Opinio Juris

Do reflexo da decisão penal no âmbito do direito administrativo

I – INTRÓITO 

Tivemos a oportunidade de discorrer sobre o direito administrativo e o direito penal[1], onde ficou bem nítida a radiação direta do segundo sobre o primeiro, quando este julga o mérito da questão. Ou, em outras palavras, quando o Judiciário Criminal julga o mérito dos fatos discutidos na esfera administrativa, reflete efeitos erga omnes sobre aquela, em razão de ser lícita a revisão do procedimento administrativo para que este reflita a realidade jurídica da questão, evitando-se, dessa forma, que haja o bis in idem.

É de crucial importância que haja uma simetria entre a decisão judicial que absolve o réu, adentrando o mérito dos ilícitos imputados ao servidor público, e o posicionamento adotado pelo órgão administrativo. Ora, a partir do momento em que se admite dupla punição sobre os mesmos fatos, estar-se-á abrindo a porta para a chancela de inúmeras injustiças, em razão da absolvição criminal do servidor acusado possuir o efeito de apagar também o ilícito do direito soi disant penal administrativo. 

Pensar de modo diverso é aviltar a importância do Poder Judiciário. 

A presente matéria é de suma importância, em razão de manter acesa a chama da dignidade de quem sofreu durante vários anos, os efeitos da tramitação do longo e arrastado processo criminal, com a sua sofrida dilação probatória. 

Deixar de conferir eficácia à sentença penal absolutória do servidor público no âmbito do processo administrativo é o mesmo que condená-lo em parte a uma triste e amarga injustiça, consubstanciada na demissão ou cassação de uma aposentadoria de quem, pela ótica da justiça, nada deve, por não ter cometido ilícito. 

Dissociar o ilícito penal do ilícito administrativo, apesar das instâncias serem independentes, é o mesmo que manter parte de uma condenação, como se a tramitação da norma, afastada pelo Poder Maior, pudesse sem, em sentido inverso, reconhecida pela Administração. 

Como a Administração Pública dever pautar seus atos compassados com a legalidade e moralidade, seria ilegal e imoral que a decisão de uma Comissão de Inquérito fosse robusta e bastante para suplantar o autorizado posicionamento do Poder Judiciário, que, ao declarar inocente o servidor público acusado de um delito funcional, adentrando o mérito da quaestio, represente, necessária e inafastavelmente, na instância administrativa, a menos que decisão judicial não tenha decidido quanto ao fato criminoso de sua autoria, como v.g. acontece na hipótese da prescrição. 

II – DA SUBMISSÃO DO ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL À DECISÃO JUDICIAL 

Como visto, ao ser remetido à Justiça Criminal processo administrativo, a fim de que seja instaurado contra o servidor público, que acabava de ser punido com a mais grave pena administrativa, ao concluir-se pela inexistência dos fatos na esfera penal, que no inquérito administrativo lhe haviam sido imputados, salta aos olhos que radiará efeitos ao apenamento administrativo. 

Portanto, o fato é que quem teve a sua aposentadoria cassada ou foi demitido, por ter entendido a Administração Pública que o servidor havia praticado crime contra a repartição pública ao qual estava lotado, descartando, porém, o pronunciamento da Justiça Penal, por não ter aguardado a soberana visão do Poder Judiciário, impondo, via de consequência, a penalidade máxima, deverá rever a decisão condenatória, para adaptá-la a realidade jurídica decidida pelo Poder Judiciário. 

Se o Juízo Penal declara o fato não imputável ao servidor disciplinarmente punido, não sobra nenhum resíduo de dúvida, sobre a impossibilidade de se fundar a sanção disciplinar prevista na Lei 8.112/90, em elementos criminais ilícitos, em razão da preponderância da coisa julgada criminal. 

Sobre o que foi dito, nada mais preciso do que declinar o que dispõe o artigo 126, da Lei 8.112/90, litteris

“Art. 126 – A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria”. 

Não resta dúvida que este artigo multicitado foi construído pelo legislador para evitar as injustiças perpetradas no passado, onde o servidor absolvido na esfera criminal, permanecia punido na instância administrativa pelos fatos, que apesar de tidos como lícitos, produziram efeitos distintos no âmbito interno da repartição pública. 

Em muito boa hora veio à tona o art. 126, da Lei 8.112/90 que, com todo vigor, evita a punição injusta e ilegal do servidor público que se submeteu ao desgastante procedimento criminal. 

Sobre o preceito citado, é de se “abrir parênteses” para registrar nosso pronunciamento feito em outra oportunidade[2]:

“Trata-se de importante princípio regulador da responsabilidade do servidor público, pois apesar das instâncias serem independentes, não resta dúvida de que na órbita penal existe maior rigor técnico na apuração do cometimento de atos capitulados no código repressivo, tendo o Ministério Público como titular da ação e um Juiz de Direito para proferir o veredicto, além de ser esgotado o contraditório. Por si só, se verifica o avanço do legislador administrativo, pois o processo interno é formado por comissão de 3 (três) servidores, que necessariamente não precisam dominar a ciência jurídica, além de não possuírem a devida especialização profissional de julgar, não se verificando nesta esfera função jurisdicional ampla.” 

A influência da coisa julgada material criminal sobre o litígio civil que versa sobre o mesmo fato e autoria possui eficácia absoluta ou erga omnes, possuindo foco legal no estipulado pelo art. 935, do Código Civil: 

“Art. 935 – A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. 

Embora separadas, autônomas e independentes, não são, entretanto, impenetráveis, sendo certo que há uma hierarquia legal contida do Artigo 1525, acima transcrito, pelo qual o ilícito administrativo é um minus frete no ilícito penal, o que faz com que as decisões prolatadas na instância criminal tenham a repercussão necessária na instância Administrativa (quanto à autoria e o fato que decididos na mais alta não podem ser rediscutidos na mais baixa) ou, ao menos, que a decisão jurisdicional na instância cuja competência material tem por objeto o delito penal penetra no âmbito reservado a competência da jurisdição civil, e nela produz os efeitos prejudiciais a que se refere o art. 935, isto é, dirime no cível qualquer litígio que tenha por objeto a existência do fato delituoso ou quem seja o seu autor. 

Assim, como visto, tanto a esfera civil como a administrativa são influenciadas pela decisão no juízo penal, que exonera o servidor público do delito imputado no âmbito interno. 

III – DO POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL SOBRE A MATÉRIA 

A presente matéria desperta a atenção dos doutos desde o início do século, tendo o homem se mantido fiel ao velho dogma de que declarada a inocência do réu o delito desaparece, sem seqüelas as instâncias administrativa e civil, ficando “enclausurado” o crime no julgado proferido pelo tribunal competente. 

Sobre o efeito absoluto ou erga omnes do Juízo Penal, o Tribunal de Conflitos da França, no caso Abranches et Demarest (1951), deixou registrada na história do direito administrativo a intercomunicação das instâncias, para que a teoria da transparência reflita a devida influência no apenamento ou na absolvição do acusado: 

“… resulta da missão do Juiz penal que tem, em princípio, a plenitude da jurisdição.”[3]

Em abono ao posicionamento da jurisprudência administrativa francesa, FRANCISCO CAMPOS[4], também no início do século, com “pena de ouro”, já deixava assente a força absoluta da coisa julgada criminal influenciando a esfera administrativa: 

“A regra que é absoluta a força da coisa julgada criminal, ou, em outras palavras, de que o juiz penal tem a plenitude de jurisdição, por mais diversas sejam as palavras em que varia a expressão do seu fundamento, encontra justificativa, em última análise, na consideração de que a matéria penal se manifesta, de maneira mais direta, mais veemente e mais ostensiva, o princípio de ordem pública, embora este princípio não deixe de constituir, igualmente, pressuposto necessário da autoridade da coisa julgada, em cuja atividade ele não se manifesta de maneira tão imediata, tão flagrante e com o mesmo caráter impositivo que distingue e singulariza a sua exteriorização no Juízo Penal.” 

Perfilhando-se a esta corrente doutrinária histórica, o eminente Ministro NELSON HUNGRIA[5], baluarte do Direito Penal no cenário nacional, assim averba sobre a pena administrativa e pena criminal: 

“Pena administrativa e pena criminal. Se nada existe de substancialmente diverso entre ilícito administrativo e ilícito penal, é de negar-se igualmente que haja uma pena administrativa essencialmente distinta da pena criminal. Há também uma fundamental identidade entre uma e outra, posto que pena seja, de um lado, o mal inflingido por lei como conseqüência de um ilícito e, por outro lado, um meio de intimidação ou coação psicológica na prevenção contra o ilícito. São species do mesmo genus. Seria esforço não procurar distinguir, como coisas essencialmente heterogêneas, e.g., a multa administrativa e a multa de direito penal.” 

Mais uma vez, dada a grandeza e força do posicionamento doutrinário, é de se registrar o autorizado posicionamento de FRANCISCO CAMPOS[6]:

“Quanto à punição disciplinar, outra não pode ser a relação entre a jurisdição penal e sua pseudomor fase administrativa, pois esta não é mais do que o exercício mediante formas processuais análogas às prescritas ao processo judicial, do poder administrativo ordinário ou comum. Quando, pois, se diz que o pronunciamento jurisdicional no crime repercute no exercício do poder disciplinar da administração, não se está regulando a relação entre duas jurisdições, mas a relação entre o poder formalmente jurisdicional e a administração, cujos atos estão, indistintamente, sujeitos a apreciação da Justiça, seja a priori, para evitar sua prática, seja a posteriori, para os anular, quando editados, nos seus efeitos”. 

Sob o prisma da doutrina comparada, WALINE[7], mesmo analisando a controvérsia sob o prisma da qualidade de jurisdição do direito francês, onde o rigor da independência das instâncias é mais nítido do que em nosso direito, conclui, entretanto, pela radiação do julgamento penal sobre o administrativo: 

“Le jugement pénale ne lie l´autorité invertie de l´autorité disciplinare que dans la mesure où il affirme l´existence ou l´inexistence du fait incriminé”. 

Na Itália não é diverso o entendimento, e, depois de estabelecer que as duas ações (penal e disciplinar) são independentes entre si, D´ALLESIO[8] confirma o princípio em tela: 

“Non si puó for luogo a procedimento disciplinare se il giudizio penale a termine con una decisione che escluda l´esistenza del fatto imputato o, pur ammenttendolo, escluda che l´impiegato vi obbia preso parte.” 

ZANOBINI[9] não discrepa o que foi dito: 

“la sentenza de absolvição) esclude il procedimento disciplinare quando in essa sai esclusa l´esistenza del fatto imputado o, pure essendo amnesso il fatto sai escluso che l´impiegato vi oblia peco parte; in tali ipotese, da sospensione è revocata e l´impiegato riaquista il diritto agli stipendi non percepiti. Lo stesso effetto della sentenza há l´ordinanza pronunciata, con lo stesso contenuto, in sede instruttoria.” 

E o Conseil d´Etat françês, em 14 de maio de 1948, decidia que[10]:

“… no exercício do poder disciplinar, a administração não tem o direito de afirmar a existência do fato se o juiz criminal afirma a sua inexistência.” 

Por igual, a jurisprudência nacional prestigia a absolvição criminal como fator de isenção da pena máxima administrativa: 

“Desde que o servidor foi absolvido em processo criminal e nenhum resíduo restou sob o aspecto administrativo, não se justifica a sua demissão.[11]” 

“Só negando a autoria ou o fato, a sentença do crime reflete-se no âmbito administrativo.[12]” 

“Ocorrendo a demissão em virtude de inquérito administrativo e sendo negada a autoria do fato, no Juízo criminal em sentença transitada em julgado, não há mais considerar o mesmo fato, na esfera administrativa.[13]” 

“A absolvição do crime produz efeito na demissão desde que não haja resíduo a amparar o processo administrativo.[14]

“FUNCIONÁRIO PÚBLICO – DEMISSÃO – JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E JURISDIÇÃO PENAL – A jurisdição administrativa é independente da criminal, podendo subsistir a demissão oriunda de falta grave, apurada em inquérito administrativo, desde que o juízo criminal não tenha negado a existência do fato determinante da demissão.[15]

“FUNCIONÁRIO PÚBLICO – ABSOLVIÇÃO CRIMINAL – PENA ADMINISTRATIVA. – Negada a existência do fato, no juízo criminal, não subsiste a pena administrativa.[16]” 

Participando deste último julgado, o eminente Ministro DJACI FALCÃO[17] ao concordar com o voto do Min. Relator, deixou consignado: 

“A decisão de natureza administrativa está intimamente vinculada com a imputação de ilícito penal e, se este não ficou provado, em face de controvérsia quanto aos fatos, não está caracterizado, de igual modo, o ilícito administrativo.” 

Com igual brilho o Ministro EVANDRO LINS[18], também destacou: 

“Ora, essa sentença repeliu o fato tido como criminoso. Não era possível que o inquérito administrativo subsistisse com a acusação de um desfalque, que o Juiz repeliu. Não sobrou resíduo algum para imposição da pena de demissão.” 

Quanto aos pronunciamentos administrativos, parece suficiente referir a Exposição de Motivos do extinto DASP[19]

“g) o órgão competente para ajuizar se determinado ato constitui crime é o Poder Judiciário e, assim, só sentença condenatória justifica seja aplicada a penalidade prevista no item II do art. 239 do Estatuto; 

h) isso não contraria o princípio da independência das instâncias administrativas e judicial e até o confirma, porque a penalidade administrativa, neste caso, não se poderia aplicar nem que fosse deferido como crime o ato imputado, e essa definição só poderá ser feita mediante decisão judiciária; 

i) portanto, ao funcionário só se poderá aplicar a penalidade de demissão a bem do serviço público baseada no item II do art. 239 do Estatuto dos Funcionários Públicos depois da condenação penal na forma da lei.” 

Portanto, após estas expoentes lições, não há como ser desprezado que a relação do direito penal é muito estreita com o “direito penal administrativo”, influenciando-o, e, ao mesmo tempo, sobrestando procedimento disciplinar que tenha por objeto punição baseada nos fatos já decididos na esfera judicial, desde que haja a absolvição dos acusados.[20]

Razão pela qual, o artigo 126 da Lei 8.112/90 exime a responsabilidade administrativa do servidor absolvido na esfera criminal “que negue a existência do fato ou de sua autoria.” 

IV – REINTEGRAÇÃO AO SERVIÇO PÚBLICO AFASTA O BIS IN IDEM. 

Para legitimar a demissão do servidor federal, o artigo 132 da Lei 8.112/90, estipula: 

“Art. 132 – A demissão será aplicada nos seguintes casos: I – crime contra a administração pública;

 ……………………………………………………………………………………………..

IV – improbidade administrativa;  

………………………………………………………………………………………………

VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos;

……………………………………………………………………………………………..

X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; 

XI – corrupção.” 

 

Ora, a demissão é o ato por meio do qual se exclui o funcionário dos quadros da Administração, a título de sanção disciplinar, por incorrência em falta irresgatável, apurada após o devido processo legal.[21]

Todavia, se tais faltas funcionais são julgadas improcedentes pelo Poder Judiciário, falece vigor a decisão emanada pala autoridade administrativa no campo da sua competência, pois o fato novo, criado pelo Juízo Criminal, autoriza a revisão do apenamento. 

Em abono ao que foi dito, o artigo 174 da Lei 8.112/90, permite que haja revisão do processo disciplinar, quando forem aduzidos fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido, ou a inadequação da penalidade aplicada: 

“Art. 174 – O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.” 

Este preceito legal possibilita que ocorra a revisão do processo administrativo em casos como o presente, onde a inocência do servidor é declarada pelo juízo criminal, e, como consequência, a demissão se afigura como apenamento injusto e incorreto.

 EDUARDO PINTO PESSOA SOBRINHO[22], ao discorrer sobre a revisão do processo disciplinar, realça a necessidade permanente de impedir a perpetuação de penas ilegais e descompassadas com a realidade dos verdadeiros fatos e fundamentos norteadores da lide: 

“A revisão do processo disciplinar é medida de alta significação processual, tanto que, disciplinada em capítulo próprio, onde especifica os princípios e declara seus propósitos. A intenção legislativa, na espécie, visa, tão-somente, a impedir a perpetuação da ilegalidade, porventura ocorrida na decisão do inquérito. Daí não permitir que a simples alegação de injustiça seja motivo para a revisão. Constituindo novo processo, para reexame do primeiro, a revisão requer elementos novos, capazes de alterar a decisão anterior.” 

Visa, portanto, a revisão do processo administrativo possibilitar que não sejam perpetradas injustiças. 

Após a inequívoca demonstração da absolvição no procedimento criminal, mister se faz que haja influência da decisão judicial na esfera administrativa, pois não é lícito que permaneça a cassação da aposentadoria ou a demissão se houve absolvição das imputações ilícitas que foram dirigidas ao servidor público. 

O que ocorre no caso sub oculis é a configuração do bis in idem, em razão de uma punição acarretada pelos mesmos fatos que foram julgados pelo Poder Judiciário.

Esta conduta se afigura como a mais desprezível, devendo ser abolida do cenário jurídico: 

“Muito se discute, porém, sobre a superposição de sanções disciplinares e penais, quando o fato apurado, além de ser capitulado como falta punível administrativamente, é igualmente considerado crime e passível de uma sanção penal. É o medo do bis in idem, da punição dupla pelo mesmo fato, que não é admissível em nosso Direito.”[23]

Nesse sentido o Enunciado de Súmula 1 do STF, desde as priscas eras, já determinava: 

“Súmula 1 – É inadmissível segunda punição de servidor público baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira.” 

Nessa moldura, para que se evite o bis in idem, após a absolvição do servidor, não pode persistir a pena administrativa em questão, por originar-se de fatos oriundos do mesmo procedimento funcional. 

Além do mais, “não há de falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto de um ilícito penal. A separação entre um e outro atende apenas a critérios de conveniência ou oportunidade, afeiçoados à medida do interesse da sociedade e do Estado …”[24]

Para finalizar, NELSON HUNGRIA[25] coloca verdadeira “pá-de-cal” na matéria, em razão de ter sido um dos maiores expoentes do nosso direito repressivo, mantendo-se vivo os seus posicionamentos até os dias de hoje: 

“E apresenta-se, então, um debatido problema: em tais casos, tratando-se do mesmo agente, a aplicação cumulativa das duas penas – a administrativa e a criminal – importa, ou não, infração do non bis in idem? Ainda mais: absolvido no juízo penal, pode o acusado, pelo mesmo fato, ser condenado no processo disciplinar? Ou ainda: condenado precedentemente no processo disciplinar, mas vindo a ser, pelo mesmo fato, absolvido no Juízo penal, tem o acusado direito a restitutio in pristinum? Não obstante a diversidade das vias processuais (uma administrativa, outra judicial-penal) a resposta, em nosso modo de entender, não pode deixar de ser afirmativa no primeiro e no terceiro caso, e negativa no segundo.” 

V – CONCLUSÃO 

Mesmo sendo independentes as instâncias administrativas e judiciais são harmônicas, pois a segunda instância possui o condão de apagar, em definitivo, qualquer injustiça ou ilegalidade cometida na primeira situação. 

Nesse diapasão, a absolvição criminal não poderá ser desprezada no âmbito da Pública Administração. Pois senão teríamos a figura do bis in idem

A única condicionante é que no julgamento criminal haja juízo explícito dos fatos tidos como ilícito penal e que foram condicionantes para a demissão ou a cassação da aposentadoria do servidor. 

Por esta razão, entendemos que a reintegração do servidor é medida reparadora e salutar, de quem após longo e desgastante processo penal foi absolvido. 

Pensar ao contrário é legitimar o bis in idem

 

Mauro Roberto Gomes de Mattos, advogado no Rio de Janeiro. Vice-Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP, Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. 

 


[1] Mauro Roberto Gomes de Mattos, Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público, Ed. Forense, p. 421

[2] “Direito Administrativo e Direito Penal”, in Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público, ed. Forense, 1998, págs. 424/425

[3] Revue Administratif, 1951, pág. 493, nota de Lieto Veaux

[4] “Funcionário Público – Pena Disciplinar – Jurisdição Penal e Jurisdição Administrativa” in Direito Administrativo, vol. II, ed. Freitas Bastos, 1958, pág. 364/365.

[5] Nelson Hungria, “Ilícito Administrativo e Ilícito Penal”, in RDA – Seleção Histórica, ed. Renovar, pág. 17.

[6] Francisco Campos, ob. cit. ant., pág. 370.

[7] Droit Administratif Français, 6ª Edição, pág. 352.

[8] Istituzioni Di Diritto Amministrativo Italiano, Vol. I, pág. 579.

[9] Corso de Diritto Amministrativo, 5ª Edição, Vol. III, pág. 31.

[10] Recueil, 1949, pág. 211.

[11] TJ-SP, em RDP, vol. 16, pág. 249.

[12] TJ-RJ, em RDP, vol. 37/38, pág. 253.

[13] STF, em RDP, vol. 32, pág. 116.

[14] STF, RE 32.258, 1ª. Turma, Rel. Min. Afrânio da Costa, in RDA 51, pág. 177.

[15] STF, RE 18.510, Rel. Min. Rocha Lagoa, 2ª. Turma, in RDA 51, pág. 179.

[16] STF, RE 53.250, 2ª. Turma, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, in RDA 94, pág. 86.

[17] RE 53.250, in RDA 44, pág. 87.

[18] RE 53.250, in RDA 94, pág. 89.

[19] D.O. de 31.03.43.

[20] cf. MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS, ob. citada, pág. 428.

[21] cf.. GUIMARÃES MENEGALE, O Estatuto dos Funcionários, ed. Forense, 1962, Vol. II, pág. 59.

[22] Eduardo Pinto Pessoa Sobrinho, Manual dos Servidores do Estado, 13ª Edição, ed. Freitas Bastos, 1985, pág. 1.135.

[23] Palhares Moreira Reis, Os Servidores, A Constituição e o Regime Jurídico Único, 1ª Edição, 1993, Centro Técnico de Administração Ltda, pág. 182.

[24] Nelson Hungira, ob. cit. ant., in RDA, vol. 1-I, pág. 15.

[25] RDA citada ant., pág. 18.

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