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‘Dor que não tem cura’ diz mãe após morte de Sofia

A mãe da menina Sofia Gonçalves de Lacerda, Patrícia de Lacerda, que morreu no dia 14 de setembro por conta de uma parada cardíaca em Miami, nos Estados Unidos fez uma postagem comovemente nas redes sociais, na noite de sexta-feira (25). A moradora de Votorantim (SP) falou sobre a morte da filha, que passou pelo transplante de cinco órgãos e afirmou que sente uma "dor que não tem cura".

"Desde quando descobri no quinto mês de gestação que a minha Sofia tinha uma bexiga grande, eu vivia com uma faca sempre apontada para o meu peito. No dia 14 de setembro de 2015 esta faca atravessou e não para de sangrar. Dói, dói e é uma dor que não tem cura, não tem remédio e eu sei que nunca passará, pois perdi o que tinha de mais precioso", escreveu Patrícia. 

Ainda na postagem, Patrícia conta que não consegue dormir direito, pois ainda tem a sensação de ouvir o barulho das máquinas que mantinham Sofia viva depois que ela ficou internada ao contrair o citomegalovírus (CMV), o mesmo causador da catapora e das variações de herpes. "Fico procurando ela pelo quarto e vejo que não preciso mais acordar de madrugada para esvaziar a bexiguinha dela e não tenho mais horário de medicamentos. Não tenho mais ela", lamenta. 

Patrícia diz também que foi feliz apesar de ter vivido em hospitais desde os cinco meses de gravidez de Sofia. Ela não comentou quando ela e o marido, Gilson, podem voltar ao Brasil. "Hoje essa ferida sangra sem parar e me mata os poucos.Todos os meus planos era com ela e hoje não a tenho mais. Tenho apenas saudade e uma linda história que ajudou muitas crianças", finaliza. 

Velório
O corpo de Sofia foi velado em uma cerimônia no dia 20 de setembro, em Fort Lauderdale, no estado da Flórida (EUA). A menina, de um ano e oito meses, estava internada desde julho por conta de um vírus.

A cerimônia foi transmitida ao vivo pela internet, mas o número de acessos foi tão grande que o site da funerária ficou fora do ar antes mesmo do início da transmissão, às 15h30. Na página de Sofia no Facebook, centenas de pessoas lamentaram não poder acompanhar o velório pela web.

Além dos pais, Gilson Gonçalves e Patricia de Lacerda, e de amigos e familiares, estava presente também o médico brasileiro Rodrigo Vianna, que cuidou de Sofia nos EUA.

O pastor chamado para fazer a liturgia da cerimônia destacou a luta dos pais de Sofia durante 1 ano e 8 meses de vida da menina. "Vocês são guerreiros, vocês nos encorajam a seguir. Tem pais que se acomodam, que se dão por vencidos, mas vocês correram atrás, suplicaram, imploraram, nunca aceitaram um 'não'. E ela teve as melhores oportunidades do planeta, esteve nas mãos dos melhores médicos, no melhor hospital. Mas a Bíblia diz que o homem faz planos, mas a resposta final é do senhor", afirmou.

Na terça-feira (17) a mãe de Sofia comunicou a decisão de não trazer o corpo da menina para o Brasil. "Eu e o pai dela decidimos cremá-la aqui [nos EUA] por ser algo não burocrático. Se fôssemos fazer o translado seria muito mais demorado e dolorido. Também quero ela sempre do meu lado, mesmo que sejam as suas cinzas", escreveu.

A morte de Sofia causou comoção nas redes sociais e rendeu homenagens na internet. Vianna, que cuidou de Sofia, lamentou sua morte em entrevista ao G1 na seguna-feira (14). "É um dia de luto para a nossa equipe. Para mim, como brasileiro, médico e 'meio tio' dela é ainda mais difícil. Estamos com um nó na garganta bem difícil de explicar", afirmou.

Homenagem
No mesmo horário em que era realizado o velório de Sofia, dezenas de pessoas enfrentaram o sol forte para se reunir na tarde deste domingo no Parque das Águas, em Sorocaba (SP), e dar o último adeus à menina.

Alguns levaram cartazes com mensagens de apoio. Outros, escreveram palavras de consolo que serão enviadas aos pais de Sofia. De mãos dadas, o grupo fez uma oração e, em seguida, soltou balões brancos no céu.

Entenda a história de Sofia
Decorado e enfeitado com temas infantis, o quarto na casa da família Lacerda, em Votorantim (SP), não chegou a receber sua principal hóspede. Sofia passou 20 meses lutando contra uma síndrome rara que causa má-formação dos órgãos do sistema digestivo. Durante 1 ano e 8 meses de vida, a menina viveu de hospital em hospital, onde passou por diversas cirurgias, incluindo um complexo transplante multivisceral. A luta da pequena Sofia terminou na madrugada de segunda-feira (14), em Miami, nos EUA. A bebê morreu após uma parada cardíaca.

Sofia nasceu em dezembro de 2013, em Campinas (SP). Durante o quinto mês de gestação a família foi informada que ela tinha uma deformidade na bexiga. Após o parto, os médicos a diagnosticaram com uma doença rara chamada Síndrome de Berdon, que causa má-formação de órgãos do sistema digestivo. O casal já havia perdido um filho antes de Sofia.

Sofia passou por três cirurgias logo após o nascimento, mas o prognóstico médico era de que teria poucos meses de vida. A única chance de sobrevivência era ser submetida a um transplante multivisceral, que não podia ser realizado no Brasil. O lugar indicado para a cirurgia era o Jackson Memorial Hospital, de Miami, especializado neste tipo de procedimento, avaliado entre US$ 200 mil e US$ 600 mil – na época, cerca de R$ 1,2 milhão.

Foi então que a família de Sofia criou uma campanha no Facebook para arrecadar fundos e custear tanto a cirurgia como as despesa da viagem para os EUA. A história dela foi contada pelo G1 em fevereiro de 2014, quando a página da campanha "Ajude a Sofia" era curtida por "apenas" 60 mil pessoas e tinha arrecadado, até então, R$ 1 mil.

Após a repercussão, a campanha ganhou cada vez mais força e a arrecadação final chegou a R$ 1,8 milhão. A página "Ajude a Sofia" passou a ser seguida por mais de 1,5 milhão de pessoas, que lamentaram a morte da menina.

Batalha jurídica
Simultaneamente à campanha na internet, a família começou uma longa disputa judicial para conseguir com que o governo pagasse o transplante da menina nos Estados Unidos.

Em março de 2014, Sofia foi transferida para o hospital Samaritano, em Sorocaba (SP). Um mês depois, a pedido do Ministério da Saúde, a Justiça determinou a transferência da bebê para o Hospital das Clínicas, em São Paulo, para que fosse analisada a possiblidade do transplante ser realizado lá.
Como a família não aceitou que o HC realizasse um novo procedimento na menina para averiguar a necessidade do transplante, o hospital informou que não seria possível dar continuidade ao tratamento. Por isso, um mês depois, Sofia voltou ao hospital de Sorocaba, onde ficou aguardando a decisão da Justiça.

Em 28 de maio, o Tribunal Regional Federal em São Paulo determinou que o Ministério da Saúde custeasse a transferência de Sofia para os EUA em um avião adaptado e com a estrutura necessária para o transporte.

De acordo com o advogado da família, Miguel Navarro, quando a Sofia chegou aos EUA, o governo depositou US$ 1 milhão para cobrir despesas e serviços, como a compra de medicamentos, honorários de profissionais terceirizados e procedimentos cirúrgicos.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que o valor total gasto com o tratamento integral e transplante multivisceral da Sofia foi de R$ 4,4 milhões. Apenas para o tratamento hospitalar, que engloba exames pré-operatórios, transplante multivisceral e todo o acompanhamento pós-operatório foram repassados mais de R$ 4 milhões. Para o transporte da paciente em aeronave com UTI móvel o custo foi de R$ 259,5 mil. Também foram pagos, R$ 54,9 mil para Home Care e, por fim, R$ 38,7 mil para a hospedagem da família nos EUA.

Sofia foi finalmente transferida para os Estados Unidos em 2 de julho e levada diretamente ao Jackson Memorial Hospital. 

Já no hospital, foi constatado que ela precisaria receber estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado, intestino grosso e, provavelmente, um dos rins. O médico responsável pela cirurgia, o brasileiro Rodrigo Viana, afirmou ao G1 que a cirurgia era a maior que poderia ser feita em um ser humano.

Sofia passou por uma pequena cirurgia no coração e teve alta em 30 de agosto, quando foi para o apartamento alugado pela família em Miami.

Transplante multivisceral
Começava, então, outra luta de Sofia: a espera pelos órgãos. Em dezembro de 2014, um ano após nascer, um possível doador foi encontrado. A cirurgia chegou a ser marcada, mas precisou ser adiada quando foi constatado que os órgãos não eram adequados.

Nove meses depois de chegar aos EUA, outro doador foi encontrado e a cirurgia, enfim, realizada em 10 de abril de 2015. No procedimento, que durou 9 horas, ela recebeu cinco órgãos: estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado e cólon. Não foi preciso trocar um dos rins, como era previsto inicialmente.

A recuperação pós-cirurgia correu dentro do esperado e, dez dias depois, ela recebeu alta da UTI. Um dos momentos mais comemorados pela família foi quando a menina comeu papinha pela primeira vez na vida.

Sofia deixou o Jackson Memorial, em Miami, exatamente um ano depois de sua internação, já com um ano e seis meses. Mesmo fora do hospital ela continuou recebendo tratamento homecare no apartamento que a família alugou nos EUA e tomava 17 medicamentos diariamente.

Uma semana depois da alta hospitalar, no entanto – período em que chegou a passear com a família –, Sofia voltou a ser hospitalizada.

A menina foi levada à emergência por causa de alterações em exames de rotina e uma reação alérgica que causava vermelhidão no corpo, causada pela fórmula que recebia pela veia.

Sofia teve nova alta, mas o quadro alérgico piorou e ela precisou ser internada novamente no hospital de Miami, de onde não sairia mais.

Os médicos fizeram duas biópsias para descobrir o que causava o quadro de alergia que piorava cada vez mais. Foi constatado, então, que Sofia tinha sido contaminada pelo citomegalovírus (CMV), o mesmo causador da catapora e das variações de herpes. "Ela está doente mesmo e é grave. A Sofia tem uma virose que nestes pacientes [em fase pós-transplante] é muito perigosa e pode causar até a morte", disse o médico Rodrigo Viana ao G1 no começo de agosto.

Além do quadro viral, foi constatada a presença de bactérias no pulmão da menina, que causavam dificuldade na respiração. Ela foi entubada, mas o quadro piorava cada vez mais, obrigando a menina a respirar com a ajuda de aparelhos. No último fim de semana, a mãe postou na página do Facebook que ela estava com fibrose pulmonar e que só um milagre poderia salvá-la. Os médicos chegaram a sugerir desligar os aparelhos, mas a mãe não quis. "Vamos intensificar as orações para Deus fazer o impossível", pediu Patrícia.

Sofia não resistiu e morreu na madrugada de segunda-feira (14), vítima de uma parada cardíaca.

Fonte: G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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