de R$ 35 milhões para os envolvidos na fraude.  O acordo teria sido feito com integrante do alto escalão do governo Mauro Mendes que ficaria responsável pela distribuição do dinheiro.

18/02/2016 – CONCORRENTE É DESCLASSIFICADA

Menos de vinte dias após a reabertura do certame, a prefeitura desclassificou um concorrente. O Infrel, de Minas Gerais, composto pelas empresas El Global Construtora Ltda, Neon Construções Elétricas Ltda e Tricon Construtora e Incorporadora, foi retirado da disputa após a Comissão de Licitação rejeitar justificativa de que o tempo dado para apresentação de documentos exigidos no edital não foi o suficiente para ajuntar ao processo de homologação. O documento em questão era chancela de credor de primeira linha que garantisse financiamento para os primeiros três anos de contrato – 1,5% do valor total do edital.

14/12/2016 – CUIABÁ LUZ VENCE O CERTAME

O Consórcio Cuiabá Luz, da Bahia, passou a ser candidato único no certame, e o fechamento da disputa foi anunciado no dia 14 de dezembro do ano passado, com a homologação do grupo como vencedor. O resultado, que já havia sido previsto pelo Circuito Mato Grosso, foi publicado no Diário Oficial de Contas também do dia 14, que também trouxe um novo valor para o edital os atuais R$ 712 milhões.

08/02/2017 – TCE SUSPENDE O CONTRATO

No dia 8 de fevereiro deste ano, o TCE suspendeu a validade do contrato de iluminação pública. O conselheiro substituto Luiz Carlos Pereira acatou parecer do MPC. De acordo com o ministério, uma série irregularidades foi identificada na parceria. Dentre elas a ausência de transparência das decisões tomadas, “com estudos genéricos e superficiais, inexistindo aposição da fundamentação das opções de modelagem da PPP no processo administrativo licitatório”.

08/03/2017 – EMANUEL PINHEIRO PEDE 30 DIAS

No dia 8 deste mês, o Tribunal de Contas voltou a tomar decisão contra o contrato, desta vez com deferimento de pedido do prefeito Emanuel Pinheiro, que pediu que o julgamento do processo fosse suspenso por trinta dias. O motivo seria a integração aos documentos já protocolados no TCE de relatório de uma comissão aberta pela prefeitura para apurar a viabilidade de aplicação do contrato, em que a Procuradoria Geral do Município identificou erros novos.

14/03/2017 – MAURO MENDES CRITICA SUSPENSÃO

Uma semana mais tarde, Mauro Mendes criticou publicamente o prefeito Emanuel Pinheiro e o TCE por essa decisão. Segundo ele, a prefeitura teria começado a economizar nos gastos com iluminação pública se o contrato estivesse em execução.  Mas, nos bastidores, o ex-prefeito estaria tentado convencer seu sucessor a liberar o contrato, conforme fonte ouvida pelo Circuito Mato Grosso.

21/03/2017 – DESEMBARGADOR NEGA SUSPENSÃO

Na decisão mais recente, o desembargador José Zuquim Nogueira, da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, negou pedido para suspender a licitação, no dia 21 deste mês. O recurso fora ingressado pela Engeluz Iluminação e Eletricidade Ltda que argumentou que pelo fato de o edital conter irregularidades, o certame todo deve ser anulado. A decisão do desembargador, no entanto, não interfere na condução que o TCE tem dado ao processo, de mantê-lo suspenso.

Reinaldo Fernandes

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