É dia de festa estar com a menina Valentina Barzsina Stellato Calixto, leonina com seus quase 12 anos. Ela já foi tema da Terra Brasilis, na crônica Dicionário da menina Valentina, de dezembro de 2016, por ter organizado um “dicionário camaiurá-português”, atividade do ensino fundamental de sua escola. Ainda que não estivéssemos em um ambiente de aniversário natalício, decorado com balões e entre tantas pessoas a comer bolo, salgadinhos, docinhos servidos em pratos coloridos, a sensação física e emotiva que tomou conta de mim transportou-me a esse clima festivo. Na primeira sexta-feira de julho, em alegria de férias, combinamos um encontro nas horas da tarde, na companhia de sua avó Cristina. Fomos a uma livraria. Em meio a tantos livros, cada uma escolheu aqueles que respondiam os desejos de leitura daquele momento. Selecionei Fernando Pessoa – “Mensagens” e “Livro do desassossego” – para presentear minha filha Loyuá, aniversariante do mês. A menina Valentina, que fará aniversário também em julho, abraçou “Sherlock Holmes”, “Volta ao mundo em 80 dias” e “O código da Vinci”, este com 367 páginas. Com nossas escolhas junto ao peito, envoltas em nossos braços, ainda permanecemos na livraria por algum tempo, a percorrer as estantes, acho que para termos a certeza de que havíamos feito a melhor escolha daquela tarde. Próxima à menina Valentina, testemunhei uma cena que transbordou aquela tarde em completude. Fui vestida de um sentimento de admiração ainda não experimentado ao observa-la folhear, bem próximo ao seu rosto, um dos livros, o mais grosso, no intuito de sentir o cheiro que se desprendia do livro pelo rápido movimento das páginas. Ao ficar sem graça por estar observando a cena, justificou: – Ah! Como gosto do cheiro dos livros, tia! “O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar”. Voei para as páginas de “Memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia”, de Umberto Eco, a entender o livro também como lugar de nossas memórias. E, com Roger Chartier, de que “a biblioteca eletrônica sem muros é uma promessa do futuro”. Textos eletrônicos vêm ocupando muitas estantes das bibliotecas virtuais e universalizando o intercâmbio de ideias em uma velocidade estonteante, se comparada a do livro, “o texto vive uma pluralidade de existências. A eletrônica é apenas uma dentre elas”. Mas, indaga Chartier: “qual é o futuro do livro?” A resposta à pergunta, de forma alguma, não pretende colocar frente à frente a imaterialidade do texto eletrônico versus a materialidade do texto escrito. Assim, Umberto Eco é quem responde: “Como é belo um livro que foi pensado para ser tomado nas mãos, até na cama, até num barco, até onde não existam tomadas elétricas, até onde e quando qualquer bateria se descarregou. Suporta marcadores e cantos dobrados e pode ser derrubado no chão ou abandonado sobre peito e joelhos quando caímos no sono.” E, na percepção da menina Valentina, a beleza de um livro também está ao ser inspirado e uma parte de seus ensinamentos transportados pelo seu cheiro, antes mesmo da leitura ser iniciada.