A rotina de Benjamin, 3 anos, começa cedo. Mais especificamente às 5h. Ele faz suas refeições, via gastrostomia percutânea (GTT), e a sua mãe Sara Cortez, 26, realiza as limpezas e os curativos em sua traqueostomia, além de administrar as medicações. Das 9h às 12h, o garoto faz fisioterapia e fonoaudiologia. À tarde, Sara faz a estimulação do filho, conforme orientação da clínica. À noite, a rotina da manhã se repete. Benjamin dorme às 20h30.
Ainda na gestação, ele foi diagnosticado com hidrocefalia e com síndrome de Dandy-Walker. Desde o nascimento, os pais enfrentam dificuldades diárias para que ele tenha a melhor qualidade de vida possível. A história de Benjamim e de milhões de pessoas no Brasil é celebrada em 21 de setembro, quando foi instituído o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 6,2% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência, seja auditiva, visual, física ou intelectual. Como forma de representação da luta diária, tanto das PCD quanto dos familiares, a data propõe, dentre outras questões, o debate sobre a importância do diagnóstico precoce para uma melhor qualidade de vida.
Segundo a fisioterapeuta neuropediatra e doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Mackenzie, Camila Albues, o diagnóstico precoce traz benefícios importantes para a criança que tem deficiência, que é a possibilidade de ter um bom diagnóstico funcional. “Nesse diagnóstico, nós focamos no aprendizado da criança de uma forma que ela alcance o potencial total, não como todo mundo, mas da maneira dela”, explica Camila que fundou a clínica há 10 anos motivada desde a faculdade, e criou um modelo voltado para a família, de forma acolhedora e humanizada.
Esse benefício é observado diariamente por Erica Capriata Gonçalves, 32, no filho Pedro de 1 ano e 4 meses, que nasceu com uma síndrome genética rara, chamada Síndrome de Sotos. Entre as características dessa síndrome estão o atraso no desenvolvimento, más-formações cerebrais e hipotonia. Por isso, Pedro começou a fazer fisioterapia desde os três meses de vida. “Toda semana, ele ganha uma habilidade nova, e a fisioterapia é fundamental para o desenvolvimento dele. Sem o acompanhamento da fisioterapeuta, da terapeuta ocupacional, da fonoaudióloga, ele não estaria se desenvolvendo tão bem”, relata Erica.
Camila Albues, conta que esse é o objetivo da clínica, dar oportunidade para que as crianças sejam bem atendidas. “Queremos dar oportunidade para elas serem crianças num mundo tão atípico. Não são as crianças que são atípicas é o mundo que não consegue enxergar a beleza delas”.
Apesar do acompanhamento e das alegrias proporcionadas pelo desenvolvimento constante, os pais relatam dificuldade na inclusão das crianças em ambientes sociais, como na escola. Thaciane Garcia, 28, relata as batalhas enfrentadas para encontrar uma escola que atendesse às necessidades de Diana, que completa 5 anos no início de outubro, diagnosticada com microcefalia. A mãe dela contraiu Zika Vírus no quarto mês de gestação.
“Algumas escolas particulares quiseram que a gente pagasse outro salário para uma pessoa ficar com ela. Em uma delas, eu fiquei na adaptação, dentro da sala com a Diana durante duas semanas, mas dessa forma ela não iria se adaptar. A gente chegou a ouvir ‘não tem como aceitar sua filha’”, lembra Thaciane.
Antes da pandemia, Diana conseguiu uma vaga em uma escola pública, onde tem o acompanhamento de um profissional totalmente dedicado às necessidades dela. Sentindo-se acolhida, tanto pela estrutura quanto pelas outras crianças, Thaciane chegou à conclusão de que se soubesse que seria dessa forma não teria nem tentado a adaptação em escolas particulares.
Além da falta de acessibilidade, as mães lidam com outra questão, o isolamento social, afastamento de amigos e familiares após o diagnóstico dos filhos. O comportamento é visto em coisas como, não procurar fazer parte da vida da criança ou deixar de convidá-la para uma festa de aniversário infantil.
Esse isolamento parte da falta de aceitação do diagnóstico. Sobre isso, as mães relatam que algumas pessoas da própria família começaram a usar os jargões “ele vai ser curado”, “isso não existe, com o tempo vai ficar tudo bem”. Com o passar do tempo, elas relatam que as pessoas passaram a entender mais sobre a situação e que a criança não precisa de cura. E são felizes do jeito que são.
Tanto Sara quando Erica encontraram suporte em redes de apoio de mães que têm filhos com alguma deficiência. “As pessoas encaram como um fardo ser mãe de uma criança com deficiência, uma cruz. Chamam a gente de guerreira, como se estivéssemos num patamar diferente de mãe e acabam dizendo que, no fundo, a gente foi escolhida porque é mais forte ou tem mais capacidade que outras mães. E não é isso. Somos mães como quaisquer outras”, afirma Sara ao comentar que continuará na sua luta diária em busca de terapias que proporcionem melhor qualidade de vida ao pequeno Benjamim.
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