Opinio Juris

Dia dos Povos Indígenas

Antigamente nas escolas e por todo país no dia 19 de abril era comemorado o Dia do Índio. Digo era comemorado porque hoje se comemora o Dia do Indígena. Antes de escrever sobre essa mudança, registro que a data em si foi criada pelo Decreto-Lei nº 5.540, de 2 de junho de 1943, editado pelo então presidente da república Getúlio Vargas. O motivo da sua criação foi a proposição aos países da américa da adoção aprovada no primeiro congresso indigenista interamericano, reunido no México no ano de 1940.
Observe-se que o decreto-lei 5.540/1943 motivava a criação da data por conta de proposição do primeiro congresso indigenista americano. Passados 79 anos e depois de muitas críticas sobre a utilização do termo Dia do Índio, que tem caráter folclórico e preconceituoso, o presidente Jair Messias Bolsonaro instituiu pela Lei Federal 14.402, de 8 de julho de 2022, o Dia dos Povos Indígenas, revogando expressamente o Decreto-Lei nº 5.540/1943.
A data de celebração do Dia dos Povos Indígenas é muito importante para a diversidade cultural do Brasil e seus povos originários, mas deve ser acima de tudo um necessário momento de reflexão para fazer real as melhorias nos direitos desses povos com o combate ao preconceito estereotipado.
Além disso, mais do que pintar os rostos das crianças nas escolas, é preciso que se efetive um ensino de maior conhecimento sobre os diferentes povos e culturas indígenas, mostrando as gerações futuras que a luta pelos seus direitos deve fazer parte da política pública, com denúncia do genocídio indígena que aconteceu ao longo da história brasileira, pressionando o governo para acelerar o processo de demarcação de suas terras.
Os crimes e os abusos cometidos diariamente aos povos indígenas exigem a pronta atuação das autoridades públicas brasileiras, combatendo-se a exploração ilegal de suas terras por fazendeiros, mineradores e madeireiros como se observar na região norte do nosso país, onde falta uma efetiva ação de defesa das suas condições de sobrevivência, em especial alimentação, saúde e segurança.
De nada adianta renomear a Fundação Nacional do Índio para Fundação Nacional dos Povos Indígena como fez o atual governo federal se não existir uma eficaz política pública para sua proteção e respeito aos seus direitos como povos originários, para extinção dos estereótipos e para garantia de efetiva demarcação suas terras, permitindo-lhes alimentação, prática de cultura ancestral, saúde e segurança.
O livro “A terra dos 1000 povos: história indígena do Brasil”, de Kaká Werá Jecupé, bem que poderia ser uma obra de estudos por todos os que se importam com a causa indígena, pois nele propõe uma revisão da história, e inclui a cronologia da história brasileira para mostrar que ela não começou em 1500, o que precisa sempre ser realçado quando se falar em política pública com tal especialidade.
Por certo, uma vez realizada essa conscientização, a fala de Daniel Munduruku sobre o vetusto, folclórico e preconceituoso Dia do Índio poderá um dia deixar de ser uma verdade inconveniente: “Quando a gente comemora o Dia do Índio, estamos comemorando uma ficção”.
Tudo para que os nossos governantes não se esqueçam de que indígena quer dizer entre outros significados o indivíduo pertencente a um dos povos que já habitavam as Américas em período anterior à sua colonização por europeus. É como esclarece Daniel Munduruku: “Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros”. Os guardiões da terra e não os donos dela como confundem os supostamente civilizados.

Foto: Flávia Salem
Indígena Mônica e seu filho Nhonhom, na Aldeia Tuyuca localizada no Alto Rio Negro – Manaus/AM.

Antonio Horácio da Silva Neto

About Author

Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e presidente da Academia Mato-grossense de Magistrados. Colaborador especial do Circuito Mato Grosso desde 2015.