A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) tem a quinta maior verba indenizatória do país, com R$ 65 mil por deputado. Desde abril de 2015, quando foi aprovado um decreto para legalizar esse valor, estendeu o direito (no valor de R$ 6 mil) a oito categorias da Assembleia Legislativa um mês depois e, desde o dia 11 de abril do ano passado, incluiu também assessores de imprensa e de gabinete no ressarcimento.
Esse dinheiro também não precisa ter seu gasto comprovado antes de ser recebido há três anos. É depositado diretamente na conta de cada um dos 24 parlamentares junto com o salário. Assim, nossos deputados recebem mais verba indenizatória (VI no jargão dos próprios) que estados com maiores índices de arrecadação, como Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Não há esclarecimento se o mesmo ocorre (sem a não necessidade de comprovação) no caso dos assessores e demais funcionários no usufruto do direito.
No meio das assembleias mais gastadoras, Mato Grosso é o único Estado com menos de 300 anos. A mais perdulária é a do Rio de Janeiro, seguida por São Paulo, Bahia e o caçula que nem Estado é, mas um Distrito Federal. Os dados constam de um relatório do extinto trabalho Excelências, da ONG Transparência Brasil.
A modificação do decreto 42 (que concedia o direito aos R$ 6 mil para secretários, consultor jurídico, consultor legislativo, controlador interno, procurador-geral, consultores dos núcleos das comissões, chefes de gabinete e gestores de gabinete), incluindo assessores jurídicos e assessores de imprensa “de gabinete”, jornalistas que assessoram diretamente a um deputado, está disponível para consulta no site da AL.
Áudio de Jajah Neves trouxe à tona problema
A polêmica mais recente em torno dessa não comprovação de gastos se deu após o vazamento de uma gravação em áudio, no qual o deputado Jajah Neves (PSDB) fala várias coisas quanto ao uso desse dinheiro e implica diretamente o colega de partido e deputado licenciado Wilson Santos (PSDB), atual secretário de Estado das Cidades.
O caso segue sob investigação do Ministério Público.
Na contramão dos ganhos de outros trabalhadores, cujos reajustes são baseados na inflação acumulada, a verba indenizatória quadruplicou. Aqui, o recorte se dá no começo dos efeitos da crise econômica mundial no Brasil, no biênio 2010-2012.
Entre 2010 e 2011, a indenização parlamentar subiu de R$ 15 mil para R$ 20 mil, aumento médio de 33,3%. Na mudança desse mesmo 2011 para 2012, o salto foi ainda maior e chegou a astronômicos R$ 35 mil, ou 75% em relação a 2010. Como se vê, não parou por aí.
De outra feita, os números em torno dos deputados seguem superlativos. Nossos representantes no parlamento custam, em média de 12 meses, mais de R$ 30 milhões mensais ao Estado.
Valores tão complexificados que precisam ser fiscalizadas por outro órgão, o Tribunal de Contas do Estado, seus vários conselheiros e ainda assim sempre discutidos e revisados, numa miscelânea de gastos e derrame de dinheiro público espalhado por despesas de salários, verba indenizatória, salários de funcionários comissionados nos gabinetes, verba extra para esses mesmos gabinetes e combustíveis.
Deputados podem rodar até 10 mil km por mês com verba
Só neste último item, quase R$ 3,8 mil mensais para cada um, ou R$ 91 mil em média, considerando os mil litros (vendidos a uma média de R$ 3,80 na capital) disponíveis para cada deputado. Outros R$ 6 mil é quanto custam as despesas de escritório de cada um dos chefes de gabinete.
A justificativa para a disposição dos 24 mil litros de combustíveis mensais são as viagens dos parlamentares para suas bases, localizadas no interior de Mato Grosso, além, claro, da circulação para chegar perto dos anseios do povo de Cuiabá.
Para não perder as contas, só entre VI mais despesas de escritório são R$ 71 mil, sem contar o auxílio transporte. Cada deputado recebe como salário R$ 25,3 mil. Assim, até aqui, só pra ir até a Casa de Leis e comprar material de trabalho como papel, toner e canetas, por exemplo, cada deputado consome R$ 96,3 mil.
E nenhum sequer começou a pagar seus respectivos séquitos, formados por, no mínimo, dez comissionados, a exercer funções como recepcionista, assessor parlamentar, auxiliar legislativo e assessor de imprensa. O nome disso é verba de gabinete e demanda outros R$ 70 mil.
Ou seja, pela média de gastos e eventuais variações salariais, nenhuma lei sai sem um custo potencial de pelo menos R$ 149 mil, via deputado e correligionários, a cada intervalo de 30 dias, a contar com a devolução de tudo que não for gasto, claro. A título de cálculo aqui, 10% da dinheirama.
Presidente alega que não pode questionar os gastos
Como já citado no texto, a Assembleia Legislativa não fiscaliza de maneira direta os gastos dos deputados estaduais com a tal VI. Não é necessário especificar qual serviço ou produto foi contratado ou comprado nem é preciso apresentar a famosa notinha para prestar, enfim, contas de como os R$ 65 mil foram torrados. Segundo a assessoria de comunicação da AL, cada deputado tem contabilidade individual dessas despesas. Para o presidente da Casa, Eduardo Botelho, não é porque não tem controle formal que não há um controle. Veja a íntegra as respostas de Botelho ao Circuito Mato Grosso sobre a questão.
Circuito Mato Grosso – O senhor não vê problema no fato de os deputados não precisarem prestar contas de uma verba chamada de indenizatória, mas que é recebida antes mesmo de gastarem?
Eduardo Botelho – Eu não vejo isso. Inclusive os outros poderes também recebem, é menor, mas não prestam contas também. Quer dizer, alguns prestam e outros não.
Circuito Mato Grosso – Qual garantia de que devolvem a parte não usada?
Eduardo Botelho – O deputado, na verdade, não tem… eu não tenho como dizer a garantia que tem. Tem que se ver o seguinte, e aqui eu faço uma pergunta: os outros (poderes) devolvem? Pra mim é complicado falar, sou presidente, tenho que defender a Casa, os deputados. Só posso dizer que quando foi feita essa lei eu não era presidente, quem fez foi o Guilherme (Maluf), e a lei foi votada no TJ, foi referendada. A OAB entrou (com ação), mas a Assembleia ganhou, não tenho muito que comentar. Se falar alguma coisa, posso falar qualquer coisa. Então não tenho como falar muito. Mas acho que podia ouvir outros deputados. Minha função é defender a maioria dos deputados da Casa, e isso é inclusive regimental, o presidente tem que defender o que a maioria acatou. Então não tenho muito comentário a fazer sobre isso.
Justificativa da lei
A presente proposta visa o aperfeiçoamento da legislação interna da Casa, sendo que o cerne da alteração reside na inclusão do Assessor Jurídico de Gabinete e do Assessor de Imprensa do Gabinete no rol de servidores que têm o direito de perceber a verba indenizatória. A referida verba não possui natureza remuneratória, MAS SIM INDENIZATÓRIA, isto é, objetiva ressarcir gastos realizados no exercício da função até certo limite de valor, considerando, como dito, que ao se dar obrigações e metas a serem cumpridas, devem ser dados os meios para sua obtenção, sob pena de se inviabilizar o cumprimento dessas atribuições. Diante do exposto, em atenção à natureza das funções típicas e atípicas do Poder Legislativo; à complexidade da sua execução; à sua obrigatoriedade e consequente necessidade de meios para cumpri-las; ao caráter indenizatório da verba; à simplificação dos valores recebidos a título de ressarcimento; à maior flexibilidade e, consequente, eficiência nos gastos, e ao respeito aos principais da legalidade, moralidade, publicidade e transparência, busca-se, por intermédio deste Projeto de Decreto Legislativo, a implantação da verba indenizatória para Servidores nomeados nos cargos de "Assessor Jurídico de Gabinete" e "Assessor de Imprensa de Gabinete" em efetivo exercício de suas atividades. Plenário das Deliberações “Deputado Renê Barbour” em 11 de Abril de 2017