Escritora, professora, musicista e historiadora, Maria Benedita Deschamps Rodrigues, popularmente conhecida como Dunga Rodrigues, por muito tempo foi a dona da cadeira n. 39 da Academia Mato-grossense de Letras. Uma das mulheres de maior destaque no Estado no século XX, ela é a autora de um interessante processo que se encontra arquivado no Fórum de Cuiabá e que merece destaque na série “145 anos: o Judiciário é história”, divulgada em celebração ao aniversário do Poder Judiciário de Mato Grosso, comemorado no último dia 1º de maio. Na ocasião, foi celebrado um acordo entre as partes, o que demonstra o perfil conciliatório defendido pela instituição há quase 46 anos.
O feito em questão trata-se de uma ação judicial de busca e apreensão, cuja autuação ocorreu em 29 de novembro de 1973, de uma obra literária de Dunga (Processo n. 1078/1973). Seu advogado, à época, foi Gervásio Leite, desembargador aposentado, que inclusive havia presidido o Tribunal de Justiça de Mato Grosso em 1966, e que hoje dá nome ao auditório da instituição, na Capital: Espaço Justiça, Cultura e Arte Desembargador Gervásio Leite.
Consta dos autos que a autora escreveu o livro “Reminiscências de Cuiabá”, em homenagem à primeira dama do Estado, Maria Aparecida Pedrossian. A obra foi publicada, segundo narrou Dunga no processo, sob patrocínio do Governo do Estado por ensejo das festividades relativas ao 250º aniversário de Cuiabá, ou seja, há 50 anos.
Dunga Rodrigues contou que a obra continha 181 páginas, com 48 títulos, em que estão descritas festas, comidas e lendas locais. “Enfim, onde se documentam também determinados regionalismos, que afinal são o embasamento do folclore ou cultura popular”, narra trecho do processo.
Contudo, em 1973, a Secretaria de Educação e Cultura teria editado um livro com o título de “Síntese de Memórias da Capital Mato-grossense”, com 141 páginas e cerca de 47 títulos, todos eles copiados da obra “Reminiscências de Cuiabá”, de autoria de Dunga. A nova obra teria sido editada para o V Encontro Nacional de Secretários da Educação e Cultura.
A escritora alegou inexistir qualquer contrato para nova publicação de sua obra com o Governo do Estado e que, se existisse, não iria querer que fosse retirada da capa do livro seu nome, e adulterada sua exposição e divisão de capítulos. Disse ainda que não teria dado qualquer autorização ao Governo para que fosse feita nova publicação, para que fosse alterada a anterior em nova edição e alterado o título do livro.
No processo, Dunga reclamou que ocorreu uma grosseira adulteração, “sendo estranhável que tudo isso foi praticado pela Secretaria do Estado, que deveria ser a primeira a zelar pela propriedade literária, científica e artística, posto que sendo de Educação e, também, de Cultura” e também que somente ela e mais ninguém poderia reproduzir a obra.
Nesse sentido, ela pleiteou a busca e apreensão dos exemplares do livro “Síntese de Memórias da Capital Mato-grossense”, a fim de que o mesmo fosse retirado de circulação. Citou inclusive que os mesmos poderiam ser encontrados na Secretaria da Educação e Cultura, situada, naquela época, na rua Comandante Costa, centro de Cuiabá.
O processo teve um final feliz. Em 31 de janeiro de 1974, a advogada Marília Beatriz de F. Leite pede ao juiz que analisa o caso que mande baixar para cálculos os autos à Contadoria e, em seguida, sejam entregues os documentos acostados a inicial, mediante recibo nos autos à suplicante, e arquivado o respectivo processo. Por sorte, houve um acordo entre Dunga Rodrigues (1908-2002) e o Governo, e o processo foi julgado extinto em 21 fevereiro de 1974. Não há detalhes sobre o acordo firmado entre as partes.
Além de dar aulas de francês e de música, a professora, cuja principal especialidade era o piano, escreveu muitos livros sobre a história e a cultura da Capital e de Mato Grosso, como Lendas de Mato Grosso, Cuiabá: Roteiro de Lendas, Memória Musical de Cuiabá e Movimento musical em Cuiabá. Nascida em 15 de julho de 1908, ela faleceu em 6 de janeiro de 2002, aos 93 anos, com uma história de vida que marcou as futuras gerações, comprovando ter sido uma mulher verdadeiramente à frente do seu tempo.