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Documentário sobre Maurício Kubrusly emociona sem pieguice

A 11ª Mostra de Cinema de Gostoso, no Rio Grande do Norte, foi aberta na noite de sábado com o documentário Kubrusly – Mistério Sempre Há de Pintar por Aí, de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki. Kubrusly estava presente, com a esposa Bia Goulart. Foi aplaudido em pé pela plateia.

E por que seria tão tocante um documentário dedicado a um jornalista? Por um fato particular, e dramático: Kubrusly sofre de demência frontotemporal, que afeta a cognição e a memória. Não se lembra de quem foi, do que fez ou escreveu.

E, no entanto, o doc nada tem de depressivo. Lembra, em certos aspectos, outro doc, este chileno, que fez muito sucesso – A Memória Infinita, de Maite Alberdi. No caso, Alberdi retrata o drama de um casal muito conhecido no Chile. O marido, Augusto Góngora, jornalista e guardião da memória do país em sua luta contra a ditadura Pinochet, acaba por ter a sua própria memória comprometida pelo mal de Alzheimer. A esposa, a atriz e ex-ministra da Cultura do seu país, Paulina Urrutia, lhe dá todo apoio.

CELEBRAÇÃO

Nos dois filmes, temos um ponto comum – a presença de mulheres fortes e amorosas, que dão suporte aos maridos. Outro ponto: evitam a autopiedade e toda forma de pieguice. Parecem mais celebrações do que aqueles homens foram do que lamentações sobre o que perderam com a doença. O senso de humor está presente em ambos. O humor, em circunstâncias difíceis, é o sal da terra. Ou, talvez, a gota de mel ofertada em meio ao amargor da vida.

O filme trabalha tanto com imagens contemporâneas como com o abundante material de um personagem cuja carreira se deu em boa parte no âmbito da televisão. Das imagens atuais de Kubrusly retemos seu relacionamento divertido e carinhoso com a esposa. Kubrusly se entusiasma com músicas dos amigos, como se as ouvisse pela primeira vez. Ouve trechos de seus textos como crítico musical e se surpreende: “Eu escrevi isso aí?”. Gilberto Gil responde: “Foi você e não foi você”. Gil é um sábio e, nessa frase está toda a questão. A pessoa atingida por uma doença desse tipo é seu eu antigo mas já não é mais. É quase um paradoxo ambulante, um desafio para seus familiares e amigos.

O filme vale muito também como reflexão sobre o etarismo e como as pessoas podem proceder quando um ente querido perde sua memória – isto é, sua história, que no entanto é lembrada por todos que o circundam. Mistério – é a palavra que, silenciosa, roda o longa, do princípio ao fim. Inclusive nos versos intuídos por Gilberto Gil e que servem de subtítulo.

Estadão Conteudo

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