Opinio Juris

Direito Médico: O Projeto de Lei 6330/19 e o efetivo acesso aos quimioterápicos

O projeto de Lei 6330/19, que altera a Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), para ampliar o acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral pelos usuários de planos de assistência à saúde, foi vetado pelo Presidente na data de ontem.

                    O texto prevê que os planos sejam obrigados a cobrir custos de medicamentos usados em tratamentos de câncer a partir do momento em que o remédio for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), excluindo a obrigatoriedade, atualmente existente, de anterior avaliação de tecnologias de saúde (ATS) e inclusão do medicamento do Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde atualizado a cada 2 anos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

                    Os que defendem o Projeto de Lei têm como principal argumento a demora na avaliação da ANS, cuja lista de medicamentos autorizados é atualizada a cada 2 anos. Assim, considerando que a última atualização foi em maio de 2019, um medicamento cuja autorização tenha sido solicitada em junho de 2019, só vai entrar no rol nesse ano de 2021, e essa demora é muito significativa para os pacientes em tratamento de câncer, aumentando o número de internações, complicações e qualidade de vida, e as vezes até ocasionando a morte dos pacientes.

                    Cumpre salientar que a 3ª Turma do STJ – Superior Tribunal de Justiça, reafirmou o entendimento que declara o caráter exemplificativo do rol de procedimentos obrigatórios para os planos de saúde.

                    Os que se opõem ao projeto de Lei, consideram a avaliação de tecnologias de saúde fundamental, sendo necessária essa criteriosa avaliação, mas também criticam a demora no procedimento da ANS, sugerindo, ainda, a unificação dos processos de avaliação e a existência de uma única agência de avaliação de tecnologia, considerando que a avaliação dos medicamentos que serão usados no SUS é feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), no prazo de 06 meses.

                    A medicina tem avançado bastante nas pesquisas, e hoje os medicamentos orais representam cerca de 70%  do tratamento de câncer, sendo certo que a tendência é que esse percentual aumente em futuro próximo, valendo ressaltar que esses novos tratamentos tem apresentado uma menor toxicidade.

                    Ocorre que esse avanço cientifico traz uma enorme preocupação com os custos dos tratamentos.

                    Há de se considerar que essa incorporação automática dos medicamentos novos, sem a avaliação do impacto econômico e de sua efetividade e benefícios, pode comprometer os sistemas de saúde suplementar, com a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos cujo custo/efetividade não foi avaliado.

                    Por essa razão, até mesmo a Organização Mundial de Saúde (OMS), recomenda a avaliação de tecnologia e impacto econômico, bem como uma avaliação comparativa de diversos produtos para a mesma terapia, visando oferecer melhores resultados ao menor custo.

                     Podemos concluir que o projeto de lei em questão fere a nossa Carta Magna que traz em seu artigo 196 a garantia de ser a “saúde um direito de todos e dever do Estado”, posto ter uma abrangência bem limitada, visando favorecer, com os medicamentos específicos, apenas aos beneficiários de planos de saúde, excluindo a maioria da população brasileira que, por ser exclusivamente dependente do SUS, não seria alcançada por essa cobertura.

                    Referido projeto de lei exclui os mais de 160 milhões de brasileiros do acesso a medicamentos mais eficazes e importantes para o tratamento do câncer, pois para serem oferecidos pelo SUS, terão que ser avaliados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), encarregada da Avaliação Tecnológica da Saúde (ATS) na rede pública.

                    A sanção do projeto de lei em análise, na prática, significaria dizer que os novos medicamentos orais para câncer, com registro ou que vierem a ser registrados na ANVISA, serão, automaticamente incorporados na cobertura dos planos de saúde prevendo, ainda, que o fornecimento desses medicamentos deve ocorrer em até 48 horas após a prescrição médica.

                    Impõe considerar que essa situação, com certeza, trará grande impacto financeiro para as operadoras de saúde, que já vivenciam uma sinistralidade de cerca de 87%, e para fazerem frente à imposição, repassarão esse custo para as mensalidades dos beneficiários contratados.

                    Esse impacto financeiro vai exatamente em sentido contrário ao objetivo declarado no Projeto de Lei, que é de maior acesso aos beneficiários dos planos de saúde aos medicamentos orais inovadores para tratamento do câncer, uma vez que, ampliando a cobertura sem a analise tecnológica, os planos de saúde ficarão mais caros, e assim, uma parcela ainda menor da população poderá contratar ou manter seus planos de saúde suplementar, principalmente considerando a grave crise política, sanitária e econômica que vivemos.

                    O agravamento da crise econômica em razão da pandemia do novo Coronavírus, aliado ao aumento dos custos dos planos de saúde que por certo decorrerão do Projeto de Lei em questão, diminuirá o número de beneficiários dos planos de saúde suplementar, sobrecarregando ainda mais o SUS.

                    Assim, ampliar o acesso aos quimioterápicos orais para a população, obviamente seria beneficiar todo e qualquer cidadão acometido pela doença que necessitasse fazer uso do medicamento, colocando esses medicamentos a disposição no SUS, unificando e agilizando o processo de avaliação tecnológica, por exemplo.

                    A ANVISA já tem um processo acelerado de registro de medicamentos para doenças raras, onde se encaixa o câncer nas formas para as quais a quimioterapia oral é recomenda, e a agilização desse processo de avaliação de tecnologias em saúde, considerando a pressão sobre o financiamento da saúde, poderia ser melhor direcionado se fosse unificado, disponibilizando o medicamento inovador para toda a população, e não apenas para uma parcela cada vez menor que faz uso da saúde suplementar.

                    É certo que dar ao cidadão acesso a medicamentos de última geração, mais eficazes para o tratamento de doenças como o câncer, é o que deveria existir sem sombra de dúvida, mas esse acesso tem que ser efetivo.

                    Vejo que, da maneira como foi aprovado, o Projeto de Lei 6330/19 não vai alcançar o seu objetivo, produzindo como efeito colateral o encarecimento do plano de saúde, que é exatamente o oposto ao pretendido, frustrando quem a muito precisa de tratamento, e distanciando ainda mais a população de um tratamento digno, humanitário e eficiente.

                    Da forma como foi proposta, no meu sentir, o Projeto de Lei 6330/19, se sancionado, criaria uma falsa sensação de melhoria e acesso aos medicamentos inovadores para pacientes de câncer beneficiários de planos de saúde, pois na verdade diminuirá o acesso aos planos de saúde diante do encarecimento desses, que por certo viria, além de representar enorme discriminação, criando classes de brasileiros, dividindo-os entre os que tem condições de contratar saúde suplementar e assim poderiam receber tratamentos mais eficientes em tempo, e aqueles que dependem exclusivamente do SUS, da saúde pública, e não tem direito de acesso a esses mesmos medicamentos no tempo necessário.

                    A Saúde precisa ser discutida como um todo, de forma geral e irrestrita, em obediência aos ditames Constitucionais.

Olinda de Quadros Altomare Castrillon – Juíza de Direito e pós graduada em Direito Médico e bioética pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

 

 

 

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