Mendigo abre os olhos lentamente. Lembra que é 19 de julho de 2022. Vem aí mais uma Copa do Mundo. Brasil mergulha no último ano de governo de Bolsonaro, sem saber se o governo realmente acabará, depois da dissolução do Congresso. Aliás esse presidente não gosta muito dele. Um ex-vendedor ambulante, mendigo está deitado dentro de sua casa de papelão. A casa é toda organizada: na parede central, um altar com uma Santa, juntamente com uma foto de uma mulher negra com a data de nascimento e morte, e uma foto de um senhor negro com data de nascimento e morte. No outro canto, uma panela velha ao lado uma caneca de ferro com escovas de dente e pasta dentro, um pôster do Vinícius Junior com a camisa da Seleção Brasileira na outra extremidade.
– Já tive carro, rapaz. Já tive carro. Não nasci mendigo não – costuma esbravejar aos desafetos.
Espera algum tempo até arriar o carpete para se levantar. Preguiça. Se levanta, mostrando que ele não possui uma perna. Ao lado dele está uma muleta de madeira, velha e muito desconfortável. O mendigo pega a muleta e tenta se levantar. A dificuldade é extrema. Ele caminha até o altar e faz uma breve oração. Termina a oração, beija demoradamente o santinho da mulher , depois o do homem, pega o carpete e cobre carinhosamente a Santa. O mendigo sai da casa caminhando com muitas dificuldades. Depois de andar alguns minutos, chega num ponto de ônibus. Tráfego intenso de veículos. O ponto está cheio de pessoas dos mais variados tipos: escolares, executivos, trabalhadores, todos parados numa fila. As pessoas na fila seguram cartão. Nenhuma das pessoas parece reparar a presença do Mendigo. Ele atravessa todo o ponto, olhando as pessoas. Ele alisa as moedinhas com a mão. Ainda falta muito pra chegar ao ponto onde ele pede esmolas. Olha as moedinhas demoradamente. E não entende porque com elas não consegue mais pegar um ônibus. Respira fundo e segue caminhando.