PROCESSO PENAL
Delação só é anulada se houver fraude
Acordos de delação premiada ganharam status de ferramenta jurídica de desvelamento de grandes esquemas de fraudes e podem levar para a prisão figuras tarimbadas da política e da economia. A Operação Lava Jato, comandada pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal de Curitiba, colocou a colaboração em evidência e abriu brechas até mesmo para benefício de delatores.
O momento atual demonstra alguns reveses dessa situação com protesto contra benefícios pouco rígidos concedidos a colaboradores e a descoberta de mentiras e/ou omissão de informações. E a validade da delação premiada passou a ser questionada, visto que os casos sem consistência podem levar à anulação do acordo.
No entanto, o professor de direito penal Ricardo Moraes de Oliveira explica que ocorre confusão na interpretação da lei que normatiza a colaboração premiada. O conteúdo de depoimentos de delatores não pode ser anulado em casos de mentira ou omissão de informações, o que ocorre é uma revisão das informações, que passam a ser descartadas de acordo com a insuficiência de dados que suplementem o que foi passado em depoimento.
“Ocorre uma confusão entre anulação e revisão de delação premiada. A primeira só acontece caso seja aprovado que o delator foi forçado a prestar de depoimento ou quando aquilo que foi repassado por ele não atende a critérios da lei, que estabelece a necessidade de consistência das informações".
No caso dos empresários da J&F, os irmãos Wesley e Joesley Batista, a decisão da Justiça Federal foi a de revisar o acordo por causa de má-fé dos envolvidos que teriam omitido informação em depoimentos ao STF (Supremo Tribunal Federal).
“Na revisão, o delator pode perder os benefícios concedidos no acordo de delação, como não ir para a prisão. É o caso dos irmãos Batista presos nesta semana e que podem ser julgados como qualquer outra pessoa delatada por eles”.
Isso significa que as informações de esquemas repassadas por delatores são inutilizadas. Os casos passam por reavaliação pontual e os que não tiverem sustentação são desconsiderados. Em uma anulação, todo o conteúdo perde a validade.
“O caso delatado em acordo de colaboração não pode ser julgado somente pelo que está na delação, é necessário material externo e novo que comprove o que foi dito”, diz o professor Ricardo Moraes.
A análise pode ter reflexo na delação do ex-governador Silval Barbosa (PMDB). Desde o início da publicação de esquemas delatados à Procuradoria Geral da República (PGR), políticos e representantes do governo estadual têm feito declarações sobre eventual invalidação do depoimento por “mentiras” contadas por Silval. Mas o advogado Ricardo Moraes vê como improvável uma anulação.
“Para a delação de Silval ser anulada, terá que haver a prova de que ele foi forçado a dar depoimento ou então da avaliação de que as informações repassadas por ele não atendem a critérios judiciais. Mas o acordo já foi homologado.”
Ele explica que, nesta situação, o ex-governador pode ser obrigado a uma retratação para rever implicações a pessoas delatadas, mas sem prova de crimes.
Justiça pode usar provas indiretas
O presidente da Comissão de direito Penal e Processo Penal da OAB-MT (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso), Marco Antônio Magalhães, afirma que a Justiça deverá ouvir políticos que aparecem em vídeo da delação premiada de Silval Barbosa para confrontar depoimentos e documentos sobre a participação em esquemas de fraudes.
Ele afirma que os casos podem ser julgados de acordo com a regra de provas indiretas de implicação em crimes. Isso significa que os delatados terão que provar a inocência.
“Além de provas materiais, a Justiça pode usar provas de depoimento. Neste caso, existe o vídeo que mostra o envolvimento de políticos em alguma coisa. A situação é a de prova indireta. Se o dinheiro saiu da fonte para um elemento B e deste para um elemento C, o elemento C terá que provar que recebeu o dinheiro de outra fonte”.
Políticos que aparecem nas imagens divulgadas pela mídia afirmam que o ex-governador Silval Barbosa deturpou o contexto de distribuição de dinheiro para provar pagamento de propinas.
Foi o caso do prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (PMDB), da prefeita de Juara, Luciene Bezerra (PSB) e do deputado federal Ezequiel Fonseca (PP).